Site oficial do escritor e jornalista José Nêumanne Pinto

Jornalismo


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No Blog: Nêumanne entrevista Mara Gabrilli

“Santo André foi laboratório para mensalão e petrolão”, diz deputada

Filha de empresário achacado por bandidos armados no esquema de corrupção de Santo André, Mara Gabrilli constata que, pelo menos, tem sido feita justiça no caso Celso Daniel, escândalo que ainda aflige o Brasil

José Nêumanne

A deputada federal Mara Gabrilli, filha de um empresário de ônibus de Santo André – que foi uma das vítimas do achaque de administrações petistas da cidade sob o comando do prefeito Celso Daniel, executado a tiros no meio do mato –, acredita que esse esquema foi “laboratório” para mensalão, petrolão e outros escândalos posteriores. Lamenta que o ex-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) Ricardo Lewandowski tenha feito retroceder processos judiciais em que seus assassinos estavam sendo punidos e, também por isso, o mandante do crime, Sérgio Gomes da Silva, tenha morrido impune. Na sérieNêumanne Entrevista, ela também cita consequências em que vários envolvidos na corrupção e no assassinato pagaram por isso.

Mara Gabrilli, 50 anos, é publicitária, psicóloga e está em seu segundo mandato como deputada federal pelo PSDB de São Paulo. Foi secretária da Pessoa com Deficiência da Prefeitura da capital paulista e vereadora na Câmara Municipalpaulistana. Em 1994 sofreu um acidente de carro que a deixou tetraplégica. Três anos mais tarde fundou o Instituto Mara Gabrilli, que fomenta pesquisas científicas para cura de paralisias, apoia atletas do esporte paraolímpico e realiza projetos sociais e culturais para o desenvolvimento de pessoas com deficiência em situação de vulnerabilidade social. Recentemente, recuperou parte dos movimentos dos braços. É pré-candidata ao Senado Federal e candidata do Brasil ao comitê da ONU sobre os direitos das pessoas com deficiência. Em outubro de 2013 lançou pela editora Saraiva a biografia Depois DaqueleDia, escrita pela jornalista Milly Lacombe.

A seguir dez perguntas para Mara Gabrilli na série Nêumanne entrevista.

Mara Gabrilli lamenta que mandante da morte de Celso Daniel tenha morrido impune mercê de penada de Lewandowski Foto: Acervo Pessoal

Mara Gabrilli lamenta que mandante da morte de Celso Daniel tenha morrido impune mercê de penada de Lewandowski Foto: Acervo Pessoal

Nêumanne – Que tipo de sentimento a senhora tem quando lê, ouve ou vê a devassa promovida no Brasil por operações como a Lava Jato e, 16 anos depois da execução do prefeito petista de sua cidade, Celso Daniel, as providências continuam na estaca zero em termos da atuação da Justiça?

Mara Gabrilli – Olha, é claro que num mundo ideal o caso do assassinato do ex-prefeito Celso Daniel já estaria solucionado, com todos os envolvidos pagando suas penas atrás das grades. Mas acho que, ainda que lentamente, as coisas estão acontecendo. Há dois anos a 1.ª Vara da Fazenda de Santo André condenou o PT a devolver R$ 3,5 milhões aos cofres do município, e outros R$ 3,5 milhões a serem devolvidos de forma compartilhada pelo Ronan Maria Pinto, pelo Sérgio Sombra e pelo ex-secretário Klinger Oliveira. No ano passado, os desembargadores da 3.ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo confirmaram a sentença por unanimidade. O Sérgio Sombra está morto e o Ronan e o Klinger, condenados, com um pé na prisão. Uma multa de R$ 10,5 milhões ao PT também foi aplicada, tudo isso pelo envolvimento em esquema de corrupção instalado no setor de transportes públicos de Santo André, na gestão do ex-prefeito Celso Daniel (PT), executado a tiros em janeiro de 2002. Mas, sem dúvida, é um caso que ainda aflige não só os moradores de Santo André, mas de todo o Brasil. Eu confio na Justiça e ainda acredito que muita coisa sobre o assassinato do Celso Daniel virá à tona, mas estou satisfeita em saber que, de uma forma ou de outra, a justiça está sendo feita.

Mara Gabrilli atua como legisladora atuante na causa dos deficientes físicos na Câmara dos Deputados. Foto: Acervo pessoal

Mara Gabrilli atua como legisladora atuante na causa dos deficientes físicos na Câmara dos Deputados. Foto: Acervo pessoal

N – Que relação a senhora percebe haver entre a corrupção em Santo André, à época das gestões petistas, e o petrolão e o mensalão?

MG – Sempre digo que a corrupção em Santo André foi o laboratório para o mensalão e, depois, para o petrolão: empresários, como era o caso do meu pai, eram achacados e ameaçados por bandidos armados, para pagarem propina ao grupo da prefeitura. O dinheiro deveria ir para o caixa 2 do PT, que financiaria a campanha do Lula para presidente em 2002. Esse foi o mesmo esquema usado para o mensalão e, mais tarde, descoberto com o petrolão, institucionalizado, em níveis e quantidades cada vez maiores. Os envolvidos eram os mesmos. Um deles, o empresário Ronan Maria Pinto, acabou sendo o elo entre o caso Celso Daniel e o petrolão. Possuindo informações privilegiadas dentro do grupo, Ronan chantageou o Lula, que pediu ajuda ao Bumlai e, através do Grupo Schahin, destinou o valor de, no mínimo, R$ 6 milhões para calar a boca do Ronan. Isso tudo não sou eu quem diz, está nos autos, fruto das investigações feitas pelo Ministério Público. Se tivéssemos conseguido cessar a corrupção em Santo André, talvez o País não estivesse na situação em que se encontra hoje.

N – A seu ver, por que, até hoje, é misteriosa a atitude da polícia estadual paulista, sob o comando de governadores de seu partido, o PSDB, ou aliados, em defesa da tese negada pelo Ministério Público de que a morte de Celso Daniel não passou de um crime banal de sequestro e morte?

MG – Olha, eu prefiro acreditar que a defesa dessa tese se deu por falta de provas. Com tudo o que aconteceu, com a morte de tantas testemunhas… Na época, minha família vivia assombrada por todas as ameaças que meu pai sofria, por tudo o que acontecia. Cinco dias antes do sequestro do prefeito, fomos avisados pelo irmão do Celso Daniel, que era nosso vizinho, de que o esquema acabaria. Que o Celso iria fazer parar o esquema de recolhimento de propina. E isso, note-se, aconteceu cinco dias antes de ele ser sequestrado. Pra mim, fica claro que a decisão dele de parar com o que ocorria ali não agradou a muita gente. Com tudo isso, como poderia não ser um crime político? Não por acaso, os principais envolvidos naquele esquema de corrupção estão na cadeia, envolvidos no mensalão, na Lava Jato e em outros tantos crimes. Aliás, para quem tiver interesse em saber mais sobre todo esse caso, tem um livro escrito pelo Silvio Navarro e lançado recentemente (Celso Daniel – Política, Corrupção e Morte no Coração do PT) que conta toda a história, muito bem detalhada. Ao ler o livro, não dá pra acreditar que se tratou de um crime banal e sem relação com toda a corrupção que acontecia ali.

 Na fisioterapia, deputada comemora cada progresso na reconquista dos movimentos. Foto: Acervo pessoal

Na fisioterapia, deputada comemora cada progresso na reconquista dos movimentos. Foto: Acervo pessoal

N – Como a senhora avalia a decisão do ministro do STF Ricardo Lewandowski, que, aliás, é de outra cidade do ABC, São Bernardo do Campo, de devolver o processo criminal às suas origens, ao conceder habeas corpus, que repousou anos na gaveta de seis presidentes da Suprema Corte antes dele, ao principal suspeito de ter sido o mandante do crime, Sérgio Gomes da Silva, anulando sentenças de condenação decididas por júri popular?

MG – Foi uma decisão lamentável, porque o Sérgio Sombra, tido como o mandante do assassinato, quase 15 anos depois de um crime bárbaro como esse, morreu impune. E isso só contribuiu para aumentar a sensação de impunidade e diminuir a crença do brasileiro na Justiça.

N – Por que, ao longo destes anos todos, em que a senhora, que chegou a ocupar um lugar na Mesa da Câmara dos Deputados, lutou para  exigir satisfações a esse respeito, seu partido, o PSDB, nunca tomou uma atitude para exigir das autoridades estaduais, da polícia e da Justiça a solução definitiva do assassinato?

MG – Eu sempre procurei justiça pela população de Santo André e pela honra do meu pai, mas nunca quis partidarizar esse tema, tornar um PSDB x PT. Até porque, quando tudo aconteceu, eu ainda não era filiada a nenhum partido político e nem sonhava em entrar para a política. Na época, o PSDB incumbiu a Polícia Civil do Estado de São Paulo de investigar o caso e a resposta que deram foi se tratar de um crime simples, de latrocínio. Pra mim, não foi o que aconteceu. Mas, para o partido, o assunto parece ter se encerrado ali. Eu segui minha luta, por conta própria. Minhas denúncias ao Ministério Público, meus questionamentos aos envolvidos, feitos quando foram participar em comissões na Câmara dos Deputados, enfim, todo o meu esforço para tentar desvendar esse caso sempre foi por conta própria, nunca em nome do partido.

Deficiência não abala humor da parlamentar: no álbum, título da foto de antes do acidente é Mara-tona Foto: Acervo pessoal

Deficiência não abala humor da parlamentar: no álbum, título da foto de antes do acidente é Mara-tona Foto: Acervo pessoal

N – Sua atuação permanente e combativa em defesa dos cidadãos com deficiência tem produzido efeitos práticos e despertado algum toque de sensibilidade dos governantes, normalmente pouco interessados em quaisquer assuntos que não digam respeito aos interesses pessoais dos chefões dos partidos políticos?

MG – Não tenho dúvidas de que a minha simples presença entre os deputados já faz diferença no Congresso. Os parlamentares passam a conviver com a deficiência. Ainda mais no meu caso, que tenho uma deficiência severa e preciso de uma assistente pessoal em todos os momentos. Isso é uma novidade no Congresso. E conseguimos avançar muito nos últimos anos. Poxa, conseguimos aprovar a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência, que havia 15 anos tramitava no Congresso Nacional, sob o nome de Estatuto da Pessoa com Deficiência. É uma das legislações mais completas do mundo sobre o tema e já virou referência na ONU. Tivemos a criação da Comissão Permanente de Defesa dos Direitos das Pessoas com Deficiência, em 2015, o que pôs o tema nas discussões diárias da Câmara. Todos os projetos de lei que tratam do assunto passam por essa comissão, para que o mérito de cada projeto seja debatido. Tem muito projeto ruim que passa por lá e é nosso dever impedir o avanço desses textos, que retrocedem em direitos já conquistados com tanta luta. E agora vemos o número de candidatos com deficiência na política aumentando. Semanalmente recebo vereadores cadeirantes, cegos, de todo o País. Agora temos o Patrick Teixeira, um jovem com uma doença rara chamada mucopolissacaridose, pré-candidato à Câmara dos Deputados pelo Estado da Paraíba. Isso faz muita diferença para avançarmos ainda mais nessas questões.

N – A Operação Lava Jato já deixou claro que o melhor negócio lícito ou ilícito do mundo é a rapina dos cofres públicos e de estatais de grande peso, como a Petrobrás, empreendida por executivos dos três Poderes, chefões partidários e dirigentes de empresas públicas. A senhora tem alguma esperança de que a corrupção sistêmica será, pelo menos, atenuada?

MG – Em primeiro lugar, fico muito triste pela situação em que o País se encontra, mas a Lava Jato já é um divisor de águas na política brasileira e a justiça está sendo feita. Nessa eleição tão incógnita que será a de 2018, eu ainda acho que permeia o pensamento do eleitor uma sensação de que é preciso pesquisar melhor em quem votar, por conta de tudo o que aconteceu no País. Tenho, sim, a esperança de que essa corrupção, pelo menos, diminua. A evolução da internet, a tecnologia, as notícias em tempo real, tudo isso contribui para aumentar e facilitar a fiscalização. A própria população está de olho, fiscaliza, denuncia. Não que toda a corrupção do País vá acabar, mas com certeza a sensação de impunidade está mudando e isso, por si só, já ajuda a mudar a mentalidade, ou pelo menos inibe as atitudes de muitos políticos brasileiros. Há alguns anos, por exemplo, era inimaginável pensar que um ex-presidente da República estaria atrás das grades. Um ex-presidente que foi acusado de um crime, foi julgado e condenado. Fico triste, pois era uma esperança do povo brasileiro. E nos decepcionou. Enganou a todos nós, principalmente a população mais pobre. E mesmo preso continua enganando. Isso sem falar em dois ex-presidentes da Câmara dos Deputados…

Equipamentos de fisioterapia, como a bola, são companhias permanentes de Mara Gabrilli. Foto: Acervo pessoal

Equipamentos de fisioterapia, como a bola, são companhias permanentes de Mara Gabrilli. Foto: Acervo pessoal

N – Por que a senhora assumiu uma posição firme contra o foro especial por prerrogativa de função e quais são as chances de que essa luta supere o absurdo que é a negação do conceito fundamental do Estado de Direito, qual seja, a igualdade de todos os cidadãos perante a lei?

MG – O foro atual é garantido pela nossa Constituição federal, de 1988. Quando foi criado, tinha razão de ser, que era proteger o exercício da função pública. Ele já existia em diversos lugares do mundo, mas aqui, no Brasil, essa razão foi desvirtuada. Segundo uma pesquisa recente do Senado Federal, cerca de 54 mil pessoas em todo o País têm direito ao foro. É muita gente! Precisamos desafogar o Supremo, que não está preparado para se dedicar a tantas ações penais. As ações acabam demorando muito para serem julgadas e aí surge o sentimento de impunidade, a sensação de que todos os cidadãos não são iguais perante a lei. É isso que precisamos mudar.

N – A representatividade das mulheres em cargos públicos é mínima, se comparada com a força do eleitorado feminino. O que a senhora pensa fazer para combater essa disparidade machista na representação política no Brasil?

MG – A representação da mulher na Câmara dos Deputados é de cerca de 10%, num universo em que mais da metade da população brasileira é formada por mulheres. Há uma clara sub-representação. Quando olhamos as associações de moradores de bairro, por exemplo, geralmente as mulheres são as líderes que atuam na ponta, cobrando melhorias na escola, na saúde, no transporte, no monitorando preços e fazendo política. O que acontece é que, em sua maioria, os partidos políticos ainda são extremamente machistas. Dificilmente dão oportunidades para mulheres disputarem cargos majoritários, por exemplo. E não é por falta de candidatas preparadas, é por boicote mesmo. Hoje, a legislação eleitoral garante que ao menos 30% dos candidatos sejam do sexo feminino e agora destina também uma verba do fundo eleitoral para as mulheres. O que acontece é que ainda temos muitos casos do uso de “laranjas”, mulheres que são inscritas pelos partidos simplesmente para cumprirem as cotas. Acho que a gente precisa repensar a forma de fazer política, repensar os partidos políticos. E não só em relação a gênero, mas em relação a muita coisa. Se no Congresso fôssemos ao menos 50% de mulheres, considerando que homens e mulheres têm pensamentos complementares, o Brasil estaria bem melhor.

N – Quais são suas expectativas em relação às eleições gerais de outubro e novembro próximos? A seu ver, o eleitorado vai se manifestar de forma a manter a democracia e avançar nas conquistas sociais das quais ainda estamos muito distantes?

MG – O Congresso Nacional perdeu a chance de fazer um reforma política efetiva para transformar o País. Tudo leva a crer que nas próximas eleições a taxa de renovação será baixa. Ficou difícil para quem não tem mandato ou ainda não é muito conhecido fazer uma campanha e divulgar seu nome de forma a conquistar o número de votos suficientes para se eleger. Ainda assim, tenho muita esperança de que, nos próximos anos, a gente consiga avançar em conquistas sociais. É para isso que trabalho todos os dias e tento, cada vez mais, expandir meu trabalho. Sou pré-candidata ao Senado Federal e, ao mesmo tempo, a candidata do Brasil ao comitê da ONU sobre as pessoas com deficiência, um órgão no qual o Brasil nunca teve representante. Temos de avançar em muitos temas. Combate à corrupção, políticas públicas de combate à discriminação, promoção da inclusão, defesa das minorias e dos direitos humanos. Carrego comigo a esperança de que ainda teremos um país melhor, mais digno e mais inclusivo para todos nós.

Para ler no Blog do Nêumanne no Estadão, clique no link abaixo:

“Santo André foi laboratório para mensalão e petrolão”, diz deputada

Nêumanne entrevista Mara Gabrilli - 6a. edição

Nêumanne entrevista Mara Gabrilli – 6a. edição


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No Blog: Nêumanne entrevista Heloisa Starling

A sede dos “porões da ditadura”

era o Planalto, diz historiadora

 

Memorando da CIA a Kissinger em 1974 acaba com o mito de que torturas e execuções em delegacias e quartéis no regime militar dependiam da exclusiva iniciativa de oficiais e delegados, conclui especialista na História do período

José Nêumanne Pinto

 

A revelação feita pela descoberta pelo pesquisador Matias Spektor, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), de um memorando do diretor da CIA em 1974, William Colby, ao então secretário de Estado dos EUA, Henry Kissinger, de que Geisel autorizou execuções de “subversivos perigosos” presos pôs fim ao mito da autonomia dos chamados “porões da ditadura” à época do regime militar. Esta é uma das conclusões da entrevista da historiadora mineira Heloísa Starling, que assessorou a Comissão Nacional da Verdade (CNV) nesse período de nossa história, em entrevista ao Blog do Nêumanne. É que não se sabia até agora que a decisão sobre a vida e a morte de prisioneiros cuja vida estava sob guarda do Estado fosse tomada no Palácio do Planalto, e não nesses subterrâneos da polícia e dos quartéis das Forças Armadas.

Heloisa Murgel Starling é professora titular livre do Departamento de História da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e coordenadora do Projeto República: núcleo de pesquisa, documentação e memória da mesma instituição. Doutora em Ciência Política pelo Instituto de Pesquisa do Rio de Janeiro (IUPERJ), atua como pesquisadora do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG). Seu campo principal de pesquisa está voltado tanto para o estudo da história das ideias quanto para a investigação e análises de temas próprios à tradição republicana e à tópica do republicanismo. Entre seus trabalhos mais recentes estão o livro Brasil: uma biografia (Companhia das Letras, 2015), em coautoria com Lilia Schwarcz; e o ensaio As ruas da República (1954-1964), que integra o livro Conflitos: fotografia e violência política no Brasil, 1989-1964 (Instituto Moreira Salles, 2017), organizado por Angela Alonso e Heloisa Espada. Ela também é coordenadora da coleção Arquivos da Repressão no Brasil (Companhia das Letras).

NÊUMANNE ENTREVISTA

Dez perguntas para a professora Heloisa Starling

Professora Heloísa Starling

Para Starling, revelação de memorando da CIA nos deixa muito perto do “coração das trevas”

Nêumanne – A senhora surpreendeu-se com a descoberta do pesquisador da Fundação Getúlio Vargas Matias Spektor de um memorando do diretor da CIA William Cosby ao secretário de Estado dos EUA, em 1974, informando que Geisel adotou a política de execução de “subversivos perigosos”, dando a Figueiredo, chefe do SNI à época e depois seu sucessor, poder para decidir quem matar e quem salvar?

Heloísa – Sim. Uma coisa é aquilo que sabíamos: Geisel estava informado da política de extermínio de presos políticos. Outra coisa muito diferente é saber que o presidente da República assumiu a responsabilidade direta sobre a execução de prisioneiros políticos e, além disso, determinou que o general Figueiredo – o então chefe do SNI, cargo com status de ministro, que viria a ser o sucessor de Geisel – autorizasse pessoalmente os assassinatos. Isso é de uma gravidade imensa: o Palácio do Planalto foi o local onde se decidiram execuções sumárias de opositores políticos. A expressão “porões da ditadura” é usualmente utilizada por jornalistas e historiadores para indicar a clandestinidade em que foi praticada a política de extermínio – os porões não eram paralelos nem autônomos; o termo é utilizado para indicar que estavam ocultos dentro da máquina do Estado. Mas não se sabia até agora que “os “porões da ditadura” tinham sede no Palácio do Planalto. Também é estarrecedor – e chocante – saber que, no Brasil, num tempo que não está distante de nós, o presidente da República tinha poder de decidir sobre a vida e a morte de seus prisioneiros políticos. Isso também joga por terra o argumento de que os militares estavam envolvidos numa guerra interna, uma “guerra suja”, e as mortes seriam consequência dessa guerra. Não tem guerra: eram prisioneiros e estavam sob a guarda do Estado. Geisel levou práticas criminosas para dentro do Estado brasileiro e agiu em oposição ao fundamento legal estabelecido pela própria legislação de exceção criada pelos militares no pós-1964. A descoberta do Matias Spektor ilumina a matança e o horror que tudo isso significa – e nos deixa muito próximos do coração das trevas.

N – A seu ver, por ter sido emanado de um diretor da CIA e dirigido sigilosamente ao secretário de Estado dos EUA, não tendo sido produzido por testemunhos pessoais da reunião dos generais Ernesto Geisel, Milton Tavares, Confúcio Danton de Paula e João Figueiredo, paira alguma dúvida de autenticidade sobre esse memorando?

Capa do livro Brasil: uma biografia, de Lilia Schwarcz e Heloísa Starling

Capa do livro Brasil: uma biografia, de Lilia Schwarcz e Heloísa Starling

H – Não. Trata-se de um memorando feito pelo então diretor da CIA, William Colby, em 11 de abril de 1974, encaminhado ao secretário de Estado dos Estados Unidos, Henry Kissinger, arquivado e desclassificado de acordo com as regras que regulam a divulgação pública dos arquivos norte-americanos. Nós não sabemos se o autor do relatório de onde se originou o memorando estava ou não presente à reunião. Ou se foi fruto de escuta secreta. Ou ainda se seu relatório está sustentado em relato posterior feito por um dos participantes nomeados no documento – os generais Geisel, Figueiredo, Milton Tavares e Danton de Paula. Mas isso não lança dúvidas sobre a autenticidade do documento. Possivelmente o nome do autor do relatório está encoberto pelas tarjas do memorando. O documento é autêntico, é uma fonte primária da maior relevância para a História recente do Brasil e traz informações absolutamente novas. Só não é suficiente – tem muita coisa que não sabemos e há uma investigação a ser feita que pode ampliar ou não o escopo do memorando. O memorando é nossa primeira indicação documental. É necessário suspender o sigilo dos parágrafos tarjados. É também necessário que seja suspenso o sigilo dos documentos apontados no memorando. Cabe ao Itamaraty solicitar formalmente – e insistir muito – ao governo norte-americano a liberação desses documentos, ainda classificados como sigilosos. E cabe aos historiadores pressionarem o governo nesse sentido e avançar nessa investigação. Afinal, essa é uma história que precisa se tornar pública – ela diz respeito a todos os brasileiros.

N – Há, se não um consenso, no mínimo uma teoria consagrada segundo a qual a ditadura militar acabou por decisão de um grupo dos próprios militares, sendo os mais graduados destes Geisel, Golbery e Figueiredo, que teriam propiciado o fim desse regime num processo controlado de abertura lenta, gradual e segura. Será que esse documento põe, pelo menos, um pingo de dúvida nessa certeza?

H – Creio que não. Não se deve confundir o projeto de abertura com a adoção um projeto democrático. O processo de descompressão do sistema político orquestrado pelos generais Ernesto Geisel e Golbery do Couto e Silva era uma solução autoritária construída originalmente para manter a oposição longe do Executivo. Pretendia garantir que a alternância de poder se realizasse de maneira tutelada, restrita aos círculos civis aliados, sem risco de solavancos institucionais. Iria substituir gradativamente a coerção da ditadura por um governo civil de tipo autoritário. E nenhum dos generais comprometidos com o projeto de abertura controlada almejava democracia sem restrições. “Democracia é relativa”, declarou Geisel, em 1977. O fracasso dos militares na tentativa de superar a ditadura para institucionalizar uma ordem autoritária ocorreu por várias razões. A mais evidente: eles perderam o trunfo da economia. A outra razão: as forças de oposição se organizaram num amplo arco oposicionista que fincou raízes no interior da sociedade civil e alterou o ritmo, a forma e a linguagem do enfrentamento político com a ditadura. O engajamento das oposições foi expresso num único slogan, “Pelas liberdades democráticas”. Não se tratava mais de “derrubar a ditadura”, como pretenderam fazer as organizações revolucionárias de luta armada durante a década de 1960, e sim de “derrotar a ditadura”, deslocando a ênfase da movimentação oposicionista para a ocupação dos caminhos legais disponíveis de atuação política. Foi a partir desse giro que os brasileiros começaram a definir como seria o caminho para reimplantar a democracia no Brasil e a reconhecê-la de outra maneira. Não mais como uma etapa ou uma ferramenta para se travar uma batalha maior – a revolução socialista, por exemplo –, mas como um objetivo a ser construído e um valor em si mesmo. A democracia era uma forma de sociedade e estava acima de qualquer regime de governo.

N – A senhora trabalhou duramente na busca de documentos para reforçar as investigações da Comissão Nacional da Verdade (CNV). Até que ponto as Forças Armadas a ajudaram nessa pesquisa?

H – No meu caso não ajudaram. Em minhas pesquisas sobre a ditadura, desde minha dissertação de mestrado, não contei com a colaboração das Forças Armadas.

 N – A ausência dessa documentação oficial tem permitido que grandes revelações sobre o golpe de 1964 e a ditadura dele proveniente encontrem mais fontes primárias nos EUA do que aqui. Citando de memória, lembro o caso do filme de Camilo e Flávio Tavares especificamente sobre 1964 e o furo que Marcos Sá Corrêa deu sobre o deslocamento da frota dos EUA para evitar surpresas para os ianques na chamada Revolução de 1964. Passa-lhe pela cabeça aprofundar a pesquisa iniciada para a Comissão da Verdade nos arquivos americanos?

H – A historiografia produzida nas últimas décadas sobre a ditadura militar é muito rica, temos excelentes historiadores e jovens pesquisadores continuam debruçados sobre o tema. Também temos jornalistas investigativos muito competentes. Tenho certeza que a pesquisa nos arquivos norte-americanos em busca de documentos inéditos vai ser realizada com sucesso. Afinal, não é um procedimento novo. Você lembrou bem que foi um jornalista extraordinário, Marcos Sá Corrêa, que localizou os documentos referentes à Operação Brother Sam, um amplo plano de ação preparado em Washington com a cumplicidade de militares brasileiros para providências de apoio aos golpistas. A operação incluía um porta-aviões de ataque pesado, o Forrestal, um porta-helicópteros, um posto de comando aerotransportado, seis contratorpedeiros – dois deles equipados com mísseis teleguiados –, 110 toneladas de armas e munição e quatro navios petroleiros bélicos carregados com 550 mil barris de combustível. Creio que foi a primeira vez que os arquivos norte-americanos contaram aos brasileiros um pedaço de sua História recente.

 N – Não sou historiador, nem pesquisador, nem sequer jornalista especializado no assunto, mas em meus 50 anos de jornalismo profissional não me parece lógico que os militares não tenham destruído evidências que comprometessem sua atuação à época dos governos que controlaram. A senhora chegou a acreditar, no começo de seu trabalho, que encontraria alguma? A ausência de qualquer documento a frustrou?

05 ossenhoresH – Sem dúvida é frustrante e, sobretudo, inconvincente. Existe um paradoxo muito bem apontado pela historiadora Mariana Joffily. O Brasil detém um acervo público respeitável em volume de documentação sobre o período da ditadura militar. No entanto, nesse acervo não existem informações documentais sobre sequestro, tortura, assassinato, ocultação de cadáveres, infiltrações. Os acervos que poderiam trazer essas e outras informações – Cenimar, Cisa, CIE, CIEx e as unidades dos Codi-DOI – nunca vieram a público. Também sabemos pelo livro do jornalista Lucas Figueiredo (Lugar Nenhum: Militares e Civis na Ocultação dos Documentos da Ditadura, Companhia das Letras, 2015) que o Cenimar microfilmou seus arquivos pelo menos até o ano de 1974. Entre 1972 e 1973 foram microfilmadas 1.213.230 páginas de documentos, incluindo 42.777páginas com dados sobre “mortos”. Nunca foram trazidos à luz da cena pública. Também não conhecemos, escreve Lucas, os devidos termos de destruição que permitiram a eliminação legal de documentos públicos, pelos militares, em operações de rotina. É lamentável que a História recente do Brasil seja contada pelo Departamento de Estado norte-americano. Mas se de fato não sobraram documentos no Brasil, talvez seja o caso de as Forças Armadas apoiarem publicamente a solicitação para a liberação desses documentos ainda classificados como sigilosos nos EUA. É importante também para a instituição conhecer sua própria história.

N – Com a ajuda de presos no DOI-Codi de São Paulo, inclusive o saudoso colega dirigente comunista Marco Antônio Tavares Coelho, mineiro como a senhora, publiquei num movimento coordenado com os jornalistas Boris Casoy, então diretor de redação da Folha de S.Paulo, e Evaldo Dantas Ferreira, diretor de O São Paulo, órgão oficial da Arquidiocese de São Paulo, uma reportagem no Jornal do Brasil sobre métodos e instrumentos de tortura naquela delegacia da rua Tutoia. Desde então, parece-me que a ditadura ruiu muito mais por causa da briga interna entre Ernesto Geisel e Sylvio Frota, com participação de Ednardo D’Ávila Mello, que resultou no assassinato de Vladimir Herzog e de Manuel Fiel Filho, do que da abertura de cima para baixo. A seu ver, o documento revelado reforçaria essa hipótese?

H – Creio que não. A ditadura ruiu principalmente pelo que discutimos na questão 3. O culto ecumênico em memória de Herzog foi o marco a partir do qual a sociedade recuperou seu acesso ao espaço público e as forças de oposição começaram a formar um amplo arco de alianças para dar combate à ditadura. O núcleo aglutinador da aliança oposicionista era a exigência de retorno ao Estado de Direito e a reivindicação dos direitos de cidadania e, dali em diante, as oposições iriam avançar persistentemente no rumo da retomada democrática – e não na direção do projeto de abertura controlada proposto pelos generais. E demorou 11 anos contados a partir da realização do culto até que o último general da ditadura deixasse o palácio do Planalto. O memorando da CIA sugere um confronto intestino de facções, nos termos de Maquiavel: as facções são ruinosas ao Estado porque subvertem as leis a seu favor, promovem a corrupção das instituições por perseguirem seus próprios interesses dentro da esfera pública, são atravessadas por rivalidades e oposições e geram divisões artificiais dentro do corpo político.

N – A direita dita chucra atribui a divulgação dada ao documento da CIA a Kissinger a uma tentativa de evitar a eventual vitória eleitoral de seu candidato a presidente, Jair Bolsonaro. Esse é um delírio autorreferente, é claro, mas é também um pretexto para lhe perguntar se o aparecimento desse documento neste terrível embate eleitoral que vivemos exercerá alguma influência no resultado final da eleição de 2018?

H – O memorando, em si, eu não creio. Desse ponto de vista, dos defensores da ditadura, ele já está sendo desqualificado. Determinados grupos ou setores da sociedade brasileira hoje são abastecidos por informações fraudulentas, mas capazes de fornecer ao sujeito que as consome uma visão coerente do mundo – mesmo que essa visão esteja em flagrante contradição com os dados da realidade. Esses grupos também praticam o exercício da mentira como categoria política e isso consiste em negar, reescrever e alterar fatos, até mesmo diante dos próprios olhos daqueles que testemunharam os fatos. Isso é preocupante no Brasil de hoje.

Foto de Corisco com a cadela Jardineira, por Benjamin Abrão

Foto: O cangaceiro Corisco com a cachorra Jardineira. Sertão nordestino, nas proximidades do rio São Francisco, 1936.

Crédito:  Benjamin Abrahão. Acervo Instituto Moreira Salles / © ICCA e Sociedade do Cangaço

N – A senhora está entre os que acreditam que o barulho produzido pelos nostálgicos da ditadura militar nas redes sociais se traduzirá em votos que levariam Bolsonaro ao segundo turno contra um candidato de esquerda, ou acha que tudo não passa de areia molhada jogada nos olhos da Nação, órfã neste momento difícil de crise por que passamos?

H – Não sei se entendi corretamente a sua pergunta. Evidentemente, não há nada errado em ser de direita, conservador e democrático. O problema é que existe hoje no Brasil, no campo político das direitas, uma vertente que não tem nada de liberal e é profundamente autoritária. Ela se alimenta da mentira na política, como eu disse, do ressentimento que faz o sujeito se enxergar como vítima de alguém mais poderoso que cometeu com ele uma injustiça irreparável – como a de suprimir seus privilégios históricos. E de um ingrediente de efeito direto: da disseminação da intolerância, que nega qualquer divergência e elimina o horizonte da igualdade. Creio que essa é a base eleitoral de Jair Bolsonaro – e que defende a ditadura militar e seus crimes. Não sabemos seu tamanho real nem qual será sua capacidade de expansão, se conseguirá capturar a insatisfação difusa ou o desprezo pela política, veiculados por alguns grupos sociais. Mas eu não recomendaria subestimar essa vertente

Foto de Flávio de Morais da prisão de jagunços em Canudos

Foto:  Prisão de jagunços pela cavalaria. Canudos, BA, 1897. Crédito: Flávio de Barros. Acervo Instituto Moreira Salles / © Museu da República

N – Na exposição Conflitos: fotografia e violência política no Brasil (1889-1964), com a qual colaborou, no Instituto Moreira Salles no Rio, a senhora revelou interesse acadêmico intenso pela consolidação de nossa democracia. Pelo que tem observado, essa consolidação, desde a frustrada esperança em Tancredo Neves até hoje, tem evoluído a ponto de dizermos que nossas instituições estão, finalmente, funcionando?

H – Quando Lilia Schwarcz e eu terminamos de escrever Brasil, uma Biografia, em janeiro de 2015, o livro não fazia nenhuma previsão categórica acerca do futuro, mas trazia uma boa dose de expectativa sobre a maneira como o País iria usar os novos ativos políticos, criados no mais longo período democrático da nossa História republicana. Pelo menos até 2014 qualquer indicador de curto prazo usado para medir a qualidade da democracia num país – procedimental, comparativo ou histórico – confirmava que escolhas sensatas haviam sido feitas e o Brasil se abriu ao século 21, com um sistema político democrático recente, mas razoavelmente fortalecido. Alguma coisa, contudo, não andou nada bem.  Entre 2015 e 2017 uma mudança vertiginosa sucedeu, a qualidade da nossa democracia foi posta em dúvida, os procedimentos democráticos entraram em crise, as instituições estão sendo minadas e funcionando mal, a democracia está em desamparo. A pergunta dos cientistas políticos, historiadores, jornalistas é a mesma: o que está acontecendo no Brasil? A História do Brasil não traz uma perspectiva de destino – ela é feita de escolhas e de suas consequências. O final de toda procura é o encontro. E esse encontro poderá ser desta ou daquela maneira, dependendo da deliberação, escolha e ação dos brasileiros. Mas, nem sempre são fáceis os encontros e não existem escolhas simples. Fica a pergunta: o que está acontecendo no Brasil?

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No Blog do Nêumanne: Nada de “palmada no bumbum”

Único do governo Temer a falar da revelação da CIA sobre autorização de Geisel para executar “subversivos perigosos”, Jungmann diz que Exército é “ativo democrático do Brasil”, mas não é o que História mostra

A rigor, o memorando do diretor da CIA William Colby ao secretário de Estado dos EUA em 1974, Henry Kissinger, informando que o presidente Ernesto Geisel adotou a política do antecessor, Emílio Médici, de executar “subversivos perigosos” não devia provocar surpresa nem estupor. O documento, encontrado no computador pelo pesquisador da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Matias Spektor, só confirmou que Geisel e o chefe do Serviço Nacional de Informações (SNI) que nomeou e seu sucessor em 1979, general João Figueiredo, sabiam que inimigos da guerra suja eram executados, depois de torturados, nos porões da polícia e das Forças Armadas. Negar o truísmo equivaleria a imaginar que Lula, Dilma e Temer ignoravam o saque aos cofres públicos nos 16 anos de mandarinato do conluio PT-PMDB. Mas não dá para negar o valor histórico do achado.

Assim que os meios de comunicação a publicaram, duas reações a ela se tornaram públicas. Em entrevista a Rubens Valente, da Folha de S.Paulo, a ex-coordenadora da Comissão Nacional da Verdade (CNV), advogada Rosa Cardoso, lamentou que o documento não tenha sido repassado, entre outros, ao órgão, que foi constituído pela ex-presidente Dilma Rousseff para apurar os crimes cometidos à época do regime instalado em 1964 e endurecido depois de 1968. Ela reconheceu que o tal memorando não altera as principais conclusões da comissão, mas representa uma importante confirmação.

Na mesma sexta-feira 12 de maio, o ministro da Segurança Pública, Raul Jungmann, que no atual governo federal representa o apoio parlamentar do antigo Partido Comunista Brasileiro (PCB), cuja denominação atual é Partido Popular Socialista (PPS), disse que essa revelação não abala o “prestígio” do Exército. Para ele, tal prestígio “se encontra nos mesmos níveis. Por uma razão muito simples: as Forças Armadas são um ativo democrático do País”. Ninguém mais no governo falou. Nem o comandante dessas Forças Armadas, o presidente Michel Temer.

Ao abordar a dubiedade das autoridades americanas em relação à ditadura militar brasileira, Rosa Cardoso denunciou o cinismo da Casa Branca, que não deu informações pedidas e escondeu sob o sigilo de seus órgãos de informação a proteção dada a tiranias brutais pela maior democracia do Ocidente. A segunda metade do mandato de Geisel no Brasil coincidiu com a primeira do governo do democrata Jimmy Carter, que alardeou uma política externa favorável aos direitos humanos nos países aliados. Mas isso em nada mudou as relações mantidas com o regime dos brasileiros na era Geisel, em cuja gestão foram assassinados no DOI-Codi o jornalista Vladimir Herzog e o operário Manuel Fiel Filho.

O silêncio obsequioso de Temer, oculto no elogio basbaque do encarregado de lidar com polícias e bandidos, falou mais alto do que a ignorância deste em História do Brasil. Se o “ativo democrático” vivesse em casernas, as instituições democráticas do Segundo Império não teriam sido abaladas pela “questão militar”. E a insana República não seria inaugurada pela traição do alto oficialato do Exército, que a proclamou, da forma como a conhecemos, e deportou a família do imperador derrubado.

Obra de oficiais positivistas, a República conviveu desde o início com a tirania do vice Floriano Peixoto, o Marechal de Ferro. Depois, vieram a Revolução dos Tenentes, em 1930, e a intentona sob a égide do capitão Luiz Carlos Prestes, em 1935. Esta pretextou o putsch de 1937, instituindo o fascismo à gaúcha do Estado Novo para evitar uma eleição presidencial em marcha e manter Getúlio Vargas no poder, sob tutela dos generais Gois Monteiro e Eurico Dutra. O “ativo democrático” inspirou ainda a tentativa malograda de evitar a posse do vice constitucional João Goulart em 1961 e seu segundo movimento, ao derrubar o mesmo Jango e assumir a ditadura explícita no AI-5, de 1968.

O chefe federal de polícia referia-se à inércia militar que, sob a Constituição de 1988, mantém leal obediência aos mandatários civis, mesmo com os abusos por estes cometidos nos recentes escândalos de corrupção Apesar dos arreganhos nostálgicos da direita dita chucra, que clama por nova intervenção fardada, antes nas ruas e hoje nas redes sociais, os comandantes têm limitado a expressão de seu “ativo democrático” a “palmadas no bumbum” dadas por generais de pijama ou enigmas da lavra de portadores de estrelas na farda e comando de tropas.

O porta-voz da bajulação do generalato, na verdade, cumpriu uma antiga postura de presidentes civis temerosos de se tornar vítimas de uma súbita quartelada. A José Sarney podia-se desculpar por ter assumido o poder pela morte do titular Tancredo Neves e sob a bênção explícita do general Leônidas Pires Gonçalves, que entronizou o vice inesperado para evitar surpresas nefastas de uma escolha popular na sucessão do morto. Foi mais uma intervenção fardada, só que desarmada, para garantir que a paz reinasse sobre torturadores e seus chefes, garantidos pela anistia de mão dupla. Fernando Collor e Itamar Franco viraram a página e deixaram vítimas e carrascos em paz. Fernando Henrique deu uma de dois de paus por conveniência.

Lula é fã de Geisel e nem seria porque, ao estatizar a ponto de criar a República Socialista Soviética do Brasil, título da série de reportagens pautada por Ruy Mesquita no Jornal da Tarde, o general acumulou milhões em cofres e deu oportunidade para o furto de Lula e seus asseclas. Dilma Rousseff, que se jacta de ter sido torturada, não se deu ao trabalho sequer de exigir retratação de seus comandados do Exército pelo soco desferido pelo capitão Benoni Albernaz, que teria quebrado seus dentes no DOI-Codi.

Como Temer não tem poder para exigi-lo, os comandantes das Forças Armadas deveriam pedir-nos desculpas para se mostrarem à altura do “ativo democrático” que o comunista Jungmann ora lhes atribui.

José Nêumanne

Jornalista, poeta e escritor

(Publicado na Página A2 do Estado de S. Paulo da quarta-feira 16 de maio de 2018)

Para ler no Blog do Nêumanne, Política, Estadão, clique no link abaixo:

http://politica.estadao.com.br/blogs/neumanne/nada-de-palmada-no-bumbum/


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Nesta quarta, no Estadão: As Forças Armadas nos devem desculpas

Em vez de nos darem ‘palmadas no bumbum’, militares deveriam assumir erros

A rigor, o memorando do diretor da CIA William Colby ao secretário de Estado dos EUA em 1974, Henry Kissinger, informando que o presidente Ernesto Geisel adotou a política do antecessor, Emílio Médici, de executar “subversivos perigosos” não devia provocar surpresa nem estupor. O documento, encontrado no computador pelo pesquisador da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Matias Spektor, só confirmou que Geisel e o chefe do Serviço Nacional de Informações (SNI) que nomeou e seu sucessor em 1979, general João Figueiredo, sabiam que inimigos da guerra suja eram executados, depois de torturados, nos porões da polícia e das Forças Armadas. Negar o truísmo equivaleria a imaginar que Lula, Dilma e Temer ignoravam o saque aos cofres públicos nos 16 anos de mandarinato do conluio PT-PMDB. Mas não dá para negar o valor histórico do achado.

Assim que os meios de comunicação a publicaram, duas reações a ela se tornaram públicas. Em entrevista a Rubens Valente, da Folha de S.Paulo, a ex-coordenadora da Comissão Nacional da Verdade (CNV), advogada Rosa Cardoso, lamentou que o documento não tenha sido repassado, entre outros, ao órgão, que foi constituído pela ex-presidente Dilma Rousseff para apurar os crimes cometidos à época do regime instalado em 1964 e endurecido depois de 1968. Ela reconheceu que o tal memorando não altera as principais conclusões da comissão, mas representa uma importante confirmação.

Na mesma sexta-feira 12 de maio, o ministro da Segurança Pública, Raul Jungmann, que no atual governo federal representa o apoio parlamentar do antigo Partido Comunista Brasileiro (PCB), cuja denominação atual é Partido Popular Socialista (PPS), disse que essa revelação não abala o “prestígio” do Exército. Para ele, tal prestígio “se encontra nos mesmos níveis. Por uma razão muito simples: as Forças Armadas são um ativo democrático do País”. Ninguém mais no governo falou. Nem o comandante dessas Forças Armadas, o presidente Michel Temer.

Ao abordar a dubiedade das autoridades americanas em relação à ditadura militar brasileira, Rosa Cardoso denunciou o cinismo da Casa Branca, que não deu informações pedidas e escondeu sob o sigilo de seus órgãos de informação a proteção dada a tiranias brutais pela maior democracia do Ocidente. A segunda metade do mandato de Geisel no Brasil coincidiu com a primeira do governo do democrata Jimmy Carter, que alardeou uma política externa favorável aos direitos humanos nos países aliados. Mas isso em nada mudou as relações mantidas com o regime dos brasileiros na era Geisel, em cuja gestão foram assassinados no DOI-Codi o jornalista Vladimir Herzog e o operário Manuel Fiel Filho.

O silêncio obsequioso de Temer, oculto no elogio basbaque do encarregado de lidar com polícias e bandidos, falou mais alto do que a ignorância deste em História do Brasil. Se o “ativo democrático” vivesse em casernas, as instituições democráticas do Segundo Império não teriam sido abaladas pela “questão militar”. E a insana República não seria inaugurada pela traição do alto oficialato do Exército, que a proclamou, da forma como a conhecemos, e deportou a família do imperador derrubado.

Obra de oficiais positivistas, a República conviveu desde o início com a tirania do vice Floriano Peixoto, o Marechal de Ferro. Depois, vieram a Revolução dos Tenentes, em 1930, e a intentona sob a égide do capitão Luiz Carlos Prestes, em 1935. Esta pretextou o putsch de 1937, instituindo o fascismo à gaúcha do Estado Novo para evitar uma eleição presidencial em marcha e manter Getúlio Vargas no poder, sob tutela dos generais Gois Monteiro e Eurico Dutra. O “ativo democrático” inspirou ainda a tentativa malograda de evitar a posse do vice constitucional João Goulart em 1961 e seu segundo movimento, ao derrubar o mesmo Jango e assumir a ditadura explícita no AI-5, de 1968.

O chefe federal de polícia referia-se à inércia militar que, sob a Constituição de 1988, mantém leal obediência aos mandatários civis, mesmo com os abusos por estes cometidos nos recentes escândalos de corrupção Apesar dos arreganhos nostálgicos da direita dita chucra, que clama por nova intervenção fardada, antes nas ruas e hoje nas redes sociais, os comandantes têm limitado a expressão de seu “ativo democrático” a “palmadas no bumbum” dadas por generais de pijama ou enigmas da lavra de portadores de estrelas na farda e comando de tropas.

O porta-voz da bajulação do generalato, na verdade, cumpriu uma antiga postura de presidentes civis temerosos de se tornar vítimas de uma súbita quartelada. A José Sarney podia-se desculpar por ter assumido o poder pela morte do titular Tancredo Neves e sob a bênção explícita do general Leônidas Pires Gonçalves, que entronizou o vice inesperado para evitar surpresas nefastas de uma escolha popular na sucessão do morto. Foi mais uma intervenção fardada, só que desarmada, para garantir que a paz reinasse sobre torturadores e seus chefes, garantidos pela anistia de mão dupla. Fernando Collor e Itamar Franco viraram a página e deixaram vítimas e carrascos em paz. Fernando Henrique deu uma de dois de paus por conveniência.

Lula é fã de Geisel e nem seria porque, ao estatizar a ponto de criar a República Socialista Soviética do Brasil, título da série de reportagens pautada por Ruy Mesquita no Jornal da Tarde, o general acumulou milhões em cofres e deu oportunidade para o furto de Lula e seus asseclas. Dilma Rousseff, que se jacta de ter sido torturada, não se deu ao trabalho sequer de exigir retratação de seus comandados do Exército pelo soco desferido pelo capitão Benoni Albernaz, que teria quebrado seus dentes no DOI-Codi.

Como Temer não tem poder para exigi-lo, os comandantes das Forças Armadas deveriam pedir-nos desculpas para se mostrarem à altura do “ativo democrático” que o comunista Jungmann ora lhes atribui.

José Nêumanne

Jornalista, poeta e escritor

(Publicado na Página A2 do Estado de S. Paulo da quarta-feira 16 de maio de 2018)


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No Blog: Nêumanne entrevista Jacob Pinheiro Goldberg

Psicanalista aponta risco totalitário nesta crise de orfandade e miséria emocional

O “às favas com os escrúpulos” do AI-5 retrata, para psicanalista e criminalista, “o momento mais sinistro da política brasileira. O desamor pelo Brasil é autofágico e neurótico e a emoção derrotista avilta a Nação”

NÊUMANNE ENTREVISTA

A atual crise ética, política, econômica e financeira do Brasil é tal, na opinião do psicanalista e advogado criminalista Jacob Pinheiro Goldberg, que nos faz viver e reviver a mesma situação de desamparo e orfandade sofrida com a morte do presidente Tancredo Neves, repositório da esperança nacional. Segundo ele, o País “vive um stress gravíssimo de autoridade que perturba o cidadão, criando um estado paranoide”. E pondera: “A violência urbana, o crime organizado, a corrupção, os choques radicais partidários, o desemprego, o sucatamento da saúde e da educação e o esgarçamento da autoridade nos reportam ao período da morte de Tancredo Neves, que defini, na ocasião, como de ‘orfandade e miséria emocional’. Trata-se, a meu ver, de uma situação de crise não só institucional, mas também de identidade e, por isso, capaz de ameaçar a própria organização civilizatória do País. Terreno fértil para surtos e surgimento de movimentos totalitários”.

 Psicólogo, criminalista e assistente social, Goldberg diagnostica estado paranoide do cidadão brasileiro. Foto: Ciro Coelho/AE PSICÓLOGO ADVOGADO E ASSIST SOCIAL JACOB PINHEIRO GOLDBERG FOTO CIRO COELHO/AE

Psicólogo, criminalista e assistente social, Goldberg diagnostica estado paranoide do cidadão brasileiro. Foto: Ciro Coelho/AE

Jacob Pinheiro Goldberg nasceu em Juiz de Fora (MG), em 1933, e é também polonês por decisão do presidente da Polônia, por serviços prestados àquela cultura eslava (seu livro Magya Wygnania foi traduzido pelo professor Henrik Siwierski e foi presidente do Grupo de Estudos Czeslaw Milosz). Advogado, é autor de O Direito no Divã (Ed. Saraiva), premiado na categoria de Direito, Prêmio Jabuti de Literatura. Recebeu da OAB a comenda Benjamin Colluci. Doutor em psicologia, é professor convidado em universidades brasileiras e estrangeiras. Assistente social, publicou livros e trabalhos no Brasil e no exterior. Entre trabalhos sobre sua obra destacam-se a tese de doutoramento da professora da Universidade Stanford Marília Librandi-Rocha, na USP, “Parábola e ponto de fuga, a poesia de Jacob Pinheiro Goldberg” e a dissertação de mestrado de Aline Moraes Pernambuco, “A Amerika de Jacob Pinheiro Goldberg”. De sua autoria e sobre sua atuação estão publicados mais de nove mil artigos, conferências e documentários.

Goldberg conviveu de perto com Ayrton Senna, à época do auge da fama e da glória do automobilista. Foto: Acervo pessoal

Goldberg conviveu de perto com Ayrton Senna, à época do auge da fama e da glória do automobilista. Foto: Acervo pessoal

A seguir, dez perguntas para Jacob Pinheiro Goldberg:

Nêumanne – A crise do Brasil, hoje, foi descrita há mais de meio século pelo chefão do PSD do Maranhão de então, Vitorino Freire, que definia uma crise grave com a imagem da vaca desconhecendo o bezerro. De seu ponto de vista de psicanalista e advogado criminalista, por favor, responda-me: deu a louca no Brasil?

Jacob – Fundei e dirigi o curso de Psicologia e História na USP convencido de que compreender a sociedade brasileira e a política não poderia ficar somente no campo sociológico e econômico. Desde sempre, às vezes como militante e outras como analista, acompanhei de perto flutuações dos processos do poder no Brasil. Neste mister que me impus como cidadão estive praticamente com todos os presidentes da República desde então e atores da cena ideológica, seja em privado ou publicamente. Particularmente, neste momento me parece que o Brasil vive um stress gravíssimo de autoridade que perturba o cidadão, criando um Estado paranoide. A violência urbana, o crime organizado, a corrupção, os choques radicais partidários, o desemprego, o sucatamento da saúde e da educação e o esgarçamento da autoridade nos reportam ao período da morte de Tancredo Neves, que defini, na ocasião, como de “orfandade e miséria emocional”. Trata-se, a meu ver, de uma situação de crise não só institucional, mas também de identidade e, por isso, capaz de ameaçar a própria organização civilizatória do País. Terreno fértil para surtos e surgimento de movimentos totalitários.

Goldberg à época de um momento que considera crucial na História do Brasil, a morte de Tancredo. Foto: Acervo pessoal

Goldberg à época de um momento que considera crucial na História do Brasil, a morte de Tancredo. Foto: Acervo pessoal

N – Antes de Lula ser preso, e até mesmo antes de ele ser condenado, o senhor observou nele certa obsessão pelo sacrifício. Isso, de certa forma, influiu no estilo da defesa dele, que em nenhum momento respondeu a nenhuma das acusações que lhe foram feitas, mas apenas tentou fazer dele um “perseguido político”. O senhor diria que ele imagina que esse viés suicida seduz seu público de devotos?

J – Estive, pessoalmente, em dois momentos de análise do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, num programa de duas horas na Rádio Globo, em que mergulhamos em leituras complexas tanto em sua personalidade carismática como na sua perspectiva e visão do Brasil, e no programa de Silvia Poppovic na TV Bandeirantes, quando, ao terminar, ele me abraçou comovido pelos comentários que produzi em relação ao que entendi de sua infância.

Posteriormente, publiquei vários trabalhos equacionando a sua imagem, que, na minha opinião, flutuou muitas vezes entre o estadista e o mistagogo, correspondendo à tradição política nacional que se encarnou de forma dramática em muitas lideranças. À direita, Carlos Lacerda; à esquerda, Prestes; e, com singularidade comparável a Perón na Argentina, Getúlio Vargas.

Nesta configuração podemos simplificar em duas categorias: a tipologia suave de Fernando Henrique e a vulcânica de Lula. Muito da projeção psíquica brasileira tão bipolar, como já afirmei: ou campeão do mundo ou a cloaca do universo.

A vocação sacrificial muitas vezes marca, e até tragicamente (nossa história política está atravancada de cadáveres, de suicídios a assassinatos), o pathos e o ethos da cultura brasileira e, arrisco-me a afirmar, da contingência humana.

Fugir deste destino e sublimar o fado é, talvez, um grande desafio, hoje, para nosso país, e inclusive para Lula enquanto pessoa, “Viver pela pátria” e não “morrer pela pátria”, eis aí a maturidade da inversão duma herança capaz de nos transformar na potência da América do Sul. Quanto ao processo jurídico, trata-se de opções processuais que somente seus advogados podem avaliar como mais adequadas. De qualquer forma, consigne-se que, além de Lula, o sistema jurídico também está sendo acompanhado e julgado pela opinião pública, dada a exposição pela TV, de forma inédita no Brasil.

Goldberg ao lado do advogado Márcio Thomaz Bastos, que foi ministro da Justiça de Lula Foto: Acervo pessoal

Goldberg ao lado do advogado Márcio Thomaz Bastos, que foi ministro da Justiça de Lula Foto: Acervo pessoal

N – A seu ver, é incomum a notória e notável transformação do malandrinho esperto Lula no corrupto de dimensões internacionais que ele se tornou, usando as escassas poupanças de um país pobre, de cujo povo ele se julga um símbolo?

J – Internacionalmente, os sistemas políticos estão em crise institucional.

Figuras lendárias são submetidas a constrangimentos inimagináveis, principalmente diante da revolução provocada pelas redes sociais. Políticos e artistas, banqueiros e ídolos populares não escapam das críticas e de uma invasão de privacidade que vai do campo sexual ao econômico. Sem dúvida, a paisagem da nossa concepção de “herói e vilão” está submetida a uma permanente lavagem cerebral em que todos os valores são questionados.

N – A declaração de que não é mais uma pessoa, mas uma ideia, acompanhada de comparações com Nelson Mandela, Tiradentes e até Jesus Cristo, provém de um estado patológico de megalomania ou resulta apenas de um truque hábil de grande comunicador, que Lula é? Ou ainda, quem sabe, as duas coisas?

J – Lula consubstanciou a carência de uma parcela miserável da nossa sociedade. O que fez e vem fazendo com esta fé depositada é julgamento para as urnas e para a História. Reconhece sua competência no papel e o faz com determinação.

N – Essa linha de atacar, em vez de se defender, similar à filosofia de grandes generais e alguns técnicos de futebol – de que a melhor defesa é o ataque –, tem origem em algum recôndito da alma do líder e pode ser responsável por parte de seu sucesso?

J – Usando a linguagem futebolística que lhe é peculiar, e faz parte de sua identificação folclórica, é da natureza sanguínea e da biografia do self-made man, o atacante. Quem o imaginar goleiro perde o jogo…

N – É comum dizer-se que no Brasil sempre se furtou o erário, mas nunca se soube a dimensão da corrupção dos agentes públicos. Com o conhecimento que o senhor tem de políticos e gestores públicos, essa é uma verdade, ainda que parcial, ou mera lenda urbana?

J – Na análise de políticos sempre priorizei os aspectos psicológicos de seu comportamento. Creio que a corrupção é matéria de polícia e Justiça, que devem se incumbir da tarefa. Ressalvo patriotas e idealistas, de esquerda e direita, que aprendi a admirar, muitas vezes injustiçados e incompreendidos. Dou o testemunho de grandes figuras icônicas e sei que posso surpreender, mas assim vi, entre muitos outros, Luiz Carlos Prestes e Carlos Lacerda.

Goldberg compara a situação atual do Brasil à da época da morte de Tancredo: "orfandade e miséria" Foto: Célio Jr./AE

Goldberg compara a situação atual do Brasil à da época da morte de Tancredo: “orfandade e miséria” Foto: Célio Jr./AE

N – O senhor sempre acompanhou de perto e guarda enorme admiração pelo marechal Henrique Dufles de Teixeira Lott, o típico exemplo da boa política, mas também do político ingênuo, derrotado numa eleição presidencial por Jânio Quadros, que fez da loucura seu instrumento de marketing político. Seria esse embate presidencial de 1961 o começo do fim das aventuras abortadas de boa política no Brasil e o ponto de inflexão da completa negação da ética na política e na gestão do Estado?

J – O marketing político é o responsável por grande parte das farsas, das manipulações e dos crimes na prática partidária. Creio que Jânio Quadros, e escrevi sobre isso, foi uma figura sacrificada pelos tumultos e conflitos da nossa sociedade. Tivemos uma relação humana de respeito. Já o marechal Lott foi, depois de meu pai, o exemplo maior de retidão e amor ao Brasil que reverenciei, inclusive como presidente: fui do “Comitê General Stoll Nogueira”, do grupo da esquerda nacionalista do Exército.

N – O Brasil trocou o “ordem e progresso” de nossa Bandeira Nacional pela frase-síntese da política nacional contemporânea, que é o celebérrimo “às favas com os escrúpulos” com que o dublê de oficial e político Jarbas Passarinho saudou o Ato Institucional Número 5, da ditadura militar?

J – Essa frase retrata o momento mais sinistro da politica brasileira. O desamor pelo Brasil é autofágico e neurótico e a emoção derrotista avilta a Nação.

N – Como psicanalista e advogado criminal, o senhor seria capaz de descrever, historiar e comentar as razões e motivações da tragédia da insegurança nacional, de cujo iceberg o Rio de Janeiro é apenas a ponta visível?

JPG – Quando Brizola pediu à dra. Terezinha Zerbini que me indicasse pelo movimento negro e feminino do PDT candidato a senador (do que declinei), me disse num café no Hotel Maksoud: “Quando o morro descer no Rio, o Brasil se desintegra”.

Era o momento da morte de Ayrton Senna. Respondi: “Antes, governador, deveríamos subir o morro”. Repito o conceito.

N– Existe algum liame lógico, seja na motivação mental, seja na realização do delito, entre corrupção desenfreada e insegurança pública generalizada?

J – Sim. A corrupção contamina, da mesma forma que a honestidade contagia.

O ser humano é sempre recuperável para seu feito: à imagem e semelhança de Deus. Justiça e compaixão. Ordem e progresso.

Nêumanne entrevista Jacob Pinheiro Goldberg

Nêumanne entrevista Jacob Pinheiro Goldberg


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No Blog: Nêumanne entrevista o jurista Modesto Carvalhosa

Corruptos fizeram leis do Brasil em causa própria, acusa jurista

Especialista em combater corrupção, Carvalhosa denuncia arcabouço de impunidade com que chefões dos partidos e burocratas de alto escalão escapam de punição

NÊUMANNE ENTREVISTA

“O crime organizado da corrupção, que tem como instrumento os partidos políticos, construiu um arcabouço de leis em causa própria  e de apropriação criminosa de recursos do Tesouro que assegura aos nossos atuais  “representantes” – todos bandidos – a reeleição para os mesmos ou para outros cargos em 2018.” Esta é um dos petardos disparados pelo jurista Modesto Carvalhosa no Nêumanne entrevista desta semana. Assim como esta, outra conclusão do mesmo entrevistado é: “o ‘quadrilhão do STF’ é o braço armado do crime organizado da corrupção, que, desafiando a sociedade, pretende continuar lutando pela restauração plena dos corruptos na direção do nosso país. Cabe aos ilustres e respeitados ministros decentes daquela Corte, em maioria, resistir às investidas cavernosas de seus colegas do quadrilhão, cada vez mais ousados na defesa, proteção e liberação dos bandidos da classe política e do empresariado.”

Modesto Carvalhosa

Jurista Modesto Carvalhosa, Carvalhosa usa lógica e destemor para denunciar nossa Justiça que tolera, em vez de combater, a impunidade.   Ingressou, juntamente com mais dois colegas, do pedido de impeachment contra o ministro do STF Gilmar Mendes. É autor do Livro Negro da Corrupção, de 1995, Prêmio Jabuti.  Foto: Acervo de Família.

O artilheiro destes disparos e outros mais é o jurista Modesto Carvalhosa, paulista, advogado empresarial e ex-professor na Faculdade de Direito da USP.  Autor de muitas obras sobre sua especialidade, que se tornaram clássicos na literatura jurídica brasileira, mantém-se firme no seu trabalho como advogado e “parecerista” a par de suas atividades como cidadão, que se tem dedicado à restauração dos costumes políticos no País. Participa ativamente das manifestações da sociedade brasileira e tem tomado iniciativas junto com grandes nomes do Direito no combate à corrupção que devasta o nosso país.  Seu último feito foi o de ingressar juntamente com mais dois colegas, do pedido de impeachment contra o ministro do STF Gilmar Mendes, ao Senado Federal. É autor do Livro Negro da Corrupção, de 1995, Prêmio Jabuti de literatura jornalística naquele ano.

Carvalhosa com a mulher, Cláudia, e o filho caçula dela, Manuel. Foto: Acervo da família

Carvalhosa com a mulher, Cláudia, e o filho caçula dela, Manuel. Foto: Acervo da família

A seguir, a entrevista:

Nêumanne – Deus o abençoou duas vezes, dando-lhe longevidade e brilho intelectual. Nestes longos anos de vida e magistério, como observador atento da vida brasileira, o senhor se lembra de alguma crise similar a esta em que o País mergulhou, aproximando-se, para dar o exemplo mais dramático, de 14 milhões de desempregados?

Carvalhosa – Crise política grave houve em 1954. As instituições deixaram de existir, substituídas que foram pela Republica do Galeão, que passou a governar o pais após o atentado contra Carlos Lacerda, perpetrado pelo guarda-costas do Getúlio, o celebre Gregório, culminando com o suicídio de Vargas naquela noite interminável de 24 de agosto. O rescaldo de insegurança política e institucional durou até a posse do Juscelino, dois anos após.  Acontece que a atual crise, que se escancarou a partir de 2013, já dura cinco anos e tem efeitos sociais e  econômicos devastadores, que vão persistir além de 2019 se a sórdida casta politica que atualmente nos “governa” conseguir se reeleger em outubro.

N – Pelo que o senhor vivenciou e conhece da História do Brasil, o que nos levou a este impasse, que traduz aquele título brilhante da peça de Oduvaldo Vianna Filho e Ferreira Gullar, “Se correr o bicho pega, se ficar o bicho come”?

C – Além da cultura extrativista e escravocrata que domina as relações socioeconômicas neste imenso país subdesenvolvido desde a sua descoberta, a causa contemporânea do desastre que nos inviabiliza como nação é o populismo de feição sindicalista que assumiu o poder a partir de 2003. À peça do nosso querido Vianinha acrescento o filme “On the Waterfront” , de 1954, de Elia Kazan,  que explica como  o poder dos sindicatos leva inevitavelmente ao crime. No nosso caso o síndico-populismo petista capturou e aparelhou o Estado para a prática orgânica, sistemática e profunda do crime de corrupção, que tem como vítima todo o povo brasileiro.

N – A certeza de que as eleições gerais de outubro e novembro resolverão como num passe de mágica as crises moral, política, econômica e financeira com a escolha dos gestores estaduais e federais pelo eleitorado procede ou essa é uma ilusão que historicamente está provado que nunca dá em boa coisa?

C – O crime organizado da corrupção, que tem como instrumento os partidos políticos, construiu um arcabouço de leis em causa própria  e de apropriação criminosa de recursos do Tesouro que assegura aos nossos atuais  “representantes” – todos bandidos – a reeleição para os mesmos ou para outros cargos em 2018. É uma estrutura de ferro, que, embora enferrujada, dificulta a renovação político-representativa. Acontece que nós, eleitores, não queremos e não vamos votar nesses canalhas que roubaram e continuam roubando todo o dinheiro público. Precisamos batalhar pelo voto faxina – que se vayan todos – e votar em candidatos decentes para o Legislativo e o Executivo. Não devemos e não podemos reeleger ninguém, absolutamente ninguém.

N – Comecemos pela crise moral. O senhor é o maior especialista em combate à corrupção no País e me ensinou, desde que viemos a nos conhecer, que o sucesso recente da luta contra a impunidade foi obtido graças à adesão do Brasil a acordos internacionais que a privilegiam desde a Mani Puliti, dos italianos, e, mais ainda, ao atentado da Al-Qaeda contra as torres gêmeas, nos EUA. O senhor continua com fé em que o mundo não vai deixar “estancar a sangria”, lema do presidente do MDB de Temer, sob inspiração de Jucá?

C – A nossa lei anticorrupção das pessoas jurídicas, de 2013, é a reprodução dos tratados internacionais da ONU, da OCDE e da OEA que declaram a corrupção como crime contra a humanidade. Os frutos dessa nossa  lei de 2013 e da que trata da improbidade administrativa  deram substrato aos trabalhos beneméritos da Lava Jato,  que é um marco na História do nosso país, com efeitos disseminadores que transcendem os delitos  do petrolão para  alcançar, cada vez mais, os corruptos em todas as esferas no setor público e no setor privado. Pelos tratados e pelas nossas leis anti-impunidade o que importa é dissolver as organizações criminosas que se instalaram no poder e em certos segmentos do empresariado.  E isso tem sido conseguido. Temos, portanto, leis boas e vontade inquebrantável dos integrantes da Lava Jato operando eficazmente, não apenas em Curitiba, mas em Brasília, no Rio e, espero, também em São Paulo e em todos os demais Estados . E temos ainda a rede mundial de combate à corrupção que tem viabilizado o combate a esse crime nefando.  Um terço da população mundial vive abaixo do estado de pobreza por causa da corrupção.

N – Esta geração limpa e competente de policiais, procuradores, juízes e desembargadores federais que abriu as portas do inferno judicial brasileiro para cidadãos de alta renda, à exceção dos 60 mil privilegiados do foro, e acabou com a história de que no Brasil só se prendem pretos, pobres e prostitutas conseguirá superar a resistência dos chefões políticos presos ou prestes a ser presos, suspeitos ou ainda não descobertos?

C – As gangues de políticos dos diversos partidos-quadrilha que há 15 anos dominam o Congresso Nacional estão unidas com o corrupto presidente da República e seus corruptos ministros e também com o que o povo chama de “quadrilhão do STF”, formado para destruir a Lava Jato e, com isso, livrar os bandidos investigados, réus, presos e condenados dos processos em curso. O  “quadrilhão do STF” é hoje a cabeça dessa conspiração contra o povo brasileiro, na medida em que, por meio de decisões monocráticas e  majoritárias na segunda turma,  pratica todo tipo de prevaricação e de obstrução de justiça. O “quadrilhão do STF” é o braço armado do crime organizado da corrupção, que, desafiando a sociedade, pretende continuar lutando pela restauração plena dos corruptos na direção do nosso país. Cabe aos ilustres e respeitados ministros decentes daquela Corte, em maioria, resistir às investidas cavernosas de seus colegas do quadrilhão, cada vez mais ousados na defesa, proteção e liberação dos bandidos da classe política e do empresariado.

Carvalhosa expõe suas ideias sinceras em palestra em Trancoso, no paradisíaco litoral da Bahia. Foto: Acervo da família

Carvalhosa expõe suas ideias sinceras em palestra em Trancoso, no paradisíaco litoral da Bahia. Foto: Acervo da família

N – Em que momento histórico o Supremo Tribunal Federal (STF) se tornou o que tem sido ultimamente, o último bastião não da cidadania, mas da impunidade de quem tem posses para pagar a advogados grã-finos até as calendas gregas do chamado “trânsito em julgado”?

C – Ao tempo do julgamento do mensalão (2010) havia o escancarado acobertamento dos corruptos por três ministros do STF, uma vez que os criminosos eram do mesmo partido político deles. Porém, na medida em que a Lava Jato e outras operações da Polícia Federal e do Ministério  Público desvendaram a prática de corrupção por impolutos “próceres políticos” do PMDB (agora escondido sob a alcunha de MDB), do PSDB e outros partidos-quadrilha do centrão, também um outro “ministro” do STF se agregou, formando assim o hoje famoso quadrilhão do STF. Os quatro membros dessa camorra judiciária agora defendem todos os políticos corruptos, independentemente das “preferências ou origens ideológicas” desses criminosos.  O STF hoje é prisioneiro de seu regimento e de seus hábitos de decisões monocráticas, não uniformidade de decisões, desrespeito, por parte de seus membros corrompidos, das posições legítimas  dos colegas decentes, praticando  todo tipo de delinquência e chicana que nos leva à beira da ruptura da ordem institucional.

N – Realisticamente, o impeachment de ministro da Suprema Tolerância Federal com negócios milionários privados financiados por suspeitos e que solta sócios da mulher, como é o caso de Gilmar Mendes, é viável? Caso o seja, que efeitos benéficos poderia produzir para pôr a cúpula do Judiciário a serviço do verdadeiro combate ao crime?

C – Os ministros do Supremo Tribunal Federal são servidores públicos pagos pelo povo brasileiro, que é o titular do todo o poder, conforme o artigo 1.º de nossa Constituição. E por isso mesmo  não admitimos que alguns membros dessa Corte prevariquem em favor dos corruptos do setor público e da área privada, como vêm fazendo despudoramente. O impeachment requerido contra um deles, o mais notório , enquadra-se no direito de petição que cabe a todo o brasileiro diante de servidores públicos que se põem a serviço do crime organizado.  Cumprimos o nosso dever como brasileiros.  Cabe ao presidente do Senado determinar a abertura do processo de impeachment. Se não o fizer, diante das evidências que constam das peças, deverá justificar e fundamentar  plenamente os motivos de sua recusa.

N – Vários colegas seus, inclusive os chamados “garantistas” do STF, citam, de forma equivocada, o preceito constitucional da prisão somente após o “trânsito em julgado”, quando o texto da Constituição fala em “só pode ser considerado culpado”, e não em “ser preso”. Existe algum dicionário em que as duas expressões sejam sinônimas? O senhor acha que até a língua portuguesa está à venda nesse mercado reservado pelos causídicos mercê do “juridiquês”?

C – Não existe em nenhum país do mundo – civilizado ou mesmo subdesenvolvido, como  o nosso caso – cumprimento da pena de prisão somente após esgotados todos os recursos nos tribunais superiores. E muito menos a nossa Constituição de 1988 prevê tal barbaridade. Trata-se de uma interpretação aberrante   do preceito constitucional.  Visa tal “hermenêutica” exatamente a livrar os ladrões da classe política e empresários corruptos dos incômodos da cadeia. A prisão  em nosso país é destinada apenas ao povo, do qual não fazem parte, é claro, os nossos “dirigentes” políticos e os seus cúmplices do setor privado. Aliás, não existem quatro instâncias na organização judiciária. Existe apenas a dupla jurisdição, formada pelas  duas instancias: juiz e Tribunal de Justiça respectivo. O STJ e o STF não são instâncias, na medida em que apreciam somente aspectos rescisórios das decisões prolatadas na  segunda instância, tendo em vista a observância da lei e da Constituição no caso concreto. Apenas o juiz e o Tribunal de Justiça  apreciam os fatos, as provas e a tipificação penal que daí decorre. Esse é o momento terminativo para decretar a prisão. A tentativa de  criar quatro instâncias para encarcerar  os nossos corruptos contraria todos os princípios e finalidades do processo penal , que é defender a sociedade dos criminosos. E não há delinquente mais perigoso e danoso para a coletividade do que o corrupto.

N – Por falar em Constituição, é possível sairmos da crise que abordei no começo desta entrevista com o ordenamento jurídico a que nosso Estado de Direito obedece?

C – A Constituição de 1988 é a porta aberta para a corrupção, o desperdício dos recursos públicos e a perpetuidade dos sórdidos políticos profissionais que nos infelicitam. Para sairmos desta crise institucional há necessidade de uma reforma estrutural profunda, que demanda uma nova Constituição, formulada pela própria sociedade e aprovada em plebiscito, como  prevê a própria Carta de 1988. A nova Constituição deverá conter poucos artigos, fundada no princípio da isonomia, ou seja,  na absoluta igualdade de direitos e de obrigações entre as pessoas do setor público e do setor privado. Fim da estabilidade no setor público, com exceção apenas do Judiciário, das Forças Armadas, do Ministério Público e polícia. Concurso público para ministros dos tribunais superiores. Direito adquirido apenas no Direito Privado.   Deve ser instituído o voto distrital puro, com recall dos eleitos. Também deve ser proibida a reeleição  para qualquer cargo. Candidaturas independentes. Fim dos famigerados Fundo Partidário e  fundo eleitoral. Eliminação das emendas parlamentares. Não remuneração dos vereadores. Seguro de obras públicas (performance bonds) e outras medidas que nos libertem da opressão do Estado cleptocrático que nos assalta de todas as formas e maneiras.

Carvalhosa une duas paixões de sua vida: a leitura e, do outro lado do canal, a Veneza dos doges. Foto: Acervo da família

Carvalhosa une duas paixões de sua vida: a leitura e, do outro lado do canal, a Veneza dos doges. Foto: Acervo da família

N – Sua vivência e a História que aprendeu nos bancos escolares e de leituras indicam algum momento em que tivemos um presidente da República encrencado com a polícia e a Justiça?

C – O único precedente em nossa História republicana é o do Collor, cuja rede de corrupção foi investigada e evidenciada. No regime cleptocrático que impera em nosso país, a “vocação” de nossos presidentes da República é a de serem condenados por crime de corrupção, lavagem de dinheiro e organização criminosa. Não poderia ser diferente.  Por se tratar de uma cleptocracia, são os chefes de Estado que lideram as políticas corruptas que são adotadas em todos os setores da administração direta e indireta e nas empresas estatais. O presidente da República é o capo dei capi, sendo os seus ministros e auxiliares os caporegimes que obedecem ao comando do chefe. Esse é o quadro “institucional” do nosso Brasil, que é, em área geográfica,  o maior país subdesenvolvido do mundo, em razão, sobretudo,  de ser o 97.º  mais corrupto no concerto das nações.

N – O que precisa ser feito de prático para acabar com a promiscuidade da representação e fazer com que as agremiações políticas sejam de fato partidos, e não, como muitas o são explicitamente agora, organizações criminosas?

C – Não há nenhuma representação política no atual regime de voto proporcional. Como no tiro ao alvo no parque de diversões, atira-se num objeto e se acerta no outro. Vota-se num candidato e se elege outro.  Várias medidas devem ser adotadas numa nova Constituição com respeito ao tema.  A primeira é a do voto distrital puro. A segunda é a adoção do recall, ou seja, a possibilidade de os eleitores do distrito cassarem o mandato do seu representante que delinquiu ou feriu o decoro parlamentar. O terceiro é o de candidaturas independentes, para terminar com a hegemonias dos partidos políticos, quase todos organizações criminosas, conhecidos  como quadrilhões do PT, do PP, do MDB, do PSDB et caterva, abrangendo os do execrável Centrão. Igualdade de tempo na televisão para todos os candidatos majoritários, abolidas todas e quaisquer imagens. Somente o candidato se apresenta para expor o seu programa e rebater críticas. E assim por diante.  Sem essas providências sanitárias básicas e mínimas não se pode falar em representação política do povo.

Acesse também no Blog do Nêumanne no Estadão. Clique no link abaixo: http://politica.estadao.com.br/blogs/neumanne/corruptos-fizeram-leis-no-brasil-em-causa-propria-acusa-jurista/

Nêumanne entrevista Modesto Carvalhosa. Blog do Nêumanne. 03 de Maio de 2018.

Nêumanne entrevista Modesto Carvalhosa. Blog do Nêumanne. 03 de Maio de 2018.

 

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