O dr. Tarso e o lar, amargo lar, de Lara
Para nosso ministro da Justiça, quando os fatos e os direitos das outras pessoas renegam os argumentos que lhe são fornecidos pela própria ideologia, pior para fatos, direitos e pessoas
Pode-se criticar o ministro da Justiça, Tarso Genro, pelo estilo tortuoso com que fala e escreve, por não levar em conta os pareceres, o que deveria fazer antes de tomar decisões importantes, e, até por isso, decidir errado. Mas nem seus críticos mais ferozes deixam de reconhecer que mais que os obsessivos homens de fé cuja vida a História registra ele tem convicções muito firmes. Nada o abala naquilo que ele tem de mais sagrado: a interpretação da vida real, não segundo os acontecimentos, mas, sim, as idéias que cultiva.
Tomemos o caso do boxeador cubano Erislandy Lara. Ele e seu companheiro de equipe no Panamericano do Rio de Janeiro Guillermo Ringondeaux fugiram da delegação de seu país e se refugiaram numa praia, na expectativa de lutar profissionalmente na Alemanha. Surpreendidos pela Polícia Federal (PF) brasileira, foram ambos embarcados num jatinho particular de volta ao lar, amargo lar. Aos críticos recalcitrantes do longevo tirano Fidel Castro e de seus queridíssimos amigos no governo brasileiro Sua Excelência respondeu com uma explicação singela: voltaram porque quiseram, ou melhor, porque pediram. E, assim, só teríamos mesmo de nos orgulhar de viver num país em que a polícia existe não para prender delinqüentes, mas para devolver nostálgicos estrangeiros ao doce convívio familiar. Os mais intransigentes dos críticos certamente dirão que melhor fariam nossos federais se se ocupassem em reprimir o contrabando e dizimar as quadrilhas do tráfico de drogas. Mas ninguém discordará que a captura de boxeadores fujões, por mais pegada que eles tenham, compromete menos a integridade física de nossos agentes da lei que os fuzis de mira telescópica dos traficantes dos morros.
Erislandy Lara fugiu de casa. E da Europa e dos Estados Unidos tem repetido insistentemente que não pediu para voltar, mas foi convencido a isso pelas más notícias de Cuba que os agentes brasileiros reproduziam com a mesma eficiência com que impediam seus contatos com a imprensa. Isso não impede, porém, que o ministro Genro continue afirmando que os boxeadores voltaram para Cuba a pedido, e não por uma nada livre nem espontânea pressão.
Então, não é de estranhar que, na concessão de asilo a Cesare Battisti, as convicções ideológicas de Sua Excelência considerem nulas as evidências de que a Itália é uma República democrática; a Justiça italiana tem uma tradição que vem do tempo dos Césares; e a confirmação de suas penas por um tribunal em Estrasburgo retire delas quaisquer laivos de perseguição. Porque, para Tarso Genro, “contra argumentos não há fatos”. E, se os fatos não confirmam suas ideias, danem-se os fatos.
© Jornal da Tarde, publicado no Jornal da Tarde, terça-feira 3 de fevereiro de 2009, p. 2A