Vale-tudo pelo voto
PSDB e DEM reclamam da acintosa campanha eleitoral que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e sua candidata à sucessão, Dilma Rousseff, fazem a pretexto, não de inaugurar, mas de vistoriar obras públicas pelo Brasil afora. O chefe do governo e a chefe da Casa Civil alegam que a administração não pode parar e que o principal pretendente da oposição faz o mesmo. Na singular situação de crítico dos adversários, mas preso pela mesma armadilha retórica destes, o governador de São Paulo, José Serra, se vê forçado a defender a postura ambígua dos que disputarão a eleição com ele, sem condenar os aliados que os execram. O presidente do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, libera-se do mutismo imposto aos juízes em geral e ao chefão de todos eles em particular para caracterizar como eleiçoeiros os périplos federais, sem que, contudo, o Poder que preside se manifeste por ações efetivas para punir delitos eventuais num evento dessa magnitude. Ou seja, num assunto relevante como o pleito presidencial, particularmente numa democracia sem instituições sólidas e dependente de resultados eleitorais, caso da nossa, reina esta estonteante e vergonhosa confusão por parte dos maiorais da República, que nada fazem para corrigir as eventuais distorções denunciadas, mas na prática nunca punidas na forma da lei, como deveriam ser.
Nesse panorama confuso e desolador, soa como voz de pitonisa o alerta lúcido e corajoso de uma concorrente à corrida presidencial que aparentemente não dispõe de oportunidades idênticas às dos candidatos oficiais e oponentes, a senadora Marina Silva: apesar de ter sempre militado no Partido dos Trabalhadores (PT) e sido durante todo o tempo o símbolo encarnado do que o grupo de Lula, que está no poder, pensa e quer agir em termos de meio-ambiente, ela entrou em cena para confundir, e não para explicar, como o Velho Guerreiro Chacrinha fazia antigamente.
A cabocla aparentemente frágil que bagunçou o coreto do amém ao chefão ao sair do PT e se aventurar na selva sem lei nem alma da disputa feroz pelo poder agora aparece como a profetisa da luz ao apontar o dedo para a falta que faz uma legislação restritiva e impositiva que regulamente a pré-campanha eleitoral em nossos alegres trópicos tristes. Aí está o xis da questão, o busilis. Enquanto o Poder Legislativo não regularizar a pré-campanha no Brasil, todos continuarão berrando e ninguém terá razão: nem governo, nem oposição nem o juiz dos juízes. E a eleição, quintessência de qualquer democracia e único poder emanado da cidadania na nossa, continuará sendo esse vale-tudo cruento em que só não conta mesmo a vontade soberana do cidadão.
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© Jornal da Tarde, terça-feira, 10 de outubro de 2009.