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No Estadão desta quarta-feira: As memórias assassinadas de um ex-capitão de milícias


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O silêncio forçado do bandido Adriano

é recebido com alívio por  criminosos  ocultos

O presidente da República, Jair Bolsonaro, tem feito das tripas coração para evitar que o primogênito, Flávio, responda por seus atos quando deputado estadual no Rio de Janeiro. Conseguiu dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) Dias Toffoli, presidente, e Gilmar Mendes a interrupção do inquérito do Ministério Publico sobre movimentação atípica de verbas de seu gabinete pelo ex-assessor Fabrício Queiroz. Como a decisão foi tomada ao arrepio da lei, o plenário paralisou-a por 9 a 2, tendo Gilmar e Toffoli mudado seus votos. Agora resolver assumir publicamente que mandou o filho condecorar o miliciano Adriano da Nóbrega com a Medalha Tiradentes, a mais importante do Legislativo do Estado fluminense.

“Para que não haja dúvida. Eu determinei. Manda pra cima de mim”, disse, sábado 15, na inauguração da alça que liga a ponte Rio-Niterói à Linha Vermelha, no Rio. O fato data de 2005, quando o atual chefe do governo era deputado federal e seu filho senador, deputado estadual. Ou seja, não havia subordinação oficial deste ao pai, que, na ocasião, criticou da tribuna da Câmara a condenação do então tenente PM por homicídio do guardador de carros Leandro dos Santos Silva, 24 anos. “Naquele ano (2005) era herói da Polícia Militar. Como é muito comum, um PM quando está em operação mata vagabundo, traficante”, disse. De fato, Adriano comandou a operação em que o flanelinha foi morto, mas não atirou na vítima. Solto em 2006, foi absolvido em 2007. Havemos de convir que daí a ser herói da PM distam muitas léguas-luz.

Sábado ele fez referência ao fato de o suspeito de ter participado da execução de Marielle Franco não ter passado pelo trânsito em julgado para ser considerado culpado. E assim o exige o STF em nova jurisprudência, que tornou inútil a condenação em segunda instância para permitir que um condenado comece a cumprir pena.

O Bope, como é público e notório, tornou-se uma espécie de ai-jesus da repressão policial ao banditismo mercê do sucesso de público e crítica do filme Tropa de Elite, de José Padilha. A ironia do episódio é que o herói na tela é o capitão Nascimento, interpretado por Wagner Moura, astro máximo da esquerda estelar, que execra a violência de qualquer ação policial e justifica o crime contra inocentes como resultado de injustiça social.

A ironia atinge o paroxismo ao se acrescentar que Moura é baiano como Rui Costa, governador de seu Estado. Foi lá que o herói que virou chefe de milícia, atividade criminal similar, mas oponente do tráfico de droga nos morros cariocas, foi cercado e fuzilado por 70 policiais locais e fluminenses (chefiados por Wilson Witzel).

O tiroteio foi evitado no domingo 9 de fevereiro em Esplanada (BA), cujo cemitério fora construído pelo beato Conselheiro a caminho de Canudos. Duas balas certeiras eliminaram o risco, temido pelos “bravos” que o cercaram pela habilidade no manejo do gatilho de arma capaz de produzir rajadas de tiros, de o assediado atirar. Setenta contra um, no caso, seria covardia, mas foi só cálculo. Pois a adoção num cerco de execução sob a inspiração do lema dos néscios – “bandido bom é bandido morto” –, de fato, serviu mesmo foi para emudecer um arquivo capaz de sujar a reputação de muitos meliantes vivos e poderosos.

A guerra suja da política expôs estupidez similar. Bolsonaro apontou o dedo em riste para o mando do PT de Costa. Este também adotou um tom falangista: policiais têm direito de salvar sua própria vida quando atacados, “mesmo que os marginais tenham laços de amizade com a Presidência”.

O eco dos disparos verbais com o passar dos dias deverá ser depositado nos paióis para a guerra já declarada entre os protagonistas deste faroeste caboclo até que o campo de batalha mude do roteiro do beato massacrado há mais de cem anos para os palanques em 2022. O silêncio forçado do ex-falso herói abatido produzirá o conforto e o consolo de bandidos secretos que operam por trás do palco na encenação diária da gestão pública sobre os inocentes explorados pelos maus costumes políticos.

Este artigo é publicado a 23 dias do segundo aniversário da execução da vereadora Marielle Franco e de seu motorista, Anderson Gomes. Pressionada pela cobranças internacionais, a polícia de Witzel, o mais novo inimigo jurado da reeleição de Bolsonaro, dificilmente terá chegado ao que realmente interessa: quem mandou matá-los. Afinal, executantes do crime, apontados na investigação, são gafanhotos cujo estrago não se compara ao poder mortal dos mandantes que os contrataram para eliminá-los. A impossibilidade de contar com informações que poderiam ser dadas pelas memórias do ex-capitão de milícias certamente contribuirá – e muito – para adiar essa identificação para as calendas gregas.

Pouco mais de um ano depois desse assassinato, dois prédios desabaram, matando 24 pessoas em Muzema, no Itanhangá, no Rio, onde Marielle atuava. Além do saldo fatal, ecoa a frase infeliz do ministro da Defesa, general Fernando Azevedo e Silva, a respeito do tema deste texto: “A milícia começou numa intenção de proteger as comunidades. Na boa intenção. Começou com uma intenção de ajudar, mas desvirtuou e são bandos armados”.

Adriano tinha informações que foram apagadas perto do cemitério construído pelo Conselheiro: um bandido morreu para livrar muitos outros .

  • Jornalista, poeta e escritor

(Publicado na Pág. A 2 do Estado de S. Paulo da quarta-feira 19 de fevereiro de 2020)

 

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