No Blog do Nêumanne: Tiroteio no curral dos Gomes em Sobral
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José Nêumanne
Duelo de retroescavadeira e pistola em quartel no Ceará exibe resultados funestos de conluio entre populismo e impunidade, que prejudica cidadãos comuns e democracia, que devia lhes servir
Indiferença, desinteresse e um grau repugnante de desumanidade caracterizam a reação pública nacional diante da crescente violência no Estado do Ceará. Esta atinge prioritariamente os cidadãos, em especial os desvalidos, e mantém livres, leves e soltos políticos vorazes, corruptos e maus gestores. A crise da Polícia Militar cearense com os governantes do PT e seus asseclas do PDT não é exclusiva da Unidade da Federação nem resulta apenas da realidade interna. Mas uma grossa camada de pó e fumaça na cena do conflito toma conta do restante do País, como se fosse uma fatalidade, que põe os beneficiários à distância da responsabilização criminal e da punição eleitoral.
A Constituição de 1988 proíbe greves no serviço público, em especial em casos em que agentes da lei portem armas e exerçam na prática das ruas, cujos ecos não chegam aos palácios, sob a indiferença generalizada dos que se arvoram na condição de monopolistas da consciência nacional. Os parlamentares, que, neste momento, disputam com o Executivo o domínio sobre fatias bilionárias do Orçamento da União, sem controle algum, para poderem usar apenas o próprio arbítrio para administrar as chamadas emendas individuais, nunca moveram uma palha para regulamentar essa restrição. E se aproveitam das brechas abertas por sua indiferença e seu insidioso cinismo para levarem vantagem na narrativa partidária e na disputa dos votos de cidadãos e vítimas.
Nessa regra geral parece não haver exceções. O estopim da dinamite de brutalidade que explodiu no Estado de José de Alencar foi aceso pela covardia, incompetência gerencial e incapacidade de enxergar um palmo adiante do nariz do partido chamado de Novo e de seu governador de Minas, Romeu Zema. Esse senhor, dos baixos da pusilanimidade cívica, concedeu um reajuste inviável de 46% aos PMs do Estado de Tiradentes. O aumento é ínfimo para cobrir as reais necessidades da tropa policial, incapaz de manter a ordem necessária para que ele governe a contento. Mas qualquer aluno do curso primário em Alfenas será capaz de perceber que seu Estado, quebrado, não tem condição de honrá-lo.
Mas o ocupante do posto pelo qual Juscelino Kubitschek passou fez o mais fácil a seu alcance. Pois pelo menos não faltou à aula de Sociologia Política no curso de Administração que ensina que a União sempre socorre Unidades Federativas em estado falimentar. A Pátria amada, idolatrada, salve, salve, não deixará os colegas contemporâneos do alferes morrerem de fome. Essa conta oportunista sempre ficou ao alcance dos governadores e foi paga por gestores federais escravos da demagogia militante.
No entanto, nunca nenhum deles se atreveu a romper esse círculo vicioso, seja por cálculo oportunista, seja por confiança comodista de que o destino manifesto de provedor-geral da República sempre será exercido além dos limites do Estado. O disparo de Zema no próprio pé, jogando no lixo a “novidade” de sua proposta de gestor, mais um irresponsável como os demais, passa ao largo, como sempre passou, das obrigações de seus colegas espertalhões, que deixam mofando nas gavetas a Lei de Responsabilidade Fiscal e o exemplo dado pelo santista Mário Covas em São Paulo de que a prioridade deve ser sanear financeiramente o Estado.
O Ceará de padre Cícero e Floro Bartolomeu, que deram ao bandido mais famoso do Nordeste, Lampião, uma falsa patente de capitão do Exército para combater a Coluna Prestes, sob a também falsa promessa de enfrentar a peregrinação iniciada sob o comando do general Miguel Costa, tem uma tradição de rotina sangrenta. Durante os governos do PDT dos irmãos Ferreira Gomes, do feudo de Sobral, e do PT de Camilo Santana, essa tradição foi radicalizada pela farsa da leniência disfarçada de tolerância. Uma rápida, e até preguiçosa, consulta ao Google velho de guerra alcançará a constatação dessa evidência: em 30 de maio de 2019, Cadu Freitas, do G1 da terra natal do beato Antônio Conselheiro, que enfrentou a República em Canudos (BA), descreveu: “O número de mortes provocadas por agentes da segurança pública no Ceará cresceu 439% entre 2013 e 2018, de acordo com a Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS). No início da série histórica, foram contabilizados 41 assassinatos por agentes do Estado; já no ano passado, o total foi de 221. O crescimento percentual estadual, em números gerais, é maior do que o ocorrido no Brasil, que teve aumento de 178,4%”. Quem acreditar na justificativa de defender os direitos humanos dos jagunços fardados da terra de Iracema na certa também aposta na inocência e na perseguição de Lula. Fazer o quê?
A entrada dos irmãos Ferreira Gomes, caudatários da política dos coronéis da Guarda Nacional desde a República Velha, incorporou à prática da violência pitadas de cinismo e cafajestice. Da dita “república de Sobral” a elite coronelista interiorana incorporou a essa tragédia de pólvora e sangue um típico componente de farsa de ocasião. O ridículo em série misturou componentes de ficção de A Peste, de Albert Camus, e Ensaio sobre a Cegueira, de José Saramago, e cenas de chanchada da Atlântida na Copacabana dos anos 50. Na quarta-feira 19 o ex-governador Cid Gomes tentou atropelar com uma retroescavadeira uma malta de PMs amotinados, de capuz, derrubando o portão do quartel em que se abrigaram. A óbvia tentativa de assassinato em massa tinha conotações de piada de caserna, mas, de fato, configurou crime previsto no Código Penal. Se o invasor frustrado não for processado e preso por isso, o Brasil terá assumido a condição de satélite da truculência irresponsável e desmedida dos fanfarrões de Sobral, que se destacam por tratar política como briga de rua.
Para isso contribuíram socos e pontapés retóricos trocados pelo vereador do Rio Carlos Bolsonaro, o ex-ex-tudo Ciro Gomes, irmão do meliante, e o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), coadjuvante estridente da guerra que a esquerda sem votos pretende mover contra o governo constitucional. “‘Vambora’, Ciro. Já estou indo para Sobral, me espera aí!”, diz Randolfe em vídeo em cima de um trator. “(Randolfe) quer passar por cima de crianças e mulheres com o pessoal do nariz nervoso e lambedor de beiço do Ceará”, comentou Carlos. A esses golpes de MMA abaixo da linha da cintura o irmão mais velho do valentão da retroescavadeira reagiu como dele se espera, é claro. “Libélula deslumbrada, nós aqui no Ceará somos e seremos o pior pesadelo de sua família de canalhas, milicianos e peculatários corruptos. Quanto dinheiro roubado o Queiroz depositou na conta da mulher de seu pai, o canalha maior?”, reagiu o fracassado expelido no primeiro turno da eleição de 2018 pelo eleitor previdente. E o incauto terceiro pulou fora, que não é besta. Randolfe saiu de fininho temendo que seu fio de voz se perdesse nos berros do ex-componente da base da Arena, partido da ditadura: “Fiz um vídeo, em clima de carnaval, em que me solidarizava com a luta do senador licenciado Cid Gomes”, escreveu no Twitter. Ou seja, tentou se escafeder do boteco antes que o conflito entre Sobral e Barra da Tijuca produza um duelo sangrento no curral dos Ferreira Gomes. A guerra eleitoral no Amapá não leva a esses extremos, mas também é pródiga em mentiras pusilânimes.
Rodrigues, intrometido inconveniente, que entrou na briga sem ser chamado, trouxe valiosa compreensão da falsidade como arma política. Foi solidário aos rebelados, tratados como “desertores”, que é mesmo o que são, pelo governador petista, aliando-se aos cowboys sobralenses. Mas contra motins. Então, façamos chegar aos pubs festivos da esquerda a realidade das vaquejadas cearenses. Os PMs rebelados não são grevistas, mas promoveram um motim, cujo resultado pode ser contabilizado no total das inocentes vítimas de morte da guerrilha da retroescavadeira: pelo menos 122 da quarta-feira 29 do insano ato do coronelzinho Cid ao domingo 23 do debate entre o mano Ciro e Carlos, o filhinho do capitão.
Pela paz desses filhos de Deus sacrificados por incúria e indiferença gerais, urge tomar decisões. Processar o senador licenciado por tentativa de assassinato. Em seguida, localizar e prender suas vítimas eventuais, uma das quais atirou nele. Nunca anistiar desertores, contrariando a chusma de ex-oficiais de PM que ocupam Legislativo e Executivo federais. Um deles, o ex-major Jorge Oliveira, Jorginho para o clã Bolsonaro, cujo chefe anunciou que o nomeará para o Supremo Tribunal Federal, mesmo sendo bacharel em Direito há apenas 13 anos. E nada de intervenção federal no Estado. O PT precisa pagar pelo menos por seus erros de gestão, já que o STF se exime de pôr na cadeia seus excelentíssimos dirigentes, no caso de Lula pelo assalto impune ao erário.
· Jornalista, poeta e escritor
(Publicado no Blog do Nêumanne na segunda-feira 24 de fevereiro de 2020)
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