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Livro de Gilmar Mendes esmiúça luta contra arbítrio oculto.

Em Estado de Direito e Jurisdição Constitucional, ministro expõe posições que tomou no Supremo em nome do Estado de Direito

O livro Estado de Direito e Jurisdição Constitucional 2002-2010, do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes, publicado pela Editora Saraiva em parceria com o Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP), relata um momento de capital importância para a cidadania no Brasil de hoje. Trata-se de um cartapácio de 1.451 páginas, impresso em papel bíblia em formato 16/23, a R$ 160, e não pode ser lido como uma peça de ficção nem um manual de autoajuda. Aliás, autor e editores não devem sequer esperar que o volume seja lido do começo ao fim, como qualquer outro livro. É tipicamente um compêndio de consultas e foi feito para que o leitor tenha acesso a julgamentos relevantes feitos no STF nos oito anos que abarca. A vantagem é que o texto não foi lavrado em “juridiquês”, idioleto que dificulta sua compreensão, mas na velha flor do Lácio que Camões engendrou.

Com clareza e erudição, Gilmar Mendes expôs no livro as posições que tomou em nome de conceitos fundamentais à sobrevivência do Estado Democrático de Direito, mesmo pondo a cara para bater em temas de pouco agrado e até de desagrado total da maioria, motivando, por isso, ondas de protestos de seus críticos. A obra é enciclopédica, ao abordar temas como os riscos da instalação de um Estado policial pela intromissão da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) em investigações da PF, crimes ambientais, liberdade de imprensa e profissão de jornalista, moralidade administrativa e nepotismo, demarcação de terras indígenas, Plano Bresser, trabalho escravo, célula-tronco, renúncia de mandato parlamentar e sucessão pelo suplente, papel do Senado Federal, Estatuto da Criança e do Adolescente, foro especial por prerrogativa de função, liberdade de expressão e crime de racismo, direito à saúde, abuso no uso de algemas e exposição vexatória do preso, suspeito ou não, além das Operações Castelo de Areia, Navalha, Furacão e Satiagraha.

A democracia foi uma dura conquista do povo brasileiro depois de conviver anos com o arbítrio de uma ditadura militar e tecnocrática e convivido com a demagogia do populismo nos interregnos democráticos de uma história republicana em que o arbítrio foi a regra e a liberdade, exceção. O desmoronamento da ditadura e a instalação de um Estado Democrático de Direito digno dessa denominação, contudo, levaram à ilusão de que esse passado não voltaria. Mas os agentes do Estado, mesmo sob a vigência das liberdades políticas, buscam sempre impor uma espécie de arbítrio oculto na tentativa permanente de reduzir os direitos do indivíduo em detalhes de aparente insignificância no dia a dia. A manutenção da democracia pelo respeito aos direitos soberanos do cidadão é tão difícil quanto a derrubada da ditadura e o livro de Mendes esmiúça os bastidores destes conflitos permanentes neste nosso período de transição.

Trata-se, portanto, de um relato histórico de dentro e do alto da resistência do Estado Democrático de Direito às sedutoras investidas do absolutismo e da “democratice” demagógica. No texto, fluente apesar de embasado em profundo conhecimento da técnica jurídica, o cidadão comum – e não apenas os profissionais do Direito, para os quais sua leitura é indispensável, e historiadores e sociólogos, pelo que contém de informação séria -, reconhecerá a guerra renhida travada diariamente para que os direitos que conquistou sejam mantidos e respeitados.

 

O Estado de S. Paulo, 27 de novembro de 2011. 

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