Site oficial do escritor e jornalista José Nêumanne Pinto

Política


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No Estadão: Dilma contra Montesquieu

José Nêumanne

Para tentar salvar sua pele, Dilma pula a cerca da autonomia dos Poderes da República

Primeiro, Dilma Rousseff meteu os pés pelas mãos e perdeu totalmente a popularidade que nunca teve antes na História deste país, mas ganhou como mimo do padrinho. Depois, abusou tanto das mentiras que terminou por ficar também sem credibilidade. Agora, ela tem dado sinais de que começa a deixar pelo caminho toda a compostura.
É possível chegar a essa conclusão sem levar em conta as descomposturas que costuma dar em seus subordinados quando contrariada e nas quais abusa na intimidade do palavreado chulo, da mesma forma como expõe seu raciocínio confuso quando fala em público, lendo ou de improviso. O episódio narrado por Natuza Nery e Marina Dias na Folha de S.Paulo de domingo, contudo, perturba muito menos pelo destempero do uso exagerado de um linguajar rasteiro e desrespeitoso, tratando o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, como lacaio, que ele não é, mas um servidor público com tarefas importantes a cumprir para preservar a natureza republicana das coisas. O episódio descrito na notícia é repulsivo, mas deixa de ser relevante, já que a presumida vítima poderia ter reagido por honra ou vergonha, e não o fez.
É esdrúxulo acusar Cardozo de haver estragado (para usar, em respeito ao estômago do leitor, o verbo mais próximo do palavrão que ela teria berrado) uma viagem aos EUA em que pretendia apresentar uma agenda positiva para tirar o pé da crise. Mas, pelo que se narra dos bastidores palacianos, é useiro e vezeiro. Sua fúria não respeita minimamente as normas comezinhas de civilidade. Mais grave é a reprimenda reproduzida na reportagem: “Você não poderia ter pedido ao Teori (Zavascki) para aguardar quatro ou cinco dias para homologar a delação?”.
O palpite infeliz tem várias conotações e todas são comprometedoras. A primeira é que abona a informação dada pelo ex-diretor do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) Herton Araújo de que teria sido impedido de divulgar o aumento da extrema pobreza antes da reeleição dela.
Essa é uma das várias mentiras que Dilma contou no palanque ao eleitor, tendo a vitória como única meta. É coerente com o lema “a gente faz o diabo para ganhar uma eleição”, que explicita a hipérbole capaz de mostrar que nem o inferno é seu limite quando se trata de alcançar o poder. A cobrança mal-educada ao ministro, com quem ela conta sempre estar a serviço dela, e não da Nação, da forma que é exigida no Estado Democrático de Direito, conduz ao passo seguinte: ela também faz o que só o capiroto aceita para não ser apeada do poder. Já que ninguém contestou as repórteres e o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) citado no vitupério não pediu satisfações, Dilma decidiu brigar com Montesquieu.
Era só o que faltava, dirá o leitor desatento. Mas o atento sabe que a divisão entre os três Poderes, pregada pelo barão francês na virada do século 17 para o 18, tem sido deixada de lado na peculiar democracia à brasileira desde que, depois da Constituição de 1988, se convencionou adotar o híbrido presidencialismo de coalizão. Neste, a barganha permanente de óbolos e favores entre senhores do Executivo e “nobres” parlamentares tornou a República uma casa de penhores no limiar de virar um lupanar. Não se trata de uma invenção petista: vem do tempo em que Lula rosnava na oposição. No entanto, o exemplo mais bem-sucedido dos resultados práticos dessa relação espúria aparece diariamente no noticiário fértil e podre da Operação Lava Jato, na qual Executivo e Legislativo chafurdam na lama sem pudor nem rubores.
Só que o País sentiu há pouco a nova sensação de respirar um ar menos fétido ao assistir pela televisão às sessões de julgamento do mensalão, em que delinquentes tidos como heróis da Pátria pelos donos dos Poderes tiveram seus crimes descobertos, investigados, relatados e apenados. Foi como se, de repente, as distinções de casta tivessem desaparecido.
E agora Dilma acaba de pular a cerca da autonomia dos Poderes. Seu encontro às escondidas em Oporto com o presidente do STF, Ricardo Lewandowski, foi o passo em falso que coroou os percalços que a têm feito penar no pior primeiro semestre de um governo em 193 anos de independência.
O Tribunal de Contas da União deu-lhe prazo para explicar as tais “pedaladas” fiscais, denominação que muito desagrada a seu anspeçada jurídico Luís Inácio Adams. O Tribunal Superior Eleitoral pôs em dúvida as contas de sua campanha. E chamou o empreiteiro e delator premiado da Lava Jato Ricardo Pessoa para testemunhar que barganhou doações para a candidatura dela em troca de favorecimento em contratos de serviços superfaturados para a Petrobrás.
Neste momento, qualquer contato informal dela com qualquer ministro do STF seria suspeito. E a suspeição se amplia ao se constatarem as circunstâncias. A reunião não constou das agendas formais dos participantes. É inverossímil a coincidência da parada em Portugal quando Lewandowski – que decidirá sozinho no plantão de recesso se manterá, ou não, a delação premiada de Pessoa, podendo até tirá-lo da cadeia – estava por lá. Igualmente absurda é a versão de que trataram do aumento abusivo dos salários do funcionalismo do Judiciário, o que reduziria o presidente desse Poder a líder sindical de subalternos. Recorde-se que o tema é da alçada do ministro da Fazenda, Joaquim Levy, encarregado do caixa, mas quem compareceu ao convescote foi o da Justiça, José Eduardo Cardozo. E foi ele quem o definiu como “casual combinado”, fazendo do acinte institucional uma mera contradição semântica.
Zavascki nada tem feito para justificar a inclusão de seu nome nos disparates de Dilma. Restará a Lewandowski seguir-lhe o exemplo, não adotando na Operação Lava Jato providência alguma que destoe da conduta do relator do caso no STF. Uma súbita alteração de rumos poderá custar caro para todos eles. E para o Brasil!
Jornalista, poeta e escritor
(Publicado na Pag.2A do Estado de S. Paulo de quata-feira 15 de julho de 2015)


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No Estadão: “A jogada de Lula”

José Nêumanne

Lula bate em Dilma e no PT porque acha que ainda pode ser a melhor aposta de oposição

Afinal, perguntam Dilma Rousseff, Ruy Falcão, Michel Temer, Aécio Neves, Geraldo Alckmin e José Serra, qual é a jogada de Lula com essa história de que ele e a presidente estão no volume morto e o partido deles, mais abaixo ainda? Será uma crise de sincericídio? Será uma tentativa de pular fora do barco que está fazendo água? Ou apenas de se vingar da indiferença da criatura, que se cerca de velhos adversários do peito, como Aloizio Oliva e Eduardo Cardozo? Ou a mistura disso tudo com uma pitadinha do humor sacana, que lhe é peculiar?

Recentemente, em entrevista a Mino Carta e Gonzaga Belluzzo para a Carta Capital, o ex-presidente me desqualificou como autor do livro O que Sei de Lula alegando que não me conhece nem nunca me viu na vida. Pouco importa. Importa é que o conheço o suficiente para tentar decifrar esse enigma, de vez que ele não é propriamente uma esfinge, embora seja capaz de nos devorar a todos sem hesitação alguma.

Fui muito criticado por direitistas radicais e antipetistas neófitos por ter escrito no livro que ele é o maior político brasileiro da História, batendo o imperador bonachão dom Pedro II e o manhoso caudilho Getúlio Vargas. Talvez tenha chegado a hora de explicar que esse nunca pretendeu ser um elogio – ou pelo menos só um elogio. Ser um bom político, de modo geral, exige de qualquer prócer muitos talentos, algumas qualidades, pouquíssimas virtudes e pelo menos um defeito: mandar todos os escrúpulos às favas. O protagonista deste texto tem uma enorme capacidade de entender os humores da massa e fala a língua do povo como ninguém. Sabe seduzir quem lhe interessa e descartar quem o atrapalha, tendo o dom de iludir. Seu adversário e aliado em horas diferentes, o também populista Leonel Brizola, dizia que para se dar bem ele seria capaz de pisar no pescoço da própria mãe. Lula nem precisou: dona Lidu morreu quando ele preparava sua escalada ao poder como preso político na ditadura. Renega seus erros e adota como dele acertos alheios.

Sua principal vantagem sobre os adversários não é a desfaçatez com que cinge na cabeça os louros deles, mas a difícil arte de fazer e influenciar amigos sem ter de abrir mão de suas convicções, já que nunca as teve mesmo. Recorre a um sucesso do roqueiro Raul Seixas para traçar o melhor autorretrato de si próprio: “Prefiro ser uma metamorfose ambulante do que ter uma opinião formada sobre tudo”. Com perdão da má gramática, Lula nunca teve opinião formada sobre nada. E treinou a capacidade de seu cérebro de borracha em assembleias sindicais em São Bernardo, nas quais, em vez de conduzir a massa, se deixava conduzir pelos amores e ódios dela. Faz sucesso por nunca contrariar o senso comum.

Quando ele disse a bispos e pastores – e tinha a certeza de que suas palavras teriam a repercussão que tiveram, porque a provocou – que Dilma mentiu quando garantiu que não mexeria em conquistas dos trabalhadores nos ajustes nem assumiria a política dos tucanos, que adotou, sabia que ela não o contestaria. Essa aposta ele ganhou: a presidente afirmou que qualquer um tem o direito de depreciá-la, principalmente Lula, muito execrado por jornalistas. Ela mais uma vez chutou a lógica: só alguém de quem se fala mal pode censurar alguém? Para minha avó, “chumbo trocado não dói”. Mas não era o caso: Lula não criticou a presidente, mas a ofendeu chamando-a de mentirosa. Além disso, ela nunca tinha falado mal dele antes.

Rosângela Bittar, no Valor Econômico, citou a metáfora do “quarto de espelhos”, dando um caráter de autocrítica indireta à afirmação dele de que seu Partido dos Trabalhadores (PT) trocou “um pouco de utopia” por cargos públicos. Só omitiu o fato de o PT não estar sendo acusado de ser o “partido da boquinha” apenas por ter aparelhado a máquina estatal, mas também por ter comandado o maior saque ao erário da História da República.

Tanto a confissão aos religiosos quanto a “autocrítica” de outros perante o ex-presidente socialista da Espanha Felipe González resultaram, se eu não estiver enganado, da percepção que Lula tem da insustentável fragilidade de seu poste no poder e da incapacidade da oposição de dar à Nação resposta convincente ao fato inelutável. Ele se lança como proposta de oposição ao que está aí, agindo como Ulysses Guimarães, que mandava e se opunha no governo Sarney. Pouco importa se o que está aí seja obra dele e de companheiros que ele içou ao poder, inclusive a roubalheira e a crise econômica resultante do consumismo usado como panaceia. Às favas com os fatos – é a paródia lulista à frase de Passarinho.

Pode-se argumentar que a aposta de Lula na amnésia generalizada do povo brasileiro é uma jogada arriscada demais para ele expor o próprio pescoço, agora que não dispõe mais do da mãe para subir na vida. Pode ser. O lance é ousado mesmo, mas não necessariamente suicida, ou melhor, sincericida. Não devemos esquecer que, no meio da crise geral de credibilidade de Dilma, do PT e talvez dele próprio (e ninguém o sabe melhor do que ele mesmo), pesquisa do Datafolha atribuiu a 50% dos brasileiros a convicção de que ele foi o melhor presidente da História. Lula afundou o “pai dos pobres”, Getúlio Vargas, ao inexpressivo patamar de 6%. E a rejeição a ele fez o índice do tucano Fernando Henrique alcançar 15% . Quem apostará numa mudança radical de opinião de metade dos brasileiros até a data da próxima disputa eleitoral, se esta será mais distante do dia em que deu posse ao poste que escolheu do que da época em que a pesquisa foi feita?

Essa cartada de Lula pode ter resultado incerto e, decerto, é desesperada. Pior: ele não tem alternativa a ela. Como corintiano de arquibancada, ele deve ter tomado a decisão de se tornar o líder de oposição com base naquele velho axioma: perdido por um, perdido por mil. Como tem tudo a perder, pode ser que o improvável seja o único jeito de vencer.

Jornalista, poeta e escritor

(Artigo publicado na Pag.2A do Estado de S. Paulo de quarta-feira 1º de julho de 2015)


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Nesta quarta, no Estadão: “Pega na mentira”

José Nêumanne

Artistas que contestam biografias não querem garantir privacidade ou honra, mas dinheiro

Aceita-se até com naturalidade que um idoso, acostumado há 14 anos a ter acesso prioritário a filas de bancos, poltronas de avião e outras vantagens dadas pela lei à longevidade, receba como corriqueira a condição, negada pela gramática, pela História e pela biologia, de reinar sobre a juventude. A Jovem Guarda, denominação de cunho bolchevique para um programa de iê-iê-iê (anglicismo desconhecido pelos menores de 40 anos de hoje) de guitarristas cabeludos, iniciada há meio século, está desmobilizada há 47 anos. Desde então, sua majestade trocou a rebeldia sem causa pelo romantismo elegante para casais de meia-idade. O que não dá para engolir é que essa condição monárquica num trono de fantasia de programa de calouros autorize tal “soberano” a tratar uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) da República como tabula rasa.

Pois é o que está acontecendo. Há oito anos o notório cidadão Roberto Carlos Braga briga na Justiça para impedir que seja comercializada sua biografia escrita por Paulo Cesar de Araújo. O compositor e cantor de sucesso contratou advogados que convenceram juízes a interpretar os artigos 20 e 21 do Código Civil como restritivos à liberdade de expressão. E fizeram acordo com o biógrafo e a editora que publicou Roberto Carlos em Detalhes, que desagradou a seu tema, para retirar os exemplares das livrarias.

Depois da sessão do STF, dia 10, em que os nove ministros presentes jogaram no lixo da História toda a “sua estupidez”, considerando que a liberdade de expressão não pode ser censurada a priori, os representantes do astro já consideram o assunto resolvido desde antes. Perderam no Supremo, mas querem retroceder à decisão de primeira instância, alegando que o acordo celebrado é inquestionável do ponto de visto jurídico. Ou seja: a chantagem que levou ao pacto teria mais valor do que a manifestação explícita e douta de cada um dos nove ministros que soterraram a persistente carreira de censor da historiografia nacional a serviço de suas desprezíveis idiossincrasias.

Esses causídicos têm pleno direito de apelar para argumentos jurídicos na luta para respaldar os caprichos da celebridade. Pois, assim como a expressão, no Estado Democrático de Direito a queixa é livre e questionável nos tribunais. Que se questione, pois. Sem, contudo, atirar às matilhas da vaidade sem freios as conquistas incondicionais daquela tarde especial. Ou seja: atribuir a um contrato obtido sob pressão da defesa da honra não atingida a primazia sobre a decretação do fim do “cala-boca” é um achincalhe à democracia vigente. É estulto pensar que a revelação da perda de parte de uma perna leve um pedaço da honra junto. E o cantor nunca buscou reparação em juízo. Só quis sua parte em moeda sonante.

Pessoas que gostam demais do vil metal (e isso não é vício nem virtude, mas costume) tendem a superproteger as próprias fontes de renda e a superestimar ganhos de profissionais de outros ramos em comparações que não têm razão de ser. No fim de semana posterior à sessão histórica do STF, prestes a responder na comissão parlamentar de inquérito (CPI) da Petrobrás sobre cachês muito além dos valores de mercado por conferências do ex-presidente a convite de empreiteiras, o presidente do Instituto Lula, Paulo Okamotto, disse à Folha de S.Paulo supor que “esses comentaristas políticos que fazem palestras sobre Brasil devem cobrar muito mais” que R$ 300 mil. Esse é o custo das do ex-sindicalista, conforme ele admitiu.

É inócuo provar o despautério desse palpite. E também não será fácil produzir um livro sobre Roberto Carlos, por mais escandaloso que seja, capaz de amealhar em direitos autorais alguma quantia semelhante ao valor auferido pelo compositor com qualquer canção. “Tirar 10% do pobre biógrafo é muito para o biógrafo e pouco para eles”, disse, com autoridade e sensatez, Paulo Coelho, o escritor brasileiro de maior sucesso no mundo.

Em entrevista à Época, o autor de O Alquimista se disse chocado com a atitude de seus ídolos Chico Buarque, Caetano Veloso e Gilberto Gil, que aderiram à tentativa canhestra do autor de Se Você Pensa sem levar em conta o legado do trio na luta contra a censura no Brasil à época da ditadura militar.

Em 2013, a ex-mulher de Caetano Veloso Paula Lavigne, filha de um bem-sucedido advogado carioca, criou a organização Procure Saber para avalizar a intervenção estatal no Escritório Central de Arrecadação de Direitos (Ecad), entidade privada que cobra direitos autorais para autores filiados a sociedades arrecadadoras. As sociedades nunca tiveram reputação das mais ilibadas, mesmo sendo um de seus fundadores um gênio da música popular como Humberto Teixeira, parceiro de Luiz Gonzaga, o “rei do baião”, no clássico regional nordestino Asa Branca.

A pretexto de sanear os direitos autorais, a tal associação apoia a intervenção do Ministério da Cultura numa atividade meramente privada, com a retórica populista de que a canção é do povo e, por isso, não é certo seus autores cobrarem por suas execuções. Para Coelho, Chico, Caetano e Gil entraram na fria de apoiar Roberto em sua empreitada mesquinha em troca de este apoiá-los em sua bajulação. O escritor não se deu conta de que os dois pleitos são produtos do mesmo entulho autoritário. A distorção espertinha dos artigos do Código Civil tentou ressuscitar a censura prévia. E a intervenção estatal na gestão dos royalties só quer furtar o autor para beneficiar o Estado gestor de tudo e as multinacionais produtoras de conteúdo, pelas quais os artistas estatistas são patrocinados e mimados. Poucos perceberam isso com a clareza de Fernando Brandt, coautor de Travessia e que nos deixou neste fim de semana.

O hino dessa celebração à mesquinharia de ídolos tidos como heróis da liberdade em raios fúlgidos é um velho sucesso de Erasmo Carlos, parceiro-mor de Roberto desde sempre: “Pega na mentira, corta o rabo dela, pisa em cima, bate nela”.

Jornalista, poeta e escritor

(Publicado na Pag. A2 do Estado de S. Paulo da quarta-feira 17 de junho de 2015)


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No Estadão: “Bola suja” poderá salvar Lava Jato?

Ação do FBI na Suíça mostra que americanos não cruzarão braços ante impunidade aqui

Só quem não prestou atenção total ao debate sobre os escândalos de corrupção no Brasil pode ter-se surpreendido com a espetacular prisão pelo americano Federal Bureau of Investigation (FBI) de sete “cartolas” da Fifa, entre os quais o presidente da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), José Maria Marin, em Zurique, na Suíça. Afinal, um dos melhores e mais bem informados especialistas na área do Direito que lida com esse tipo de fraudes no Brasil, Modesto Carvalhosa, vem há algum tempo advertindo para a possibilidade de intervenções remotas da Justiça americana, no exterior. Em artigos nesta página e entrevistas à imprensa e às emissoras de rádio e televisão, ele tem advertido que, sendo o Brasil signatário de um pacto internacional anticorrupção, acusados de fraude que não tenham sido justiçados aqui poderão sê-lo em qualquer outro país lesado, entre eles os Estados Unidos.

As advertências feitas pelo advogado dizem respeito especificamente à roubalheira que atualmente mantém o monopólio das manchetes dos jornais e dos noticiários de rádio e televisão e das capas de revistas: em troca de garantia de ganhar licitações e de poder superfaturar obras da Petrobrás, grandes empreiteiras pagaram propinas a gerentes e diretores da estatal e a políticos de partidos aliados do governo que os nomearam apenas para esse objetivo. Tramitam na Justiça americana ações movidas por investidores que acreditaram no perfil sério e competente de nossa petroleira e se sentiram logrados depois que tiveram notícia do mar de lama em que a companhia afundou, num caso de furtos sem paralelo na História da humanidade.

Petróleo, evidentemente, nada tem que ver com futebol. No entanto, ninguém precisa sequer acompanhar o noticiário esportivo para ficar sabendo que o esporte mais popular do mundo é administrado por uma federação cuja fama em matéria de malversação de recursos é enorme. Mas a Fifa passava incólume por processos judiciais, apesar de suspeitas, devassas e investigações.

Agora o que Carvalhosa diz, sem que ninguém dê atenção a seus avisos – nem o governo, nem a oposição ou a cúpula dos Poderes Legislativo e Judiciário tiveram a sabedoria de lê-lo e ouvi-lo –, se confirmou na ação do FBI, com ajuda da polícia suíça, no suntuoso hotel Baur au Lac. A ação policial não alterou o resultado previsto do pleito de que de novo saiu vencedor o suíço Joseph Blatter. Mas, além da temporada dos finórios “cartolas” nas prisões helvéticas, a batata do chefão torrou e ele saltou fora. Após a reeleição, tinha acusado os americanos de estarem se vingando pela escolha do Catar para sediar a Copa de 2022 em vez do país deles. Como dizia vovó, “desculpa de cego é feira ruim e saco furado”.

A versão de Blatter mostra que ele aprendeu esse truque no Brasil, onde foi disputado o Mundial da Fifa no ano passado. Pois essa sua tentativa de ficar de fora do episódio é similar às acusações feitas por Renan Calheiros, Eduardo Cunha, Fernando Collor e Antonio Anastasia contra o Ministério Público Federal (MPF), que investiga a eventual participação deles no esquema chamado de petrolão. A questão é que, tanto cá quanto lá, não importa a motivação, mas a consequência dos inquéritos. MPF aqui e FBI lá têm de provar a culpa dos acusados – alguns presos. Quem for inocente comemorará e quem não for purgará pena, como manda a lei.

O Brasil tem importância capital na ação judicial e na operação policial nos EUA. Um importante informante é o patrício José Hawilla, ex-repórter de campo, um dos nababos das negociações milionárias do futebol profissional, agora réu confesso em quatro crimes e delator premiado, que aceitou devolver parte do dinheiro devido ao fisco americano. A História registra que foi um Imposto de Renda mal declarado que levou o chefão mafioso de Chicago Al Capone à prisão. Impune pelos atos de violência, o chefão caiu por delito fiscal.

Por aqui a coisa é bem diferente. Em visita ao México, feita para incrementar relações bilaterais esfriadas pelo combate de seu antecessor à Alca, a presidente Dilma Rousseff disse que o futebol brasileiro “só se beneficiará dessa investigação”. Não contou como nem por quê. Além de ter omitido a obviedade de que nenhuma melhora na prática futebolística no País compensará a imagem negativa produzida para esta e para o Brasil pelo fato de ultimamente só ter merecido destaque no noticiário internacional a corrupção sem freios.

Antes de a chefona voltar, o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, pôs a máquina do marketing policial para funcionar anunciando investigações da Polícia Federal (PF), cuja reputação anda em alta por causa da Operação Lava Jato. Sua intenção óbvia é fingir que o governo manda numa instituição de Estado que não precisa de ordens do Executivo para atuar. Além da patacoada presidencial e da ordem cínica, o governo expôs à Nação uma das mais espetaculares provas de incompetência dadas por qualquer fisco: a Receita Federal anunciou que investiga fraudes no total de R$ 4 bilhões no futebol desde 2002. Dá para acreditar? Investigar por 13 anos fraudadores que o FBI levou meses para prender?

Romário de Souza Faria, o craque da Copa que o Brasil venceu nos EUA em 1994, conseguiu as assinaturas para abrir comissão parlamentar de inquérito (CPI) no Senado para investigar a CBF. Ótimo! A questão é: se a CPI da Petrobrás aguarda melancólico fim com cheiro de pizza depois de PF e MPF terem feito o trabalho pesado, o que esperar da repetição de uma CPI que já houve antes e teve fim igual?

Sem precisarem mais ler nem ouvir o aviso de Carvalhosa, os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário podem aprender com a ação do FBI contra a “bola suja” e abortar, se é que estão mesmo tentando sabotar a Operação Lava Jato, outra, que é chamada, em concessão à escatologia em voga, de “bosta seca”. Tempo de fazer justiça aqui mesmo há.

Jornalista, poeta e escritor

(Publicada na Pag. 2A do Estado de S. Paulo da quarta-feira 3 de junho de 2015)


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Padim Lula: da unção à maldição

Ex-presidente e vários de seus “campeões mundiais” não estão numa “fase muito boa”

Ricardo Pessoa, ex-engenheiro da OAS e empreiteiro da UTC, foi escalado na seleção dos “campeões mundiais” ungidos com as bênçãos do padim Lula de Caetés. Egresso de uma carreira anônima de executivo da construtora baiana, cujo dono era genro de um figurão da República nos anos JK, na ditadura militar, na Nova República e no mandarinato tucano, Antônio Carlos Magalhães, o ACM – dependendo das circunstâncias, Toninho Malvadeza ou Ternura –, subiu na vida como um foguete. E caiu ao fundo do pré-sal acusado de chefiar um cartel que demoliu o patrimônio e a credibilidade da joia da coroa estatizada brasileira, no qual dava cartas para os ex-patrões da OAS e outros figurões carimbados da construção civil nacional: Camargo Corrêa e Odebrecht, entre eles. Subida ao céu e descida aos infernos sob a égide do padroeiro.

Os irmãos Joesley e Wesley Batista, filhos de José Batista Sobrinho, o Zé Mineiro, que em 1953 abriu a Casa de Carnes Mineira, um pequeno açougue em Anápolis (GO), adotaram as iniciais do nome do pai, JBS, para denominar um grupo que, no século 21, passou a ser o maior processador de proteína animal do mundo, com 152 mil empregados. Para recorrer a uma metáfora futebolística, tão ao gosto do padim, é como se a Anapolina, cuja torcida chama de xata (com x mesmo), decolasse da Série D do Campeonato Brasileiro de Futebol para ganhar o título mundial contra Barcelona ou Juventus de Turim, não importa.

Há, contudo, uma diferença capital entre os Batistas e Pessoa: enquanto este usa uma tornozeleira para não sair de casa, os goianos comemoram, ano após ano, lucros fabulosos. O máximo de incômodo pode ter sido a decisão do Tribunal de Contas da União (TCU) de exigir que o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico Social (BNDES) abra o sigilo, que tem mantido teimosamente, sobre as vultosas quantias a que a instituição pública se tem associado em suas conquistas no Brasil e alhures. O estouro da boiada, de Consuelo Dieguez, na Piauí, conta como.

Se o TCU não encontrar nada de errado nas relações entre empresa particular e banco estatal, a não ser generosidade de compadre, a esta altura do campeonato restará a constatação de que os filhos de Zé Mineiro serão privilegiados também pelo fato de o ouro do esperto alquimista de Caetés não ter virado cinzas. Mas o clã mineiro em Goiás nunca será acusado de esbanjar, pois tem multiplicado cada centavo da “viúva” injetado. Ao contrário de Eike Batista, filho de Eliezer, o badalado gestor da Vale estatal que operou o “milagre” da transformação de metal precioso em porcaria, reduzindo a pó todos os papagaios de notas de dólar que empinou e tornando uma herança de mandarim um festival de falências.

Já houve quem dissesse que o melhor negócio do mundo é um poço de petróleo bem administrado e o segundo melhor, um poço de petróleo mal administrado. Eike desafiou essa lei do mercado, mas não passou de um golden boy num ringue de pesos pesados. Se é verdadeiro o grave conteúdo das delações premiadas coletadas pela Polícia Federal (PF) e pelo Ministério Público Federal (MPF) do Paraná e que têm merecido atenção e aprovação do juiz federal Sérgio Moro, em Curitiba, a ex-maior empresa brasileira, a estatal Petrobrás, despencou do alto de desempenho e reputação invejáveis no mundo para o fundo dos próprios poços na profundeza dos mares, em caixa, patrimônio e credibilidade.

Um dos presos na investigação, antes condenado no escândalo do mensalão, o ex-deputado Pedro Corrêa disse à CPI da Petrobrás que o ex-presidente Luiz Inácio só não foi preso porque ninguém teve coragem de fazê-lo. No depoimento, ele delatou: “Lula achava que o Paulo deveria ser diretor de Abastecimento”. O delator recorreu ao testemunho de um morto, José Janene, mas não faltam vivos que se lembrem do carinho com que Lula tratava seu afilhado de “Paulinho”.

Essa talvez seja a única explicação razoável para o desabafo que o dono do dedo que ungiu os “campeões mundiais” andou fazendo em Brasília na semana passada. De acordo com relato dos colegas Andreza Matais e Ricardo Brito, da sucursal de Brasília, publicado neste jornal no sábado, o ex “admitiu” que “não atravessa uma boa fase”. Duvida quem, como o autor destas linhas, frequentou sua casa na vila operária do Jardim Assunção e sabe que hoje o padim mora em apartamento de luxo na mesma cidade de São Bernardo. E tem garantido conforto para veraneios no Guarujá em apartamento tríplex que, segundo seus acusadores, foi concluído pela OAS para a Bancoop, que não tem um histórico muito católico de entregar vivendas que vendeu. Será exagero concluir que ele cospe na própria sorte? Talvez.

Mas uma parábola futebolística é muito adequada se se juntar o que se publica nas páginas de política, polícia e esportes hoje em dia. O Corinthians não sabe, nem tem, como pagar dívida de R$ 1,15 bilhão pelo estádio ainda sem nome que o BNDES ajudou a Odebrecht a construir para o time do coração de Lula. E este e vários dos ungidos por ele enfrentam dificuldades mais amargas do que a eliminação do ex-campeão mundial da Libertadores.

O MPF leva adiante investigação sobre o poder de indicar executivos heterodoxos para gerir dinheiro público de uma amiga íntima de Lula, Rosemary Noronha, que, nomeada por ele, chefiou o escritório da Presidência da República em São Paulo. Em Portugal, o ex-premier José Sócrates, preso, responde por suspeita de protagonizar o escândalo dos sanguessugas. No processo, o colega brasileiro é citado, e não pelo feito de ser autor do prefácio de seu livro sobre tortura.

Relatam os repórteres que o preocupa mais a eventual delação premiada de Pessoa, cuja empresa tinha há sete meses R$ 10 bilhões em contratos ativos com a Petrobrás. Se este contar por que chefiava os maiores tocadores de obras de Pindorama, aí, quem sabe, a vaca tussa e a porca torça o rabo.

Jornalista, poeta e escritor

(Publicado na quarta-feira 20 de maio de 2015 na Pag. A2 do Estado de S. Paulo)


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No Estadão: A trapaça da estatal que queima arquivos

José Nêumanne

É tolice pensar que, ao esconder a verdade, Petrobrás vai recuperar credibilidade perdida

Como se tivesse sido instada a explicar por que queima gás nos campos de extração de petróleo, a Petrobrás tentou justificar a eliminação de áudios e vídeos em que foram gravadas reuniões de seu conselho de administração nas quais se decidiu a compra funesta e onerosa da refinaria da Astra Oil belga em Pasadena, Texas. Tentar até que tentou, mas não conseguiu.

Não vai ser com a queima confessada de arquivos que podem revelar atitudes criminosas de quem autorizou um negócio tão controverso como foi esse, feito no momento em que presidia o dito conselho a ministra poderosa de dois governos e chefe do anterior e do atual, que a empresa recuperará sua credibilidade perdida. Neste momento em que ineficiência, má gestão, queda do preço do produto que refina e cujos combustíveis vende e, sobretudo, roubo, muito roubo, levaram a estatal a divulgar um balanço com a maior perda em ativos entre as grandes petroleiras do mundo, a confissão inaceitável só vai piorar tudo. O cinismo chegou ao ápice com a entrega dos registros sonoros e visuais das 12 últimas reuniões (desde setembro) do tal conselho à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Petrobrás – um escárnio da estatal, et pour cause, do governo, ao Legislativo, Poder que representa diretamente o cidadão, acionista majoritário ao qual ela teria de prestar contas.

A apresentação do balanço, que envergonharia qualquer empresa de qualquer porte no mundo, com a agravante de parte do prejuízo ter sido causada pelo mais lesivo escândalo de corrupção da história da humanidade, foi feita em clima de comemoração, “justificada” pela “virada de página” sob nova administração. E também pela “saga de desafios” da estatal desde sua criação, nos anos 1950, sob a égide do enganoso lema publicitário “o petróleo é nosso”. Depois da roubalheira devassada pela Operação Lava Jato, o slogan publicitário passou a ser acintoso pela constatação de que os lucros do negócio nunca foram da Nação, mas, sim, dos eventuais donos do poder no Estado.

Apesar das evidências confirmadas por quantias exorbitantes revelando o fiasco de gestão e a privatização na prática por partidos da aliança governista federal, a ex-presidente de seu conselho de administração e atual presidente da República, Dilma Rousseff, insiste em fantasias absurdas para fugir à responsabilidade pelo que ela chama de malfeitos. Em frases sem confirmação na vida real – tais como “limpou o que tinha de limpar”, “tirou aqueles que tinha de tirar lá de dentro, que se aproveitaram das suas posições para enriquecer seus próprios bolsos” ou “a Petrobrás está de pé” –, suas mentiras são repetidas à exaustão por governistas e em lorotas fictícias da publicidade nos veículos de comunicação.

A confissão da queima de arquivos com a cumplicidade tácita do governo – que comanda a estatal em nosso nome –, dos partidos aliados, da mídia adesista e dos falsos ingênuos, que tentam justificar o furto generalizado com toscos autos de fé populistas, vem agora reforçar o mal-estar causado a nossos estômagos vazios pela desfaçatez. O repórter do Estado em Brasília Fábio Fabrini revelou à véspera do feriadão que, pedida por este jornal, tendo como base a Lei de Acesso à Informação, a entrega de gravações em áudio e vídeo das reuniões em que foi decidida a compra da “ruivinha” em Pasadena foi negada pela Petrobrás. A alegação para negá-la, repetida formalmente à CPI, foi a de que tais arquivos são “eliminados” após a formalização das atas das reuniões.

Até agora a empresa não trouxe a público nenhuma resolução interna nem ordem superior que possam justificar a providência. O que se sabe é que por causa dela a Nação ignora como Dilma agiu ao presidir o colegiado entre 2003 e 2010, quando foi ministra de Minas e Energia e, depois, chefe da Casa Civil dos governos Lula. Isso pode até ter sido providencial, mas certamente não era o mais prudente a ser feito.

As mentiras cabeludas, pois, que Dilma tem contado a pretexto de salvar a Petrobrás da “sanha demolidora” da oposição inerte, se estendem agora à sua atuação em parte relevante do petrolão. Só que nunca ninguém saberá até que ponto ela interferiu no escândalo.

Semelhante episódio histórico mundial foi protagonizado pelo ex-presidente dos EUA Richard Nixon, obrigado a renunciar (para evitar sofrer impeachment inevitável) por ter mentido à Nação. Ele garantiu, em pronunciamento público, que não teve conhecimento da invasão do escritório de campanha de seu adversário democrata, George McGovern, no edifício Watergate, em Washington. Como as reuniões no Salão Oval da Casa Branca são gravadas e nunca eliminadas depois, ficou provado que ele tinha tratado do assunto, sim, e isso o levou ao impasse: renunciar ou ser deposto. E olhe que seu apelido era Tricky Dicky, Ricardinho Trapaceiro.

Exemplo mais próximo de preservação da memória, salva de tentativas de reescrever a história ao estilo stalinista, foi a intervenção do então ministro do Trabalho do governo Costa e Silva, Jarbas Passarinho, que disse, como revela a gravação do encontro histórico, à disposição de qualquer um sem necessidade de ir a arquivo nenhum: “Às favas, senhor presidente, neste momento, todos os escrúpulos de consciência”. A frase foi modificada na ata, que atenuou a aspereza da expressão usada, “às favas”, por “ignoro”. No entanto, na memória coletiva não ficou o eufemismo. E a frase dita e gravada foi resumida para “às favas com os escrúpulos”, título de uma comédia de Juca de Oliveira, sucesso no teatro.

Talvez seja possível numa devassa nos computadores da Petrobrás resgatar imagens e sons e recuperar o que ocorreu nas reuniões e as atas não revelam. Se não for, ficará o travo amargo da trapaça de uma gente que se diz socialista e transparente, mas, enquanto revolve as vísceras da ditadura em Comissões de Verdade, queima arquivos para ocultar a história recente, que a incomoda.

Jornalista, poeta e escritor

(Publicado na Pag.A2 do Estado de S. Paulo de quarta-feira 6 de maio de 2015)

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