Agora nem confissão condena malfeitor
Acusação de ministro a colegas da bancada que representa
no primeiro escalão é uma confissão
Ao pretender livrar-se de um questionamento insistente sobre a faxina que andou fazendo em seu primeiro escalão, demitindo às pencas funcionários de dois ministérios, dos Transportes e da Agricultura, os ministros inclusive, a presidente Dilma Rousseff decretou para pôr fim à conversa: “Combater a corrupção não pode ser programa de governo”. Trata-se, ao mesmo tempo, de uma obviedade e de um truísmo. Seria, de fato, absurdo tornar a demissão de gatunos no governo um objetivo estratégico programado. Lutar contra a corrupção, contudo, é uma rotina que nunca deve ser abandonada por um bom gestor. A cada descoberta de qualquer malfeito, o malfeitor tem de ser punido com rigor, para impedir que a exceção se torne regra e o intolerável passe a ser inexorável. A prioridade, ela garantiu, será sempre “combater a miséria”. A menos que a miséria à qual se referiu seja a pobreza de quem ocupa cargos públicos para se locupletar, uma coisa nada tem que ver com a outra: a probidade administrativa não é inimiga da exclusão social. Ao contrário, quanto menor for a rapina do Tesouro, mais recursos públicos haverá para financiarem programas de inclusão social.
Sua Excelência só deveria ter feito tal afirmação se pudesse apoiá-la não na confiança ou na esperança, nem mesmo na convicção, mas na certeza de que os focos de furto de seu governo se limitassem às áreas que se pensa que ela saneou expulsando da Esplanada dos Ministérios Alfredo Nascimento, do PR, e Wagner Rossi, do PMDB, na companhia de vários asseclas. Tudo indica que não é bem assim. Seu ministro do Turismo, Pedro Novais (PMDB-MA), aquele que pagou uma conta de motel com dinheiro público em São Luís, encontrou uma boa justificativa para fazer vista grossa ao que se faz de errado nas proximidades de seu gabinete, ao reconhecer num de seus depoimentos no Congresso a probabilidade de haver irregularidades na gestão orçamentária de sua pasta sem que ele saiba. Acatou, com isso, o exemplo do macaquinho que não vê, não ouve nem fala e radicalizou a convicção do antecessor e padrinho da presidente, Lula da Silva, que nunca soube e, por isso, jamais puniu. A lei Novais é mais abrangente: nenhum subordinado cometeu delito algum se o chefe dele não tomou conhecimento.
Mas – como, infelizmente, tem ocorrido no Brasil nesta quadra – a sentença de Novais logo perdeu sentido quando assomou à cena o baiano Mário Negromonte, correligionário do paulista Paulipetro Maluf. Ele trava uma encarniçada luta pelo poder não nos corredores palacianos, como se deveria esperar num regime presidencialista que um dia já foi qualificado de monárquico, mas, sim, nos intestinos da bancada de seu partido governista, o PP. Acusado publicamente de ter criado uma versão pepista do episódio alcunhado de “mensalão”, ou seja, de propor cargos ou mesada de R$ 30 mil a colegas da bancada federal em troca do apoio deles a seu pleito de impedir que seus adversários internos lhe arranquem da mão a pasta conquistada, o ministro não se limitou à óbvia negação como defesa: partiu para o ataque em entrevista a O Globo na qual recorreu ao exemplo bíblico de Caim contra Abel, avisando que, “em briga de família, irmão mata irmão e morre todo mundo” e profetizando: “Isso vai virar sangue”. Pior ainda: acusou vários colegas de partido de não terem currículo ou carreira, mas “folha corrida”.
Ninguém protestou ou desmentiu o desabafo do ministro, que se esqueceu de uma premissa básica: ele não foi convocado para a pasta por seu notório saber sobre urbanismo nem pela eventual admiração de Dilma, tida como “gerentona” e assim vendida por Lula ao eleitorado, por sua capacidade de gestor. Nada disso. Negromonte é mais um dos frutos do pomar da governabilidade. Ele está no primeiro escalão do governo para que a chefe deste possa contar com seus colegas de partido nas votações de projetos que interessem ao governo federal no Congresso. Em nosso presidencialismo de coalizão, o ilustre baiano representa exatamente aqueles seus companheiros que ele acusa de serem fichados pela polícia. Não será, por isso, fora de propósito considerar a afirmação de Sua Excelência uma confissão. Ainda assim, contudo, a chefe não o demitiu. Nem sequer lhe puxou as orelhas.
Nos últimos dias especulou-se muito sobre a possibilidade de nas hostes do lulismo explícito reinar a desconfortável sensação de que a propalada faxina de Dilma, cujo ímpeto de limpeza despertou o apaixonado apoio do senador Pedro Simon (PMDB-RS) e de mais alguns gatos-pingados no Congresso, causaria danos à imagem do paraninfo da presidente. Algumas evidências explicavam a futrica: três dos quatro ministros demitidos este ano por suspeitas de corrupção, Antônio Palocci, da Casa Civil, além de Alfredo Nascimento e Wagner Rossi, forem herdados do padrinho pela afilhada. Aliás, o quarto, que não foi acusado de furto, mas de excesso de sinceridade, ou seja, escassez de hipocrisia, Nelson Jobim, da Defesa, também fazia parte do mesmo legado.
Fosse futrica ou verdade, certo é que o súbito abandono da vassoura surpreende. E aponta para um avanço nefasto. Muito se furtou em governos anteriores a Lula, inclusive nos que se apresentaram como faxineiros, Jânio Quadros, Fernando Collor e os generais do Almanaque. Mas “nunca antes na história deste país” nenhum chefe de governo se atribuiu com tanto entusiasmo o papel de “perdoador-geral da República” como o fez o ex-dirigente sindical. Se Negromonte não for demitido, ficará a impressão de que a gestão de Dilma tornará inócua a única atitude que tem levado delinquentes à condenação. Antigamente só os réus confessos eram condenados. Tendo Negromonte confessado de forma indireta ao acusar seus pares, agora nem mesmo a confissão levará alguém para trás das grades. É a impunidade plena, geral e irrestrita?
Bastidores Líderes© O Estado de S. Paulo, quarta-feira, 31 de agosto de 2011, p. A2
Para que trocar o ladrão descoberto pelo incerto?
Presidente perde autoridade sobre cargo e ganha voto sem garantia de fidelidade
A cobrança feita pela presidente Dilma Rousseff a seu ministro da Justiça, José Eduardo Martins Cardozo, por não ter sido avisada previamente da operação da Polícia Federal (PF) que levou a 35 prisões no Ministério do Turismo, a começar pelo número dois da pasta, foi imprópria, injusta e equivocada. É de admirar que Sua Excelência, que faz tanta praça de seu passado libertário, tenha ressuscitado uma prática administrativa comum na República Velha dos coronéis da Guarda Nacional, quando se media o poder de um chefe político por sua capacidade de nomear e demitir o chefe da polícia e o diretor do grupo escolar. O Brasil não é mais uma sociedade rural semiescravagista, mas uma República com um sistema institucional desenhado numa Constituição dita “cidadã” por seus redatores e um sistema financeiro que não fica a dever mesmo aos centros do contemporâneo capitalismo movido à velocidade de tempo real da cibernética.
No Estado Democrático de Direito, não é cabível chefe de governo se imiscuir em rotina policial, assunto do qual devem dar conta os aparelhos de força legítima que funcionam e são regulados por instrumentos de Estado – como é o caso da PF, que não se pode subordinar a interesses subalternos das alianças políticas. É pouco provável que tenha passado pela cabeça da maior autoridade da República a intenção de determinar qualquer tipo de obstrução à investigação policial de ilícitos de enorme gravidade, de vez que tratam da malversação de recursos públicos. Mas é lícito pedir vênia para registrar a inexistência de qualquer outra motivação para Sua Excelência reivindicar prévio conhecimento por ela de procedimentos da alçada dos agentes federais. Dilma queria o quê? Exigir todo o rigor dos investigadores das fraudes? Bem, ou isso seria absolutamente desnecessário – e até inócuo – ou, então, a superiora em hierarquia dos agentes da lei estaria manifestando, se não descrença, no mínimo, dúvidas quanto à capacidade que eles teriam de cumprir sua missão sem necessidade de estímulo ou repreensão da chefia. Ou a PF sabe que não pode condescender com delinquentes indicados pelo chefão de um partido grande da base aliada ou, então, estaríamos sob uma crise institucional de fato, em que responsáveis pelo cumprimento da lei não podem fazê-lo.
Tendo sido sufragada pela maioria do eleitorado para comandar a República e influir na vida de todos os brasileiros, Dilma deveria, em vez de exigir tomar conhecimento de detalhes rotineiros do trabalho dos cidadãos aos quais o Estado atribui tanto poder e responsabilidade, voltar sua inquietação para outra direção. A divulgação de seu descontentamento com o ministro da Justiça por ele não a haver informado a respeito da iminência de diligências pode até ter dado a outros subordinados dela que estejam dilapidando o patrimônio público posto sob sua guarda e responsabilidade o sinal de que, afinal de contas, apesar das frequentes dispensas de funcionários denunciados nos últimos dias, ela não está assim tão empenhada em exigir deles o irrestrito cumprimento da lei.
Para reanimar a autoestima da cidadania, ameaçada pelo frequente noticiário dos atos lesivos de servidores públicos que usam prerrogativas de seus cargos para empobrecer a Nação e ficar mais ricos, a presidente – que me perdoe a ousadia da sugestão – deveria fazer justamente o contrário do que fez. Como sigilo absoluto tem sempre de cercar operações policiais do gênero, já que quanto mais gente souber, maiores serão as chances de os suspeitos escaparem do alcance do braço da lei, ela deveria sufocar o lampejo de amor próprio ferido por não ter recebido a informação privilegiada e, ato contínuo, chamar a atenção do subordinado por ter sido informada da operação na mesma hora em que o caipira de Goiás ou o agente da Bolsa de São Paulo dela tiveram ciência.
De cobrança – e esta, sim, dura, implacável até – da presidente são merecedores colegas de ministério de Martins Cardozo que têm causado frequentes dissabores à chefe por serem lenientes com subalternos que passeiam por dispositivos do Código Penal com a mesma desenvoltura com que dispõem do Orçamento da União com liberalidade para se beneficiar. O pito no titular da pasta da Justiça pela quebra do princípio do privilégio que a autoridade deve ter em relação à iniciativa rotineira de uma autoridade policial que deveria ser pública, mas não governamental, destoou da imagem de justiceira que a presidente resolveu adotar desde que pôs em risco a paz nos arraiais governistas com as caneladas que deu nos parceiros do PR expelidos do feudo dos Transportes.
Os marqueteiros do Planalto devem ter tomado um baita susto quando souberam que a popularidade da presidente desabou oito pontos de março para cá, de acordo com a pesquisa que o Ibope fez para a Confederação Nacional da Indústria (CNI). Mas se eles esperavam que a reação pavloviana da número um da República a levaria aos píncaros da glória estatística do prestígio lulista, estavam contando com o ovo posto antes de ele ter sido concebido. A pré-racionalidade do povão, diagnosticada há tempos pelo jornalista Mauro Guimarães, não deve ser desprezada: o cidadão comum também sabe que a ocasião faz o novo ladrão quando o antigo é surpreendido e exonerado. É melhor demitir o corrupto, como ela fez, do que mantê-lo furtando no lugar. Mas isso não altera o fundamental: mantida a estrutura que permite o furto, o novo larápio nela será engendrado.
Governabilidade significa, ensinava Lula, dividir as lentilhas do poder com os donos dos votos no Congresso. Ao trocar cargo por voto, nesse loteamento, o presidente perde autoridade sobre o ocupante do cargo e não ganha garantia da fidelidade do dono do voto. Não é fácil decepar esse nó górdio, mas Dilma se depara com um dilema: ou rompe com isso ou passará o mandato inteiro demitindo suspeitos e pondo novos em seu lugar.
Bastidores Líderes© O Estado de S. Paulo, quarta-feira, 17 de agosto de 2011, p. A2
Para que oposição quer uma CPI?
PSDB e DEM não fizeram uma pergunta incômoda a Pagot, Nascimento e Rossi quando foram ao Congresso depor. De que, então, poderia servir uma CPI para apurar deslizes que teriam cometido?
A revista Veja denunciou a existência de um ninho de corrupção no Ministério dos Transportes, especialmente no Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT). Até então, a presidente Dilma Rousseff não tinha tomado providência nenhuma quanto ao gravíssimo acontecimento, embora se possa presumir que fosse mais informada sobre ele do que um veículo da “instituição” que os lulistas apelidaram de Partido da Imprensa Golpista (Pig, porco em inglês). Depois de muito mofarem da “opinião pública”, chamando-a de “opinião publicada”, os petistas viram ser exonerados, até o fechamento deste texto, 27 aliados e desmontado o feudo do Partido da República (PR), a começar pelo ministro, presidente da legenda e senador amazonense Alfredo Nascimento.
O diretor do DNIT, Luiz Antônio Pagot, foi ao Senado e à Câmara depor sobre as acusações que o derrubaram e não há notícia de que algum parlamentar lhe tenha feito uma questão constrangedora que fosse. Saiu de lá como entrou: ostentando sua incólume caradura. Antes do depoimento, tucanos e “democratas” contavam com a disposição de o exonerado atirar a esmo contra seus ex-superiores hierárquicos, por ter perdido a “boquinha”. Ledo engano! Como era de esperar, o humilhado bajulou o quanto pôde os donos do poder, não se sabe em troca de quê. Talvez por ter aprendido a verdade elementar de que mais vale um ostracismo confortável do que o trágico desfecho de se desgraçar com os poderosos. O episódio exibiu o despreparo da oposição para cumprir seu dever.
Figura mais abjeta fizeram os oposicionistas quando assomou à tribuna do Senado o ex-ministro escorraçado dos Transportes. Ninguém teve a lembrança de perguntar o que fazia entre honrados varões republicanos um réprobo demitido por suspeita de corrupção de um ministério. Nenhum tucano ou “democrata” questionou como pode ser honesto o filho do orador que em cinco anos teve o patrimônio aumentado em 86.500%. A oposição se recolheu à cômoda omissão de costume.
Só faltou o demitido ser aplaudido. Nem isso, contudo, faltou ao ministro da Agricultura, Wagner Rossi (PMDB-SP), acusado por Jucazinho, irmão do líder do governo no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR), de comandar um bando que saquearia a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). Nada ele teve de explicar e foi aclamado. Diante dos exemplos citados, só nos resta fazer duas perguntas. Para que cargas d’água PSDB e DEM querem instalar a CPI da corrupção nos Transportes? E o que Dilma Rousseff e seus aliados fizeram de tão bom para merecerem de Deus uma oposição tão incapaz e inócua?
Bastidores Líderes
© Jornal da Tarde, sexta-feira, 5 de agosto de 2011, p. 2A.
Travessuras bilionárias de Juquinha e Jucazinho
Dilma demitiu 28 por suspeita de corrupção. Quantos destes estão sendo processados?
Suas endiabradas traquinagens, muitas das quais impublicáveis, fizeram do travesso Juquinha o protagonista-mor de piadas de botequim. Mas o simples acréscimo do epíteto “da Valec” faz corar nosso assunto habitual de mesas de bar como se fosse um inocente coroinha carola. A Valec Engenharia, Construções e Ferrovias S. A. está longe de ser um chiste: no ano passado, a empresa foi aquinhoada no Orçamento da União com R$ 5,1 bilhões, menos de um terço dos mais de R$ 17 bilhões de que ora dispõe para construção ou concessão de obras ferroviárias. A joia mais cara da coroa é a Ferrovia Norte-Sul, que ligará a Amazônia ao Sudeste por trilhos, com mais de 3 mil quilômetros de extensão. Conforme a IstoÉ, o Ministério Público, baseado em perícia da Polícia Federal, acusou Juquinha e outros diretores da estatal e empreiteiros de terem desviado R$ 71 milhões num trecho de 105 quilômetros.
Jucazinho não tem um apelido tão popular como o de Juquinha, mas esse simpático substantivo próprio no diminutivo lhe garantiu sombra e água fresca ao longo dos governos federais recentes. Juquinha não mais usufrui as vantagens de pertencer à Corte e Jucazinho também caiu em desgraça: foi demitido da direção da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), acusado de ter autorizado – sem permissão e com verba que não poderia ser usada para o fim a que foi destinado – um pagamento para suposta empresa de fachada. Oscar Jucá Neto foi derrubado após denúncia de outra revista semanal, a Veja, sucumbindo, enfim, a pesado bombardeio com fogo concentrado em sua cadeira partindo de canhões poderosos da República. A começar do próprio chefe, o ministro da Agricultura, Wagner Rossi, aliado notório do chefão do PMDB nacional, o vice-presidente Michel Temer. Confirmando a lógica implacável do governo Dilma, rola pelo menos uma cabeça coroada depois de uma denúncia – a conta no Ministério dos Transportes chega a 27.
Guindado do anonimato pelo ex-ministro dos Transportes Anderson Adauto (PMDB), Juquinha tem origem política em Goiás e reclama que seu envolvimento no escândalo lhe frustrou o sonho de governar ou ser senador por seu Estado de origem. Não é uma gracinha?
Jucazinho, ao contrário, não tem carreira nem pretensões políticas. Irmão mais novo de Romero Jucá – pernambucano que fez fortuna em Roraima, elegendo-se para o Senado e se tornando figurão de administrações federais teoricamente adversárias, de Fernando Henrique e Lula da Silva –, sempre atuou sob a vasta e confortável sombra fraterna. Não teve de fazer como Juquinha, forçado a mudar de legenda para ficar no comando da locomotiva burocrática: do PMDB, pelo qual se elegeu deputado federal em Goiás em 1995, para o PSDB de Henrique Meirelles e para o PL, que virou PR, tornando-se correligionário de Alfredo Nascimento e de toda a cúpula do Ministério dos Transportes. Para manter a “boquinha”, Jucazinho só continuou sendo irmão do “Jucazão”.
Mas tantas Jucazinho fez que nem o extraordinário talento de prestidigitador do mano mais velho logrou evitar sua degola. Só que o moço tombou de metralhadora em punho e atirando nas páginas da mesma Veja que o desgraçou. À revista que o delatou ele denunciou a existência de um esquema de corrupção e desvio de recursos na Conab ainda maior que o do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit). À cabeça do esquema estaria, segundo garantiu, o próprio ministro Wagner Rossi, do PMDB do inimigo. Como sói ocorrer em denúncias do gênero, a verrina não foi acompanhada de uma provinha qualquer. Nada, nada, nada! Diante disso, o ministro veio a público e acusou o irmão do líder de querer transformar a própria queda em caso político, “apenas uma retaliação”.
É no que dá o Brasil estar entregue a um regime de governo híbrido tocado na base da “governabilidade”: isso implica o loteamento de cargos importantes da administração federal (até mesmo Ministérios) entre os grupos que controlam os partidos de apoio ao governo, que os coopta com cargos para votarem a favor das próprias pretensões. Juquinha e Jucazinho protagonizam a tragédia da corrupção tolerada. No primeiro caso, a Procuradoria da República, cuja função é zelar pelo bom uso do patrimônio público, valeu-se de laudo da Polícia Federal, subordinada ao Ministério da Justiça, para acusar o burocrata que comandou o destino de um enorme quinhão da poupança nacional de a estar dilapidando – acusação que ele tratou com desdém: “No Brasil é um remando pra frente e dez remando pra trás”.Ao se defender da delação do ex-subordinado, o ministro da Agricultura apelou para a lógica aristotélica elementar: se na Conab só “tem bandido”, conforme disse o irmão do líder do governo, por que ele ficou lá um ano e pouco e então só tinha elogios a fazer? Como escreveria Nelson Rodrigues, “batata!”
Restam, contudo, outras dúvidas a levantar sobre Juquinha, Jucazinho e todos os demitidos do Ministério dos Transportes. Que condições tem Alfredo Nascimento de reassumir sua cadeira no Senado se ele teve de abandonar a pasta acusado de participar de fraudes? Se Romero Jucá se “solidarizou” com Wagner Rossi contra a investida de Jucazinho, por que pediu ao ministro que mantivesse o maninho no cargo de assessor? Que punição administrativa mais rigorosa espera os demitidos por corrupção? Que ações moverá a presidente Dilma contra funcionários que traíram sua confiança?
O PR, dizem, está em pé de guerra contra Dilma, mas a guerra é congelada: não se ouviu um único disparo verbal. E o PMDB garante que toda essa confusão em torno da Conab não passa de tentativa para desalojar “Jucazão” da liderança do governo no Senado, pretendida pelo PT. Que coisa, hein?! E o cidadão, que, nesta democracia, só tem o direito de pagar e o dever de calar? Ora, o cidadão que se dane!
Bastidores Líderes
© O Estado de S. Paulo, quarta-feira, 3 de agosto de 2011, p. A2.
Quais são mesmo os porcos nesta história?
Até agora Dilma demitiu todos os subordinados sobre os quais imprensa lançou alguma suspeita
Antônio Palocci não era um burocrata qualquer quando a presidente Dilma Rousseff dispôs de seu emprego na alta cúpula do governo federal. Ele tinha sido o avalista do padrinho e ex-chefe dela Luiz Inácio Lula da Silva no crédito de confiança que a classe média deu à adesão do Partido dos Trabalhadores (PT) ao rigor fiscal e à estabilidade da moeda. Isso o credenciou a se tornar o todo-poderoso ministro da Fazenda do primeiro governo do patriarca. E foi com essa missão que também costurou o apoio da burguesia nacional à candidatura de Dilma à sucessão presidencial, reunindo cacife para coordenar a equipe de transição e ocupar a chefia da Casa Civil.
Tampouco o sanitarista de Ribeirão Preto era um “ficha-limpa” quando, empossada na Presidência, Dilma recorreu ao seu talento de articulador. Pois Sua Excelência já havia caído do alto, envolvido num escândalo – a frequência habitual de uma mansão suspeita – e numa violência contra a cidadania: a violação do sigilo bancário do caseiro Francenildo Santos Costa. A revelação pela Folha de S.Paulo da posse de um apartamento de R$ 6,6 milhões e da multiplicação por 20 do patrimônio acumulado como “consultor” enquanto ocupava uma modesta e quase anônima carreira na Câmara dos Deputados indicava uma óbvia reincidência. E pela segunda vez o condestável desabou do topo.
Na chefia da Casa Civil, para a qual nomeou Palocci, Dilma havia substituído José Dirceu, acusado de chefiar uma quadrilha em processo que tramita nos escaninhos do Supremo Tribunal Federal (STF). No posto conviveu – segundo consta, às turras – com o então ministro dos Transportes, Alfredo Nascimento, senhor do castelo do Partido da República (PR), da base de apoio parlamentar do governo. Em nome da “governabilidade”, ela lhe devolveu o posto e foi levada a dele afastá-lo depois de o referido ter protagonizado caso de corrupção denunciado pela revista Veja. E nas páginas desse semanário o diretor-geral do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), José Luiz Pagot, mereceu idêntico tratamento. Antes de ser demitido, como chegou a ser anunciado, contudo, Pagot tirou férias, das quais se afastou para elogiar no Congresso o zelo da comandante e o comportamento de seu futuro chefe, na esperança de ter a boquinha de volta.
Voltará? É aí que está o busílis. Dilma jura que não. Mas Paulo Sérgio Passos garante que nada há que pese contra o retorno do antigo companheiro de cúpula no Ministério dos Transportes. O benefício da dúvida pode favorecer Dilma quanto à atuação de todos esses senhores ao longo do mandato de Lula, em que chefiou a Casa Civil com fama de “gerentona” dura e de trato pessoal pouco delicado. Dela, porém, não se noticiou nenhuma reação pública contra a conduta dos dois ministros, o que saiu e o que o substituiu. Se se furtou no Ministério dos Transportes, é de imaginar que ela confiasse que Alfredo não sabia e Paulo, muito menos. Se ela soubesse, como justificar que os nomeasse para o primeiro escalão do governo ao qual foi içada pela maioria dos eleitores?
A guilhotina continuou – e, ao que parece, continuará – funcionando no prédio que os aliados do PR ocupam na Esplanada dos Ministérios. Rolou a cabeça de José Henrique Sadok de Sá, que ostentava duas coroas: de diretor executivo e diretor-geral interino nas “férias” de Pagot. Sá foi denunciado por favorecimento a uma empresa da mulher pelos repórteres deste Estado. No rastro sangrento dessa execução, já foram previamente anunciadas as demissões do petista Hideraldo Caron, também do Dnit, e de Felipe Sanches, presidente interino da empresa estatal suspeita de figurar no lamaçal, a Valec – Engenharia, Construções e Engenharia S. A.
No ostensivo loteamento político realizado pelo governo federal, Palocci e Nascimento, os expoentes dos denunciados que caíram em desgraça sob Dilma, têm em comum a proteção do paraninfo dela, seu antecessor Lula. Este chegou a se deslocar, sem ser chamado, de seu retiro em São Bernardo do Campo para o Planalto Central para tentar resgatar o então chefe da Casa Civil. Em vão! O malogro no intento não o impediu, contudo, de deitar falação contra o que ele e os soldados dos blogs financiados de alguma forma pelo governo e pelo PT chamam de “Partido da Imprensa Golpista” (PIG, em inglês porco). Na troca de presidentes da União Nacional dos Estudantes (UNE) em congresso bancado por empresas públicas, o ex disse que os grandes jornais de São Paulo nem chegam ao ABC e que a população sabe que não precisa mais de “intermediários” para ter acesso à informação.
Por causa da enxúndia de notícias disponíveis, talvez ele tenha alguma razão. O afastamento de alguns de seus amiguinhos mais chegados da cúpula federal, contudo, demonstrou que sua sucessora tem precisado – e muito – dos meios de comunicação para saber o que alguns de seus subordinados fazem “debaixo dos panos”, lembrando aquele sucesso junino de Antônio Barros e Cecéu. A exemplo das cobaias de Pavlov que salivavam ao toque de sinetas, a presidente tem demitido regularmente todos os auxiliares cujas atividades heterodoxas têm sido reveladas por órgãos de comunicação. Até agora nenhum denunciado escapou da degola. E até agora ninguém foi degolado antes de vir a ser denunciado no noticiário.
Noves fora a mágoa de Lula por estar perdendo poder no governo da protegida, o que ele omitiu na meia-verdade aplaudida por um público cuja simpatia foi patrocinada revela uma trágica e perigosa distorção da democracia brasileira atual: o Poder Executivo não dispõe de informações para sanear a máquina pública. Ou, se dispõe, não tem como, ou não quer, fazer a faxina que tais informações preceituam. Dilma age sob pressão da opinião pública, que, à falta de uma oposição de respeito, só conta mesmo é com a liberdade de informação e opinião como aliada.
Bastidores Líderes
© O Estado de S. Paulo, quarta-feira, 20 de julho de 2011, p. A2.
Gritar sem demitir só humilha, não resolve
Crise nos Transportes reflete falhas graves de nosso presidencialismo de ocasião e coalizão
Nossa Constituição foi preparada para atender à tendência parlamentarista de seus autores. Mas na última hora, por obra e graça de um espírito pelintra baixado do Planalto na gestão Sarney, tornou-se presidencialista a muque, instituindo um sistema de governo de coalizão que atormenta os chefes do Poder Executivo e trai a vontade do cidadão.
Eleito duas vezes seguidas logo no primeiro turno, montado no alazão do Plano Real, que promoveu a maior revolução social da História do Brasil, o tucano Fernando Henrique Cardoso – é verdade – compôs um complicado bloco de apoio que não sabotou em nenhum instante sua autoridade de chefe de governo. Mas também é fato que, ao longo de seu segundo mandato, o desgaste a que foi submetido o tornou alvo favorito dos adversários oposicionistas e companhia incômoda dos aliados. Malandro, manhoso e esperto, o petista Luiz Inácio Lula da Silva entrou para a galeria dos grandes conciliadores de nossa História rompendo com a intransigência de origem de seus partidários para acolher à sombra do poder a rafameia da politicalha nacional, que tanto execrava antes. Tudo em nome da governabilidade.
Até hoje não parecem suficientemente claras as intenções do ex-presidente ao indicar Dilma Rousseff para o posto-chave da chefia da Casa Civil e, em seguida, fazê-la sucessora. Sejam quais tenham sido, é certo que não foi pelas semelhanças entre seus estilos. Lula, negociador habilidoso, treinado na luta sindical, e Dilma, ex-guerrilheira e burocrata com fama de “gerentona” implacável, têm abordagens opostas em relação aos políticos. O ex sempre proclamou seu desapreço, beirando a náusea, por ademanes e maracutaias (o termo é de sua preferência) da política clássica, com suas chalaças, negaças e traições, mas praticou-os como poucos o fizeram “antes na História deste país”. A atual atribuiu-se, além do estilo “faz sem falar” que adotou desde a candidatura, interesse pela articulação política, mas a prática tem revelado os limites de suas habilidades para essa arte, que exige de quem a pratica estômago de avestruz e paciência de monge. Sem vocação para irmã Dulce, ela atravessou o primeiro semestre de sua gestão entre tapas dirigidos a aliados recalcitrantes e beijos destinados a antigos desafetos de sua grei e demônios de suas crenças.
O primeiro exemplo de seu esforço para assoprar foi a carta elogiosa ao ex-presidente Fernando Henrique por ocasião de seu 80.º aniversário, espécie de senha para os salamaleques subsequentes de correligionários, como o presidente da Câmara, Marcos Maia, e subordinados, como o ministro da Defesa, Nelson Jobim. O empenho de morder revelou-se em permanentes crises com a base aliada do governo no Congresso, que desaguaram na aprovação de um Código Florestal infiel aos cânones oficiais, e no boxe sem luvas da ocupação dos cargos na máquina pública pelos aliados, que desperta os apetites mais vorazes e vulgares destes. O presidencialismo de ocasião e coalizão propicia a prática da fritura depois do banho-maria, que faria o florentino Maquiavel corar.
Nunca Lula apunhalou sem antes anestesiar a vítima com muita saliva. Dilma revela preferência pelo tranco como método de persuasão. Por isso alguns analistas interpretaram a citação da metamorfose dos idiotas apud Nelson Rodrigues, no discurso do xará Jobim do “anjo pornográfico” no primeiro escalão, como uma diatribe dirigida a colegas de Esplanada, com direito a queixa sibilina ao estilo de terraplenagem imposto à relação com subordinados pela chefe, insinuada nos elogios à delicadeza do ex-chefe.
Não parecia ainda ter sido absorvida a cusparada do ministro da Defesa quando nova crise surgiu com notícias de reclamações intramuros de Dilma contra seu ministro dos Transportes, Alfredo Nascimento, presidente nacional do PR, um partidinho aliado. O mal-estar foi revelado pela Veja que circula esta semana, dando conta da insatisfação de Dilma com a maneira heterodoxa como o subordinado disporia de verbas orçamentárias destinadas à maior parcela de obras incluídas no Programa de Aceleração de Crescimento (PAC). Segundo a revista, haveria na pasta um esquema de cobrança de propinas de 4% de empreiteiras e de 5% de empresas de consultoria <NO1><NO>relacionadas com obras em rodovias e ferrovias. Chegou a ser anunciado que os quatro principais burocratas envolvidos no escândalo tinham sido demitidos, mas isso não foi confirmado: um tirou férias e de outro não se sabe bem. Um vexame!
Vexame maior foi que a cabeça do presidente da sigla aliada foi mantida sobre o pescoço, com o bônus do apoio público da própria Dilma, que se limitou a determinar que Alfredo Nascimento apure as denúncias com rigor, seguindo a praxe lulista de dar ao réu poderes de juiz sobre si mesmo. Se fosse técnico de futebol, poder-se-ia dizer que ele foi “prestigiado”, mesmo após ter seu time levado quatro gols no jogo. O episódio demonstra claramente as limitações da chefia do governo no regime de coalizão vigente no Brasil. Se Lula lambia o local da ferida antes de apunhalar, Dilma grita, mas nem sempre demite. Ou seja, a dependência dos votos das bancadas situacionistas nos embates do Congresso mantém a presidente refém dos interesses subalternos dos aliados.
Isso é trágico para o Estado Democrático de Direito, pois Dilma foi eleita pela maioria do eleitorado para exercer plenamente o Poder Executivo e isso não ocorre pelas dificuldades da chamada governabilidade. Pode-se argumentar que, tendo herdado essa situação de dois governantes habilidosos, sem contar com idêntica prática em manhas e mumunhas, o máximo que ela pode fazer é tentar forçar um pedido de demissão pela técnica mal-educada da humilhação testemunhada. Se a prática prospera, o espírito republicano tenderá a definhar até morrer, se é que ainda não morreu. Ou Dilma reage e resolve, ou poderá naufragar e levar junto a estabilidade.
Bastidores Líderes
© O Estado de S. Paulo, quarta-feira, 6 de julho de 2011, p. A2.