Site oficial do escritor e jornalista José Nêumanne Pinto

Política 2008/2007

E não vale a lei para os compadres do rei?

E não vale a lei para os compadres do rei?

O falso dossiê antitucano e os dólares na cueca não foram punidos

Este jornal noticiou anteontem em manchete que a Polícia Federal concentrará o inquérito da Operação Xeque-Mate no petista Dario Morelli, compadre do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e tido como sócio de Nilton Cezar Servo, apontado como chefe da máfia desbaratada, que explorava caça-níqueis. A sentença enunciada nesta abertura de texto contém um teor explosivo que os cuidados nela exigidos e exibidos podem não bastar. De um lado, um chefe de governo, que deve ser ilibado por definição. Do outro, um suspeito de pertencer ao crime organizado. E, no meio dos dois, o compadre, o sócio.
Convém, pois, esclarecer logo que o compadrio é uma prática antiga na política nacional. Próceres batizam filhos de seus eleitores com prodigalidade demais e, normalmente, atenção de menos. Quando Leonel Brizola pretendeu lançar-se candidato à sucessão do irmão de Neuza, sua mulher, João Goulart, tratou de preceder a campanha de um slogan, que se tornaria célebre e paradigmático: “Cunhado não é parente.” Da mesma forma, hoje da relação entre Lula e Dario é justo estabelecer que “compadre não é parente”. Mas irmão é. E parente de primeiro grau. Ainda assim, não se pode inculpar Sua Excelência por nenhum dos ilícitos dos quais é acusado seu mano mais velho, Genival Inácio da Silva, o Vavá. Até Jimmy Carter teve seu irmão-problema, sem falar em nosso José Sarney, uma espécie de compadre virtual de Lula, sempre às voltas com o Vavá dele, de nome Murilo. Só que sempre fica um travinho na goela por conta da proximidade, da intimidade. Isso mesmo esquecendo logo de saída a deixa ancestral de Júlio César, que, para se livrar da bela Pompéia Sula, suspeita de receber atenções masculinas indevidas, condenou a própria cônjuge pelo fato de apenas parecer, mesmo não sendo provado que ela retribuísse tais atenções. Ao contrário dos tempos prévios àqueles famosos idos de março, esta nossa era e esta República são outras: nelas, às mulheres, aos compadres, parentes e amigos do peito não apenas se concede o direito de parecer, como o de se valer de qualquer negativa, por menos documentada que seja, como prova decisiva de sua inocência e da má-fé do acusador, seja quem for.
O que difama esta República não é tanto o irmão pródigo do chefe de Estado tolerante e tolerado, mas, sim, o Estado permissivo e negligente que este comanda e o sistema de leis e normas que existem só para inglês ver (sem entender, diga-se). O Estado aprecia o espetáculo e dissemina a falsa idéia de que para punir um suspeito de ter cometido algum delito basta expô-lo à execração geral. Tolice: José Genoino ouviu imprecações do eleitorado quando foi votar, mas nem por isso deixou de ser eleito deputado federal, após ter assinado documentos para lá de heterodoxos na condição de presidente de um partido que infringiu de diversas formas a lei, que dizem ser o império de uma democracia que se preze. O conceito republicano da “mulher de César” não se aplicou ao nobre parlamentar nem atingiu seu irmão (ele também tem um irmão-problema) José Nobre Guimarães, cujo ex-assessor José Adalberto Vieira da Silva foi preso no aeroporto com US$ 100 mil na cueca.
Aos protagonistas do caso em questão não se aplicou o tal conceito milenar, mas uma lei bem mais recente, cunhada pelos hábitos da República Velha e do mandonismo de Artur Bernardes: “Para os amigos, tudo; para os inimigos, o rigor da lei.” Outros dois petistas foram beneficiados pelo mesmo expediente: Gedimar Passos e Valdebran Padilha foram flagrados com a chamada boca na botija, ou melhor a mão na massa: a PF, sempre a PF, pilhou-os com R$ 1,75 milhão num hotel perto do aeroporto e um dossiê encomendado a falsários para prejudicar o candidato do PSDB ao governo de São Paulo, José Serra, anulando seu favoritismo. Na condição de sabe-se lá o que de sabe-se lá quem ligado a alguma instância próxima ao rei (que só é paralisado, como até Ciro Gomes sabe e parece que a PF também, pelo xeque-mate), não foi lavrado o flagrante desses dois senhores, que, submetidos à prisão temporária, foram soltos no quinto, como manda a lei (que juiz nenhum se negará a aplicar) para este caso específico. Eles foram chamados de “aloprados” por Sua Majestade, mas até agora nada têm a pagar na Justiça.
Exemplos como estes são empilhados nos arquivos dos jornais e não há espaço aqui para esgotá-los. O ex-ministro Saulo Ramos teve a pachorra de fazer as contas e, em seu livro Código da Vida, conta que a PF já processou, indiciou e prendeu 6 mil brasileiros pela polícia espetacular dos governos Lula. Mas ninguém foi condenado. Não dá, porém, para deixar de lado o companheiro Antônio Palocci, visto pelo caseiro Francenildo Santos Costa freqüentando uma mansão suspeita, onde lenocínio e corrupção pareciam gêmeos siameses. Como Genoino, Palocci elegeu-se com facilidade deputado federal, goza de imunidade parlamentar e foro privilegiado, enquanto a testemunha infeliz perdeu emprego, mulher e paz. Nenhum dos delinqüentes que quebraram seu sigilo bancário e tornaram pública sua condição de bastardo foi punido pela lei dos homens. Todos gozam a anistia ampla, geral e irrestrita da impunidade dos todo-poderosos.
Pode ser que a desproporção absurda entre os capturados pela polícia e os apenados pela Justiça se deva a excessos dos que prendem e algemam. E o ministro da Justiça, Tarso Genro, houve por bem anunciar um projeto para acabar com abusos e violências contra a cidadania como algemas, camburões e escutas telefônicas indiscriminadas. Na certa, também, a lerdeza e a permissividade do Judiciário contribuem para a conta. O certo é que a soma de tais fatores torna esta a Pátria da impunidade, em particular para parentes, compadres e amigos do rei.
© O Estado de S. Paulo, quarta-feira, 13 de junho de 2007, p. A2

Assim parece se for

Júlio César era um estrategista genial e um grande escritor, mas, como político, nem se comparava com seu sobrinho Otávio, que poria fim à velha República romana, tornando-se imperador e adotando como título o sobrenome do tio que o antecedera. Se fosse melhor político, não se teria deixado engolfar pela conspiração que o abateria aos pés da estátua do ilustre patrício que derrotara, Pompeu. De qualquer maneira, o conquistador da Gália deu pelo menos um golpe bem-sucedido em matéria de política doméstica. Queria se livrar da mulher Pompéia e se aproveitou dos mexericos de que ela recebia amigos do sexo masculino em casa enquanto ele comandava legiões em territórios inóspitos e longínquos. Dispensou a necessidade de apresentar provas e, como aquele coronel citado na comédia de Juca de Oliveira, mandou o in dúbio pro reo (na dúvida, a favor do réu) às favas junto com os escrúpulos. Decretou: “à mulher de César não basta ser honesta, tem de parecer honesta”. A sentença genial ganhou foros institucionais e as democracias decentes a usam para determinar os limites dentro dos quais os gestores republicanos devem agir. Mas na república populista brasileira, toda minúscula mesmo, a regra foi invertida: o rei, a mulher do rei, os irmãos do rei e até os compadres do rei não precisam ser nem parecer. Só têm de negar.
E já que falamos de Roma, continuemos lá, lembrando a frase famosa que Pompeu, o mesmo que César destruiu, usou para concitar seus soldados a subirem nas naus indefesas que precisavam cruzar o Mediterrâneo infestado de piratas para buscar trigo em Cartago, na África, e acabar com a fome em território latino. Num arroubo de retórica, o comandante decretou: “navegar é preciso, viver não é preciso”. Os alunos do infante Dom Henrique na escola de navegação de Sagres a adotaram como lema. Fernando Pessoa citou o lema como epígrafe de Mensagem, o único livro que publicou em vida. Caetano Veloso se apropriou dele num fado. E terminou virando seu autor, para muita gente. De nada adianta, pois hoje na república populista do PT, não é preciso navegar nem viver, basta negar. Negar ainda que seja batom na cueca, como diziam os cafajestes de antanho para salvar casamentos combalidos por noitadas de uísque, sexo e samba-canção. Ou melhor, na nova linguagem republicana nacional, pode-se até negar dólares na cueca. Pois negados são sempre perdoados.
Apesar de dita “velha” a primeira república brasileira é bem mais nova que a romana, certo? Pois. Fiel à truculência disfarçada da manha mineira, ela adotou como lema a estratégia de Artur Bernardes, que consagrou a lei definitiva do coronelismo tupiniquim: “para os amigos, tudo; para os inimigos, o rigor da lei”. Desmoralizada a lei, os neocoronéis do petismo no pudê, com o apoio da malta tucana e “democrata” (com aspas mesmo), modernizaram o dístico, mantendo-o em essência, mas acrescentando um necessário toque de fervor religioso: “e para os militantes da causa operária, indulgências plenas”.
Ainda no Império, os malandros da Lapa já diziam “antes tarde do que nunca” para justificar atrasos e procrastinações, vícios longevos de nossa identidade sociológica e cultural. Já os inconfidentes mineiros clamavam por “liberdade, ainda que tarde”. A retórica lulista juntou o lema libertário com a moral da navalha e da pernada criando o lema definitivo: “nunca antes, ainda que tarde”. Neste nosso Brasil de hoje em dia, vale o teorema de Lavoisier revisto pelo palhaço Chacrinha, o Velho Guerreiro tropicalista do tempo da televisão à lenha, mas também adaptado às novas condições: “nada se cria, tudo se copia, para não ter de pagar direito nem autoral”. E por aí vamos, pois, como dizia o Canhotinha: “quem não gosta de levar vantagem em tudo”, né não? Como diriam o mano Vavá e o compadre Dario (ou seria o Roberto?), assim é se lhe parece. Ou melhor, assim parece se for.

 

© Revista Five, junho-2007


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O Papa e o povo: Um encontro profético

O brasileiro tem fome de fé e quer que o Bem sempre vença o Mal

Nesta sua primeira visita ao Brasil, o papa Bento XVI deixou um perfume não completamente surpreendente, mas algo inesperado, de calor e simpatia. Mesmo sem o carisma de seu antecessor, o comunicativo polonês João Paulo II, o teólogo conservador alemão deu um show de empatia com o caloroso povo brasileiro, cativando até os não-católicos que acompanharam suas prédicas contra traficantes, corruptos e os males do hedonismo em nossa violenta sociedade consumista de massas.
Talvez seja precipitado atribuir tal êxito à natureza de seu discurso contra o aborto, os preservativos e o divórcio. Por mais católica e conservadora que seja grande parte do povo brasileiro, dificilmente todos os milhões de devotos que o aplaudiram e se emocionaram com ele coconcordam com suas idéias de devolver à Igreja Romana velhos cânones abandonados depois do Concílio Vaticano II, realizado sob a égide de João XXIII. Certo é que Sua Santidade patrocinou um grande feito de relações públicas ao canonizar Frei Galvão, o primeiro santo nascido no país de população mais católica do planeta. Mas, apesar do notório apelo popular do religioso canonizado, também não seria o caso de considerá-lo o único responsável pela mobilização popular, sob chuva e sob sol, durante todos os encontros do pastor com seu rebanho brasileiro.
Também não foi inteiramente surpreendente, mas inesperada, a insensibilidade do governo brasileiro em relação a este ponto especifico. Notório comunicador, capaz de entender, ouvir e falar com seu povo como nenhum político o fizera antes na História, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva perdeu uma excelente chance de surfar na onda da canonização de Frei Galvão. E preferiu reprisar, em seus pronunciamentos ou nas conversas com o ilustre visitante, seus temas favoritos: a solidariedade aos excluídos da África e da América Latina e os programas assistencialistas que promove, com o carro do Fome Zero à frente dos bois. Por mais que essa retórica se aproxime da caridade cristã e da linha política da Igreja da Teologia da Libertação, pós-Medellín, tais temas não são obviamente os favoritos do visitante nem das multidões que o ouviram e seguiram por onde passou.
Sua Excelência foi também extremamente infeliz quando resolveu teorizar de improviso, ao comentar, com o Sumo Pontífice ainda em território nacional, que o Estado deve ser leigo e a Igreja, social. Desde a Revolução Francesa e, em nosso caso específico, após a questão religiosa no Segundo Império no Brasil, não mais se aceita, como se exigia antes, a espúria submissão do Estado à tutela religiosa. Nisso Lula está coberto de razão e ninguém lha pode negar, nem mesmo o visitante, que, aliás, deu instruções claríssimas aos subordinados para que se afastem da luta partidária. Mas esta lhe falta quando ele prega a politização do apostolado, ignorando a célebre prédica evngélica do próprio Cristo, ao determinar aos discípulos que dêem a César o que é de César e a Deus o que é de Deus. Ao reivindicar a laicização do Estado, ele exigiu do visitante e seus subordinados que não interfiram nos negócios públicos. Isso é aceitável, embora inoportuno. Mas, ao cobrar a adesão dos evangelizadores ao “social” – e particularmente ao que ele e seus seguidores consideram “social” –, foi, mais que descortês, intrometido, pois se atribuiu o poder de árbitro temporal de temas teológicos.
Tanto ao não compreender o entusiasmo popular pela canonização do patrício quanto ao produzir essa patacoada teológica, o presidente da Republica mostrou-se fora de sintonia com a vontade da população brasileira, católica ou não. Esta manifestou nas ruas, mais que adesão aos apelos fundamentalistas de seu máximo pastor ou ao oportunismo ideológico do governante em busca de base evangélica para os próprios propósitos políticos, que rejeita maciçamente o hedonismo sem freios reinante na sociedade globalizada contemporânea e o particular destino manifesto atribuído a nosso caráter nacional de buscar levar vantagem em tudo como norma de vida. As multidões que se comoveram com o papa e o comoveram mostraram ter uma imensa fome de fé e uma grande demanda de bondade: só querem que, no final das contas, o Bem vença o Mal.
O espetacular sucesso popular obtido por Sua Santidade em território nacional pode até não garantir à Igreja que ele comanda sucesso no desafio que, segundo os jornais do mundo inteiro, ela buscou superar na visita pastoral. Somente o tempo dirá se essa passagem reduzirá o implacável avanço pentecostal sobre as hostes católicas nos últimos tempos entre nós, calculado pelos especialistas em um ponto porcentual por ano. Essa evasão de fiéis da tradição herdada de nossos ancestrais se deve muito mais a questões de cidadania do que propriamente à fé e a convicções religiosas. Os pregadores das confissões ditas evangélicas têm conseguido êxito, principalmente, porque sua vasta clientela se tem sentido há muito tempo excluída dos ofícios católicos, mas não no sentido dado à palavra pelos bispos da Teologia da Libertação ou pelos prosélitos petistas. A distância imperial mantida pelos curas em relação ao chamado povo de Deus chegou a tal grau que este passou a se sentir expulso da comunidade católica.
O teólogo conservador Joseph Ratzinger combateu, desde sempre, os enganos da politização que os seguidores de Medellín incorporaram aos sermões das missas de domingo. Mas também repetiu aqui o engano inverso de imaginar que a porta de saída só dá para o claustro ou a sacristia. No Brasil, o papa Bento XVI foi profético ao atrair suas ovelhas para um santo familiar e ao prometer saciar-lhes a fome de fé. Resta-lhe agora ouvir corretamente o que os aplausos e as lágrimas das massas também tinham a lhe profetizar.

 

© O Estado de S. Paulo, sexta-feira, 18 de maio de 2007, p. A2


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É tudo em nome da tal da “democracia popular”

O governo se acha o dono do poder e quer calar as vozes que discordam dele

Desde que o Partido dos Trabalhadores ocupou, de maneira nada sutil, aliás, a máquina pública federal, têm sido feitas, de forma preocupante, tentativas de controle de uma velha e fundamental conquista do Estado democrático de Direito: o direito à informação livre e à opinião plural. Depois dos abortos do Conselho Federal de Jornalismo (CFJ) e da Agência Nacional de Cinema e Audiovisual (Ancinav), ainda na primeira gestão, e anabolizados pela reeleição consagradora do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o segundo mandato foi inaugurado com o anúncio da implantação de uma rede pública de rádio e televisão e a idéia do controle da “mídia” em períodos eleitorais. A missão de criar alternativas à chamada “imprensa burguesa” foi dada inicialmente à chefe da Casa Civil, Dilma Roussef, com o efeito colateral de esvaziar a gestão de Eugênio Bucci na Radiobrás, realmente comprometido com a natureza “pública” das emissoras oficiais. Depois, essa idéia foi substituída pelo anúncio de investimentos milionários numa rede sobreposta às já existentes da citada Radiobrás e das emissoras educativas, culminando com a posse do jornalista Franklin Martins no ministério que comandará a operação.
As declarações que Sua Excelência deu aos jornais e ao programa Roda Viva na TV Cultura semana passada são coerentes com seu passado de militante da chamada Dissidência Comunista da Guanabara, que teve a ousadia de planejar, realizar e glamurizar com manifestos políticos divulgados nos jornais o seqüestro do embaixador dos EUA no Brasil à época, Charles Elbrick. Filho de um político da esquerda tradicional, o senador fluminense Mário Martins, o ministro se tornou conhecido no período depois da queda da ditadura militar, que combateu, como um executivo que fez carreira nas Organizações Globo, no jornal e depois nas emissoras de TV aberta e a cabo, que não podem ser definidas como “socialistas”. Demitido após se terem tornado públicas relações trabalhistas entre parentes próximos e a máquina pública federal, abrigou-se por pouco tempo na concorrente Rede Bandeirantes, apoiando discretamente, tanto quanto possível, a linha dos petistas no comando da União. Ainda assim, surpreendeu ao aceitar o posto oferecido pelo presidente, pois assim demonstrou não ter intenção nenhuma de desmentir quem denunciou ser ele cúmplice nos comentários que fazia nos telejornais do governo ao qual passou a servir em função de destaque.
Deixando de lado essas considerações e o espanto com que foi recebida sua declaração de que teria tomado conhecimento antecipado de condenação judicial de um denunciante e desafeto, importa entender nas entrelinhas do que ele disse a lógica da missão que lhe foi confiada pelo presidente. Aos entrevistadores do Roda Viva, por exemplo, disse ter sido um combatente da democracia. Na verdade, ele lutou contra a ditadura de direita, mas para substituí-la por outra de esquerda e, ao se permitir tal falácia, não é original: muitos já o fizeram e está aí José Dirceu que, neste capítulo de pretenso herói na luta pelas liberdades, salve, salve, não deixa ninguém mentir em vão.
Não há aqui, contudo, interesse em detratá-lo, mas em compreender sua lógica. O ex-seqüestrador não é um inimigo da democracia, latu sensu. É, sim, um devoto da democracia dita popular, teorizada por Lenin, Rosa Luxemburgo e outros comunistas de primeira hora e levada a extremos por tiranos sanguinários como os mortos Stalin, Mao e Ceaucescu e os ainda vivos, como Fidel Castro. Para esses marxistas-leninistas, a democracia burguesa não passa de uma farsa das elites capitalistas para dar aparências amenas à exploração do proletariado. Portanto, quando Franklin se diz um democrata, ele não está falsificando a verdade, mas usando um sentido que nega a essência da palavra, que vem do grego e significa governo do povo, mas mantém a ilusão publicitária, tão cara à propaganda missionária e à feira de ilusões da política de massas. Desmamado e criado nos dogmas marxistas, o ministro não é um cínico falsificador, mas um ortodoxo pregador. A “democracia burguesa”, para os de sua grei é que seria uma farsa. E como tal ele e seus companheiros não têm nenhum pudor de usar seus métodos para alcançar o topo do poder e de lá construir as “condições objetivas” para o verdadeiro assalto ao Palácio de Inverno, mesmo sem neve nestes trópicos. A discordância fundamental entre ele e o colega Eugênio Bucci em torno do real sentido da palavra “pública” vem da mesma cartilha: para os devotos de Lenin, o partido é a vanguarda do operariado e, portanto, fica acima dos interesses e das idiossincrasias das classes sociais que historicametne o oprimem. “É a volta do cipó de aroeira no lombo de quem mandou dar”, como cantava o “companheiro” Vandré.
A sugestão do presidente nacional do PT, Ricardo Berzoini (SP), é de natureza bastante diferente. Militante oriundo do sindicato, este propõe que a “mídia” seja controlada em períodos eleitorais, não por convicções socialistas, mas por pragmatismo puro. Se os meios de comunicação não tivessem noticiado o envolvimento de seus subordinados na cúpula do PT federal no pagamento aos falsários que engendraram um dossiê contra os adversários tucanos, ele teria poupado alguns dissabores e arranhões em sua biografia. Que, aliás, não o impediram de se reeleger deputado federal e presidente nacional da sigla.
Mas não importa a diferença entre o elevado senso de missão de um e a familiaridade do outro com gente que falsifica dossiês. O que se busca em ambos estes surtos de autoritarismo é calar as vozes dissidentes e garantir o exercício do poder por um grupo de políticos que se consideram monopolistas da vontade do povo: enterrar a “democracia burguesa” em nome da “democracia popular”.

 

 

© O Estado de S. Paulo, quarta-feira, 02 de maio de 2007, p. A2


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PF incompetente

Quem quiser ver como funciona o governo Lula de verdade está convidado a comparecer às ruas próximas do prédio da Superintendência da Polícia Federal (PF) na Lapa, em São Paulo. Ali se formam diariamente filas quilométricas de pretendentes a um documento sem o qual nenhum cidadão brasileiro pode deixar o País: o passaporte. Sem dar a mínima para as exigências da demanda, aquela repartição burocrática decidiu autocraticamente que só atenderá a 300 pessoas diariamente para requerer ou receber o disputado papel. A exemplo do que ocorre nos postos de atendimento da Previdência Social, só consegue ser atendido quem chega muito cedo, pois são distribuídas as senhas apenas para o número determinado e não é raro alguém ir mais de uma vez até conseguir ser admitido no interior da repartição.
A PF tem protagonizado megaoperações resultantes de investigações em torno de crimes de colarinho branco, que não envolvem muito risco pessoal de seus agentes e dão excelente retorno publicitário. Muito menos risco de vida, contudo, correm seus funcionários encarregados dessa função burocrática e não conseguem cumpri-la de forma eficiente. Assim o governo Lula se move: pão e circo para o povo e estresse para os cidadãos fora do alcance da Bolsa Família, obrigados a enfrentar a brutalidade, a morosidade e a ineficiência de servidores que para nada servem. Os tiranos comunistas não permitiam que os ditos soviéticos saíssem do país e os chineses precisam de passaporte para viajar dentro das fronteiras nacionais. No Brasil não se proíbe. Em nome da democracia popular, apenas se dificulta a locomoção.

 

 

© Jornal da Tarde, terça-feira, 1º de maio de 2007.


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PF captura tubarões, mas não pesca bagres

Não é justo confundir direito de defesa com gozo de impunidade

A Operação Hurricane é um feito notável da Polícia Federal (PF) na gestão Lula. Nunca a rede policial havia apanhado antes (e disso os chefes devem orgulhar-se muito de seus subordinados) peixes tão gordos: desembargadores, juiz, delegados de polícia, advogados e parte significativa da blindadíssima cúpula da contravenção no Rio. Agora, sim, é possível dizer que foi andado um passo importante para dar à sociedade pacífica e trabalhadora a esperança de que os agentes da lei conseguirão estancar a ofensiva do crime organizado, que apavora, humilha e submete a Nação indefesa. Parte importante da explicação para o impasse permanente da insegurança pública generalizada é a impunidade dos delinqüentes. Esta só pode ser gozada da forma como o é neste país pela desfaçatez com que parcela não majoritária, mas significativa (e decisiva), dos policiais, advogados, promotores e juízes, pagos pela sociedade para fazer respeitar a lei, vende as próprias honra e consciência.
Os presos, delegados da própria PF, juiz, advogados – entre os quais o irmão de um membro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) –, desembargadores e bicheiros, são uma parcela ínfima dessa elite de colarinho branco e taça de champanha, que, à sombra, acoberta a atividade criminosa à luz do Sol de bandidos notórios. Mas talvez não venha a ser ilusória a fé de que a detenção deles – e de outros mais que ainda virão a sê-lo – represente o fio de uma meada que, puxado com coragem e cuidado, pode desmantelar um esquema que tem mantido os cidadãos de bem atrás das grades de suas janelas e liberado a ação das hordas dos fora-da-lei. Qualquer brasileiro com o mínimo de informação já sabia que o crime só compensa entre nós porque cidadãos instalados no topo do poder republicano e protegidos por essa condição usam sua força e seu prestígio para permitir que o benefício do lucro do crime seja maior que o custo da punição do bandido.
A rendição dos cidadãos honestos aos imperativos da desordem pública, tornada condição de sobrevivência no Brasil, é o pior dos subprodutos da promiscuidade existente entre as bandas (talvez nem cheguem à metade os gomos doentes da laranja) podres da polícia, da Justiça, do Ministério Público e dos três Poderes da República e os chefões das quadrilhas em atividade. A Operação Hurricane presta um grande serviço à sociedade exibindo os laços imundos que transformam servidores da lei em serviçais daqueles que a violam em busca do lucro fácil e do luxo farto. Nas duas toneladas de documentos e materiais apreendidos pelos policiais – entre estes discos rígidos de computador e agendas –, certamente a PF poderá garimpar evidências notórias da verdadeira natureza dos negócios ligados ao jogo no Brasil. Com isso, desabarão os castelos de areia da mitologia politicamente esperta dos que defendem a legalização dos bingos a pretexto de manterem os empregos que estes geram, argumento que pouco diferiria de quem pregasse o fim à repressão ao tráfico de entorpecentes para evitar que os servos dos traficantes perdessem sua renda.
A falácia social assemelha-se em hipocrisia ao discurso monocórdio de quem abusa da caradura ao comparar a ação policial à repressão ilegítima da época da ditadura. O pleno direito de defesa é uma garantia cidadã da qual nenhuma democracia de respeito deve abrir mão. Mas o abuso desse direito por chicanas jurídicas é uma ameaça permanente à sociedade obreira e ordeira, pois as brechas legais do arsenal de instrumentos usados para esse fim terminam por solidificar flagrantes injustiças sociais. Neste País, o pleno acesso à defesa garante a impunidade de ricos e poderosos, mas o pobretão não tem o direito sequer de gozar a liberdade findo o cumprimento da pena a que foi condenado, se não puder pagar a um advogado para redigir seu alvará de soltura. Qualquer um tem o direito de apelar para o discurso que lhes aprouver. Assiste-nos o direito, contudo, de desprezar este acervo retórico que insulta nossa mínima inteligência comum.
Este mais recente êxito da Polícia Federal é uma excelente oportunidade para levar o Congresso Nacional a debater os dispositivos de nossos códigos processuais que permitem a transformação de direito de defesa em gozo de impunidade mercê de prazos e delongas fixados para averiguar, condenar e executar as penas de quem viola a lei. Isso, é claro, sem menosprezar a necessidade de identificar e corrigir erros eventuais nem a garantia dos direitos individuais dos acusados. Evidência desta necessidade é o fato de os bicheiros agora presos já terem sido condenados pela então juíza, deputada Denise Frossard, e mostrarem, após o cumprimento de penas rápidas, capacidade de recuperar o tempo e a fortuna perdidos, mudando de atividade e obtendo com esta lucros suficientes para financiar o próprio luxo e pagar caro pela própria impunidade.
Este sucesso também torna possível que a cidadania questione as verdadeiras causas do malogro da mesma corporação na investigação de casos muito mais simples que, misteriosamente, estão emperrados. Por que a PF, cuja rede é capaz de suportar o peso de tantos tubarões, não consegue caracterizar a culpa de bagres menores, como Waldomiro Diniz, réu confesso de um delito filmado, gravado e transmitido para todo o País, produzindo um inquérito após outro, considerados todos ineptos pelo Ministério Público? Por que até agora não chegaram à Justiça provas que a levassem a processar os carregadores de maleta na tal República de Ribeirão Preto nem os responsáveis pela quebra ilícita e nauseabunda do sigilo bancário do caseiro Francenildo?
O sossego dos brasileiros que dão duro no batente para comer sua farinha, pagam impostos em dia e obedecem às leis da República depende de como a autoridade se disporá a puxar o fio desta meada e da forma como ela responderá a estas questões todas.

 

© O Estado de S. Paulo, quarta-feira, 16 de abril de 2007.

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