Site oficial do escritor e jornalista José Nêumanne Pinto

Política 2006/2005

PCC e fraqueza de caráter

Além de deixar patente a insegurança em que vivem os cidadãos ordeiros em território brasileiro, a ofensiva cruenta lançada pelo Primeiro Comando da Capital (PCC) em São Paulo acabou por revelar as fraquezas de caráter da elite civil dirigente da democracia e de parte relevante da sociedade civil nacionais.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o PT se aproveitaram de forma tão oportunista do natural impacto provocado pelo banho de sangue na imagem de seu principal oponente na eleição presidencial de outubro, o ex-governador paulista Geraldo Alckmin, do PSDB, que tornam menos absurda do que parece a possibilidade até de ter havido uma espécie de acordo tácito de troca de gentilezas entre meliantes e postulantes. Só faltava agora alguém descobrir que o comissário Zé Dirceu andou visitando Marcos Willians Herbas Camacho, o Marcola, líder da blitz contra agentes da lei e cidadãos inocentes, em sua cela de segurança máxima, em Presidente Bernardes, desempenhando missão idêntica à da visita ao ex-presidente Itamar Franco, em Juiz de Fora.

Mas os tucanos não ficaram atrás neste capítulo. Direto de Nova York, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, baseado em conjecturas sem apoio em fatos, condenou o eventual acordo da lei com o crime para que as hostilidades cessassem. Percorrendo o Brasil com sua Armata Brancaleone, o candidato Alckmin também distribuiu picadas venenosas contra seu sucessor, Cláudio Lembo, do PFL. Por mais críticas que possam ser feitas à postura do governador, estas nunca poderão omitir o fato incontestável de que ele é herdeiro de um desastre tucano.

Como se sabe, tucanos são avessos à repressão, chegando a ter nojo de polícia, e seu movimento pendular de morde-e-assopra entre os direitos humanos dos bandidos e a paz dos cidadãos imobiliza-os como chefes de polícia. Isso fez com que as gestões de Mário Covas e Geraldo Alckmin (como antes já havia sido a de Franco Montoro), avaliadas positivamente pela população em vários setores, fossem sempre um desastre em segurança pública. Talvez por saber disso, o candidato do PSDB ao governo de São Paulo, José Serra, se omitiu.

A falta de apoio e até o fogo amigo dos tucanos contra seu aliado são uma manifestação de estranho oportunismo. E inusitado, aliás. Normalmente, o oportunista se beneficia, de alguma forma, de seu ato. No caso específico, a postura tucana é também estúpida do ponto de vista eleitoral, podendo até ser definida como suicida, como comprova a constatação do Datafolha de que o presidente petista se reelegeria hoje no primeiro turno se o PMDB não apresentasse candidato, o que é muito provável.

Não será justo atacar o caráter dos políticos brasileiros sem mencionar a absurda decisão da CPI da Venda de Armas de tomar depoimento do citado Marcola no Fórum da Barra Funda em São Paulo. Exaustivamente interrogado por quem sabe, o chefão do PCC nada tem a revelar de útil a parlamentares que nada têm a questionar. Trata-se apenas de mais um show de exibicionismo pré-eleitoral, dando ocasião para o bandido fugir a caminho do depoimento ou, se preferir, dar ordens pela televisão, ao vivo, a suas hordas.

Capítulo à parte na burrice vigente é a sibilina transformação dos assassinos covardes do PCC em heróis e dos heróicos policiais por eles vitimados em vilões, pela imprensa e pela mídia eletrônica. Prova cabal disso é a capa da revista semanal Veja na semana posterior à batalha campal de São Paulo, com a efígie do canalha-mor, promovido à condição de santo dos oprimidos por um bando de advogados formados pelo dinheiro sujo do tráfico de drogas e de jornalistas deslumbrados com sua retórica trôpega e torpe.
© Coluna do Zé

A gala dos tucanos no baile dos petistas

Tancredo avisava que a esperteza sempre termina engolindo o esperto

 

A “cristianização” é uma tradição na política brasileira desde o episódio que lhe deu o nome: o apoio velado do maior partido político da época, o PSD, ao candidato do PTB, Getúlio Vargas, em 1950, mandando literalmente às favas as pretensões do correligionário mineiro Cristiano Machado, lançado oficialmente na convenção do partido. Dez anos depois, Juscelino Kubitschek, de olho na eleição de 1965, jogaria terra na cova do pessedista Henrique Lott favorecendo Jânio Quadros, apoiado pela UDN. E, na primeira eleição direta após a ditadura militar que resultou de uma série de irresponsabilidades civis, entre as quais esta, o chefão do PMDB, Ulysses Guimarães, seria “cristianizado” em favor do franco-atirador Fernando Collor de Melo, em 1989.
Poucas vezes na História da República, mesmo sendo ela tão pródiga em traições sórdidas, se assistiu a um espetáculo tão grotesco quanto o atual afundamento da inglória ambição do ex-governador paulista e tucano Geraldo Alckmin de impedir a reedição do governo petista de Luiz Inácio Lula da Silva em outubro.
A origem dessa “cristianização” está na luta de Alckmin contra Serra pela indicação oficial do PSDB. Não inteiramente por culpa deste, diga-se. Sem a penetração que o outro sempre teve na máquina partidária, sem uma assessoria digna da denominação e, sobretudo, sem habilidade para se conduzir no embate, o ex-governador deixou claro que se dispunha a tudo para atingir o alvo, por não lhe restar alternativa. Da refrega entre o sôfrego e o predestinado, o primeiro ficou com a indicação e o perdedor, com as batatas que lhe podem garantir uma boa invernada no maior governo da Federação, esperando acabar a segunda e – espera-se – última gestão federal de Lula e do PT. O mal-estar entre as duas hostes foi tamanho e contaminou suas campanhas de tal maneira que não parece de todo afastada a hipótese de surgir aí algum comitê Lula-Serra, como antes já houve as alianças aparentemente estapafúrdias Jânio-Jango (Jan-Jan), “cristianizando” Milton Campos, e Fernando Henrique-Maluf, para desespero de Mário Covas.
Com o barco de Alckmin fazendo água já na largada, as tropas serristas se deliciam com a chance de o adversário derrotar o correligionário, raciocínio idêntico ao da torcida de JK pelo triunfo de JQ. No caso atual, com uma agravante: uma vitória de Alckmin adiaria o sonho presidencial de Serra por mais quatro anos. Pois o ocupante do cargo no Executivo que disputa a reeleição tem vantagens demais sobre seus oponentes e, quando se dispõe a usar tais vantagens até o limite delas, como faz o presidente Lula, torna o conceito da igualdade de oportunidades dos candidatos uma balela. Dessa forma, o projeto presidencial do ex-prefeito da capital passa pelo malogro da candidatura do ex-governador do Estado, nunca por seu êxito.
Igual raciocínio justifica a traição de outro emplumado ilustre, o governador de Minas Gerais, Aécio Neves, autor da frase mais insidiosa da atual disputa presidencial: “Meu candidato é Alckmin, mas o candidato de Minas é Itamar” – que, como se sabe, não é um postulante, mas um anticandidato, lançado pelo Planalto, com articulação do comissário José Dirceu, para abater os balões de ensaio autonomistas da banda oposicionista do PMDB fisiológico e adesista.
Agora, vem à tona outra traição de alto coturno, embora não sejam nítidas as causas que a produzem. No meio do tiroteio verbal entre o senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) e o prefeito do Rio, César Maia (PFL), içando à superfície as diferenças de interesses regionais entre os maiores aliados da oposição (se é que a denominação vale, no caso), emergiu a incompatibilidade entre a ambição nacional do PSDB e as picuinhas paroquiais do ex-governador do Ceará. Ao ser flagrado no palanque de Cid Gomes (irmão de Ciro Gomes), do PSB, no qual brilhará Lula, ficou claro o antagonismo do cacique com seu sucessor Lúcio Alcântara, do PSDB, candidato à reeleição e eleitor de Alckmin. A condição de presidente nacional da legenda retira de Jereissati qualquer possibilidade de justificar a própria postura e dá razão a Maia, que, com sua verve cheia de graça e veneno, o chamou de “coronel de smoking”.
O diabo é que os tucanos encomendaram o traje de gala para o baile da posse do inimigo, mostrando que mesmo os mais letrados deles andaram faltando a algumas aulas fundamentais de História do Brasil. Basta lembrar que a traição a Cristiano terminaria no suicídio de Getúlio; a “cristianização” de Lott, na renúncia de Jânio e, depois, na ditadura que cassaria Juscelino; e a punhalada nas costas de Ulysses, na aventura de Collor, que seria impedido. Não que a derrota anunciada de Alckmin, e logo no primeiro turno, prenuncie uma catástrofe nacional similar. Mas é bom que os candidatos tucanos a oportunistas pensem nas conseqüências nefastas que pode promover o triunfo humilhante de Lula e do PT, ainda desmoralizados pelo escândalo do mensalão e tudo.
Pode ser que uma eventual avalanche de votos em Lula contrarie os planos tucanos e pefelistas em vários Estados onde se consideram imbatíveis. E, mesmo que não atinja frontalmente o favoritismo dos dois mais importantes, Serra e Aécio, resta saber que efeitos poderá ter a transferência maciça de votos em Lula para o PT nas Assembléias Legislativas de São Paulo e Minas Gerais. Será uma gestão estadual prejudicada por um permanente desgaste no Legislativo uma plataforma útil para lançar as pretensões de sucessor, óbvias nestes favoritos aos governos de seus Estados? E quem lhes garante que terão fôlego para derrotar alguém ungido por Lula, fortalecido por uma eleição consagradora, daqui a quatro anos?
É o caso de lhes lembrar a lição de Tancredo: “O problema da esperteza é que ela termina engolindo o esperto.”

 

© O Estado de S. Paulo, quarta-feira, 31 de maio de 2006.

Perdoai-nos, já que o outro também faz

O PT perdoa os seus, porque conta com o reconhecimento da culpa dos outros

 
Nem a Velhinha de Taubaté, a personagem crédula de Luís Fernando Veríssimo, se ressuscitasse e lesse o noticiário do fim de semana, poderia esperar resultado diferente do 13º Encontro Nacional do PT em relação aos “mensaleiros” do partido. O perdão aos companheiros que “se equivocaram”, coerente com a lógica auto-indulgente dos petistas, neste instante também se tornou essencial para lhes garantir mais quatro anos de “boquinhas” à custa das burras federais.
A auto-indulgência petista é conseqüência natural de seu senso de missão. Como se sabe, o grande inspirador do ainda hoje líder inconteste do partido, o comissário José Dirceu, o tirano georgiano Josef Stalin, celebrizou a radicalização completa do maquiavelismo de esquerda com a fórmula cínica segundo a qual “os fins justificam os meios”. Alguns ingênuos imaginam que os tais fins seriam o comunismo, objetivo final da igualdade plena e solidária dos seres humanos, passando antes pelos meios da implacável ditadura do proletariado. A verdade é que essa fórmula já foi abandonada há muito tempo e hoje o sonho socialista não é mais a extinção da propriedade privada dos meios de produção, mas a apropriação, seja por quais meios for, até mesmo usando as debilidades da democracia dita “burguesa”, do aparelho do Estado, por meio do qual é possível chegar à fortuna fácil e ao poder absoluto.
No primeiro governo Lula, a aplicação no âmbito federal de uma técnica de desvio das verbas públicas para os cofres do PT e as contas de seus dirigentes, testada nas prefeituras sob seu controle, só não foi plenamente bem-sucedida por um passo em falso dado pelo grande coordenador do esquema (segundo o procurador-geral da República). O ex-chefe da Casa Civil José Dirceu (que, aliás, não perdeu os direitos políticos com a cassação?) menosprezou o impacto da vingança ameaçada pelo ex-amigo Roberto Jefferson (RJ), presidente nacional afastado do PTB, e foi destruído pela bomba-relógio que o inesperado camicase fez explodir na própria boca. O terrorista suicida e seu principal alvo tiveram os próprios mandatos extintos pelo atentado, mas isso não gerou muitos estragos, nem para um nem para o outro. Não consta que a qualidade de vida de Jefferson tenha sido profundamente abalada por sua ousadia. E a desenvolta e impune mobilidade do comissário em jatinhos particulares cumprindo tarefas do chefe supremo indica que ele está longe de ter perdido o poder e as mordomias dos velhos tempos.
Os outros personagens do esquema, apelidado de “mensalão” por seu delator, gozam da ampla, geral e irrestrita impunidade com a qual a elite dirigente se protege. O estado de espírito desses beneficiários do “valerioduto” pode ser aferido no pagode da deputada Ângela Guadagnin (PT-SP) no plenário da Câmara ou agora no desabafo feliz de seu companheiro Professor Luizinho (PT-SP), após o encontro do fim de semana em São Paulo: “Nunca tive tanta solidariedade concentrada”. Essa solidariedade deve-se à certeza de que, como sói ocorrer em nosso quartel de Abrantes, onde tudo sempre continua como dantes, ninguém vai ser punido pelos delitos que eventualmente tiver cometido, pois, como na velha República do estado de sítio de Bernardes, só existe pena para adversário, sendo o perdão exclusivo atributo próprio e para amigos e apaniguados.
O enterro da investigação dos “mensaleiros” do PT na reunião à qual compareceram o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e seu articulador pouco secreto José Dirceu (aliás, reafirma a fé que os petistas têm, com fundadas razões, ao que tudo indica, na falta de autoridade moral de seus adversários na cobrança da justa punição à “companheirada” infratora. E também consagra sua convicção de que as bases eleitorais comungam os ideais deles, segundo os quais corrupção condenável mesmo só a dos outros, nunca a própria ou de amigos e aliados.
A busca do poder de reduzir adversários a pó, mesmo que isso implique o esmagamento das instituições republicanas, teve de ser adiada para o segundo round possível da luta, por conta da reação das vítimas e do que resta de vitalidade nas instituições que as protegem. Nada impedirá, contudo, o presidente, se reeleito, de tentar, e desta vez com sucesso, calar os promotores e funcionários em geral com a lei da mordaça, a imprensa com o Conselho Federal de Jornalismo e o rádio e a televisão com a Ancinav. Quem tiver um pouco de juízo na cachola conta com isso.
Os ingênuos que acreditam que o Mal é de direita e a esquerda ainda é a casa do Bem têm agora uma oportunidade de perceber o óbvio, ao dar o devido valor à declaração do secretário de Relações Internacionais do PT, após o 13º Encontro Nacional. “Nossa prioridade neste ano é reeleger o companheiro Lula”, disse Valter Pomar. Isso significa: obter o perdão do povo pelo aparelhamento passado e garantir as “boquinhas” do futuro. Não é uma missão impossível. Nem sequer está parecendo assim tão difícil.
Para ganhar a eleição de outubro, o PT não aposta na inocência dos seus delinqüentes, mas no conhecimento da culpa dos adversários. A calhorda participação das bancadas oposicionistas no perdão generalizado aos “mensaleiros” da Câmara avaliza e dá fé a esse truísmo. E permite ainda aos petistas a necessária caradura para se solidarizar com os próprios infratores. Enquanto a campanha da reeleição de Lula navega em mar de almirante, seu principal adversário, Geraldo Alckmin, do PSDB, não conseguiu ainda montar uma equipe de assessoria, rascunhar um programa de governo e encontrar um discurso capaz de persuadir o eleitor a mudar de gestor. Mais que a impressão de que não é alternativa viável a Lula, o PSDB faz o eleitor desconfiar de que sequer dispõe de um candidato apto a enfrentar o presidente na disputa eleitoral.

 
©Estado de S. Paulo, quarta-feira, 3 de maio de 2006.

Assim não vai dar

Em entrevista aos jornais do Grupo Estado neste domingo, o ex-governador de São Paulo Geraldo Alckmin disse que em seu eventual futuro governo o programa Bolsa Família deixará de ser o que é hoje – uma “porta de entrada”- e passará também a ser uma “porta de saída”. Em “tucanês”, isso significa que o governo continuará dando esmolas aos miseráveis, mas também lhes criará oportunidades de trabalho. Usando o velho exemplo do chinês que prefere ensinar o pobre a pescar a dar-lhe peixes, isso significa que o grupo hoje na oposição garante que entregará o peixe e também ministrará os segredos da pescaria a quem não tem sequer um pedaço de pão.
Muito bonito, mas parece insuficiente. Mais que insuficiente, ínfimo. Ninguém precisa ser escolado nas malandragens da política brasileira para saber que a Bolsa Família não passa de um excepcional golpe eleitoral. Os pobres das famílias que sacam com seu cartão magnético R$ 40,00 por mês sem contrapartida alguma sabem muito bem identificar quem lhes dá essa esmola e qual a melhor forma de pagá-la. Trata-se da mais antiga solução mais antiga assistencialista do mundo – a questão do croissant de Maria Antonieta: “seu voto por um prato de comida”. A receita sempre funcionou no Brasil dos coronéis e continua vigendo sob o “neocoronelismo”petista,
Imaginar, como imagina o tucanoto, que pode enfrentar a mais elementar das barganhas – “mato sua fome e você vota em mim” –, prometendo complementar a esmola com uma oferta de emprego difícil de cumprir, é um engano mais que ledo, vão. Não vai ser com esse discurso que o foguete de Alckmin vai decolar.

 

©Jornal da Tarde, terça-feira, 2 de maio de 2006.

Tarantela na Sapucaí

Cada cidadão brasileiro sentiu-se pessoalmente ofendido com a insensata falta de pudor de Ângela Guadagnin (PT-SP), que saiu sambando pelo plenário da Câmara dos Deputados para festejar a absolvição do companheiro João Magno (PT-MG). Essa senhora é a mesma que pede vistas de todos os relatórios que recomendam a cassação de mandatos de seus colegas de bancada no Conselho de Ética da Casa. E foi ela também quem, em 1985, cumprindo determinações do peão que viraria presidente, demitiu da prefeitura de São José dos Campos seu secretário de Finanças, o ex-guerrilheiro Paulo de Tarso Venceslau. Este havia levado à direção do PT a notícia de que o advogado Roberto Teixeira, compadre de Lula, que, à época, morava de graça em apartamento da propriedade dele sem pagar aluguel, em São Bernardo do Campo, comandava esquema de corrupção em prefeituras petistas de perfil muito assemelhado a esses tais “mensalão” e “valerioduto”. Investigação feita por comissão interna do partido, por Lula nomeada e presidida pelo promotor Hélio Bicudo, conhecido por sua luta contra o Esquadrão da Morte do delegado Sérgio Paranhos Fleury, concluiu que a denúncia precisava ser analisada, pois havia indícios de que o denunciante tinha razão. Mas este foi, primeiro, demitido por Guadagnin e, depois, expulso por Lula do PT, então ainda pretendente a monopolista da ética e dos bons costumes na conturbada e pouco asseada História republicana brasileira.
E, já que se fala aqui de mulheres que cumprem ordens, talvez seja útil registrar ação da líder do PT no Senado, Ideli Salvatti (SC), que requisitou do presidente da Casa, Renan Calheiros (PMDB-AL), espécie de mordomo a cumprir ordens do Planalto de seu alto posto à Mesa, imagens de visitas do caseiro Francenildo Santos Costa ao Congresso Nacional. O pedido foi retirado pela autora, a conselho do líder do governo no Senado, Aloizio Mercadante (PT-SP), mas ficou o registro da bisbilhotece dessa senhora, que passou a merecer a alcunha de Big Sister, retirada do tirano que vigiava os cidadãos de seu país do romance 1984, de George Orwell, o Big Brother, que inspirou a marca do reality show de televisão, famoso no Brasil e no mundo.
Outra mulher, a senadora Heloísa Helena (PSOL-AL), reagiu à bisbilhotice da ex-companheira de bancada, comunicando a seus pares que já avisou à família que, se for fuzilada na rua, ninguém deve acreditar que ela terá sido vítima da violência banal das ruas, mas, sim, executada a mando dos componentes do que ela chamou de “governo bandido”. A intenção da veemente parlamentar era denunciar a truculência contra o citado caseiro, que viu e contou ter visto o ministro da Fazenda, Antônio Palocci, numa casa suspeita, onde se misturariam profissionais do sexo e malas de dinheiro sujo. E ela terminou por expor também o convívio promíscuo entre o crime organizado e o Estado brasileiro sob a gerência petista. Esse convívio é a única explicação cabível para o fato de o Supremo Tribunal Federal, na administração Nelson Jobim, outro capacho do Executivo, ter impedido a quebra de sigilo bancário de Paulo Okamoto, que detém a chave da caixinha de esmolas para a família Lula da Silva, mas fazer vista grossa para a criminosa quebra do sigilo bancário do caseiro.
Aliás, na República do PT, sob o signo do “em dúvida pró réu”, em vez de se investigarem as malas de dinheiro na “República de Ribeirão Preto”, o Coaf, sob as ordens do chefão desta, exigiu que um humilde e honesto trabalhador justifique seus depósitos em poupança na Caixa Econômica Federal. Uma mão lava a outra: o crime a serviço da impunidade e a impunidade a serviço do crime. Que náusea!

 

©Coluna do Zé, revista Primeira Leitura, abril de 2006
Encontro com Nêumanne , o analista político
Palestras mais recentes:
Palestra de Nêumanne sobre o panorama político nacional: para os membros do sindicato das empresas Petroquímicas, em Mauá, na Grande São Paulo; para a alta diretoria da Suzano Petroquímicapara; o congresso da Officer, onde já esteve como um dos palestrantes, em 2005.
A seguir:
Em abril: 19 (quarta-feira) – 9h – Hotel Sofitel – SP
Palestra de Nêumanne sobre o panorama político nacional, para uma convenção do Açúcar Guarany
Contatos:
Fone: 0 (…) 11 – 3258.8878
E-mail: neumanne@neumanne.jor.br/backup

Que regime é este, companheiros?

Não é democrático um governo cujos agentes violam a lei com freqüência
O romancista baiano João Ubaldo Ribeiro, em sua coluna dominical no Caderno2 deste jornal, pôs em dúvida o acerto da definição de nosso regime político como “democracia”. Talvez seja o caso de acolher a constatação e avançar um pouco, propondo que alguma instituição respeitável e encarregada de zelar pelo bom uso do vernáculo promova um grande concurso nacional para definir qual seria ele. Pois, se ditadura não é, sendo notórias como são as liberdades de expressão e reunião nele vigentes, de idêntica maneira da dita democracia burguesa dista bastante.
Afinal de contas, se diz da democracia que é o império da lei. Mas impera a lei numa República onde o oftalmologista João Francisco Daniel se viu obrigado a fechar sua clínica de 30 anos e viver de plantões, escondido como um criminoso, apenas por exigir da polícia e da Justiça uma definição aceitável para o assassínio de seu irmão Celso? Ou onde o professor Bruno, a mulher, Marilena, e seus três filhos tiveram de fugir para lugar incerto e não sabido no Exterior como única forma de evitar que venham a ser chacinados pelos suspeitos de serem mandantes do mesmo crime, a exemplo do que ocorreu com sete pessoas? (E eles suspeitam que pode ter ocorrido com Carlos Delmonte, o perito, e talvez tenha atingido mais 2 de 12 condenados que trafegavam num furgão na avenida Marginal, recentemente.) Enquanto isso, os suspeitos de serem mandantes do crime gozam de plena liberdade, garantida pela insistência com que os companheiros de partido de seu parente assassinado no governo federal e as autoridades policiais de um Estado governado pelo principal partido de oposição sustentam a hipótese do crime banal.
Diz-se ainda que na democracia, que Churchill garantia ser o menos pior dos regimes, todos são iguais perante a lei. Dificilmente este conceito poderá ser aplicado ao recente episódio iniciado com a entrevista do caseiro Francenildo Santos Costa a este jornal, dando conta de visitas do ex-ministro da Fazenda Antonio Palocci a certa mansão suspeita em Brasília, e encerrada com a demissão deste, motivada pela quebra ilegal do sigilo bancário da testemunha. De vez que o demitido, chamado de “grande irmão” (tradução literal de Big Brother, denominação do tirano bisbilhoteiro do romance 1984, de George Orwell) num lapsus linguae de seu ex-chefe na despedida dele do primeiro escalão do governo, se deu ao luxo de não depor na Polícia Federal, alegando problemas de saúde. Este jornal dá como certo o indiciamento de Palocci hoje, mas nem isso afastará o absurdo de o filho de lavadeira continuar sendo processado pela mesma autoridade por crime de “lavagem de dinheiro” e ter tido seu sigilo bancário devassado e exposto ao País inteiro. O que também ocorreu com aquele que ele diz ser seu pai biológico, o empresário Eurípedes Soares da Silva, que teve ainda a paternidade, que mantinha em segredo, revelada publicamente.
Decerto a instituição que aceite o desafio de promover o concurso para nomear esse regime – seja este jornal, a Academia Brasileira de Letras ou o recém-inaugurado Museu da Língua Portuguesa – terá alguma dificuldade para entender a natureza de um sistema político em que um agente público se esconde de um oficial de Justiça para adiar o cumprimento da obrigação comezinha de prestar contas aos fiscais legítimos de sua conduta. Em que categoria seria possível classificar um Estado que detém o monopólio do exercício da força legítima para impor o respeito à legislação vigente, mas tem entre seus agentes de alto escalão mantém esse presidente do Sebrae, Paulo Okamoto, protagonista da tragicomédia de pastel (o aumentativo seria impróprio) que foi a tentativa vã de lhe entregar uma citação no escritório onde dá expediente? Como se sabe, esse senhor, de modestos padrões de vida para o magnífico emprego de que dispõe, tentou criar dificuldades para explicar aos parlamentares da CPI dos Bingos o hábito certamente altruísta, mas pouco compreensível para pessoas menos generosas, de pagar do próprio bolso dívidas contraídas pelo presidente da República e seus familiares. Tentativa, aliás, vã, pois terminou depondo ontem, apesar de garantido por decisão do STF de dar-lhe o direito de nunca se referir a Lula, limitando-se a responder a questões sobre as denúncias de Paulo de Tarso Venceslau sobre sua participação em maracutaias em prefeituras petistas 12 anos atrás.
Não facilitará também a tarefa de denominar o regime a presença de dois assessores do ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, venerável defensor de presos políticos e prestimoso conselheiro de amigos pilhados em delitos menores como rinhas de galo (caso do então marqueteiro presidencial Duda Mendonça, flagrado em delito no Rio), na entrega do documento bancário com o sigilo de Francenildo na casa de Palocci. Nunca chegou a ser esclarecida a razão dessa visita de seu chefe de gabinete, Cláudio Alencar, e do secretário de Direito Econômico da pasta sob seu comando, o dr. Daniel Goldberg. Como nos negócios públicos, já no Império Romano, usa-se adotar a exigência que o ditador Júlio César prescreveu para a própria mulher, Pompéia, “não basta ser honesto, é preciso parecê-lo”, na certa esses assessores e o próprio ministro terão de dar explicações mais consistentes que as que deram até agora. Sob pena de o foco da crise mudar de endereço, mas sem sair da Esplanada dos Ministérios.
Diante de todos os fatos acima descritos, talvez seja conveniente prestar mais atenção à denúncia da senadora Heloísa Helena (PSOL-AL), segundo a qual o atual governo não serve, como deveria, à lei, para usar um eufemismo, antes até de se encontrar uma definição exata e sensata para o regime que vige nesta estranha República de Santo André, Campinas, Ribeirão Preto et caterva.

 

 

©O Estado de São Paulo, 05 de abril de 2006.
Encontro com Nêumanne , o analista político
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Palestra de Nêumanne sobre o panorama político nacional: para os membros do sindicato das empresas Petroquímicas, em Mauá, na Grande São Paulo; para a alta diretoria da Suzano Petroquímicapara; o congresso da Officer, onde já esteve como um dos palestrantes, em 2005.
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Em abril: 19 (quarta-feira) – 9h – Hotel Sofitel – SP
Palestra de Nêumanne sobre o panorama político nacional, para uma convenção do Açúcar Guarany
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