Falsa democracia mata e solta
A pretexto de poupar bons servidores, reforma da Lei da Impobridade Administrativa, feita por inimigos de Moro e da Lava Jato, impede a punição do desgoverno Bolsonaro pela tragédia de Manaus
Não foi por falta de crimes: 31 brasileiros morreram em Manaus, durante a pandemia da covid 19, por falta de oxigênio e por terem servido de cobaias na tentativa de provar o negacionismo da equipe dirigente do Ministério da Saúde, sob a chefia do general da ativa Eduardo Pazuello. Não foi por falta de provas: o Ministério Público Federal denunciou o ex-ministro e dois ex-responsáveis pela “gestão” da pasta, Hélio Angotti e Mayra Pinheiro, por omissão flagrada e ululante. Nem por desconhecimento de causa: contra o combate atroz do chefe do desgoverno, Jair Bolsonaro, a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid no Senado, ouviu fatos, versões contra e a favor e reuniu vasta documentação comprobatória. E o juiz federal Diego Oliveira, da 9.ª Vara Cível Federal na capital do Amazonas, declarou-se, na sentença, impedido de puni-los pela exigência do dolo dos agentes, incluída pela maioria parlamentar necessária na revisão da Lei da Impobridade Administrativa.
Também nenhum cidadão de bem, que ainda há no Brasil, por incrível que possa parecer, terá como argumentar que a tétrica rasura não tenha sido exaustivamente apontada por procuradores, jornalistas e outros responsáveis pela vigilância dos atos do Congresso Nacional. Tudo foi denunciado, explicado e argumentado. Agora é tarde, parodiando Luís Vaz de Camões, Pazuello, Angotti e Mayra estão impunes em razão da existência de inúmeros servidores, que, ao contrário deles, poderiam ser erradamente punidos pela adoção do evidente dolo eventual. A CPI acabou e os responsáveis pelo afogamento a seco de 31 cidadãos brasileiros condenados à execução cruel pela irresponsabilidade alheia de funcionários públicos fardados ou de jaleco, tiveram seus delitos liminarmente anistiados sem sequer a deferência de um decreto de graça de seu chefão. Sob o silêncio cúmplice ominoso de uma esquerda incapaz de pedir perdão pelos pecados de sua lavra e de um centro incapaz de perceber o que dista do próprio umbigo, a direita estúpida e negacionista goza as delícias do poder ilimitado sem freios, penas ou confissões. O Brasil não é um país, é uma pústula. A república, uma récua de assaltantes.
Em tal panorama o que será a tal democracia, que em nome da igualdade de todos perante os rigores da lei, festeja a falácia dos desiguais em prejuízo dos desvalidos? A liberdade, feita farsa na boca imunda do oficial terrorista que planejou atentados a bomba em bivaques em nome do combate sindical pelo aumento indevido do soldo pessoal e intransferível, mata aos magotes. Comparado com o capitão incapacitado por insuficiência de massa encefálica de se submeter ao aperfeiçoamento dos oficiais, o “nobre/’ mártir da liberdade de expressão que ordena colegas meganhas a dispararem na “caixa dos peitos” dos manifestantes do outro lado é um mísero coitado. Mas, tornado o comandante improvisado do pelotão do fuzilamento do direito à opinião do inimigo desarmado, virou o ai-jesus de patriotas de araque que confundem a pátria mãe com uma oportunidade infinita e imperdível de negócios escusos e polpudos.
Daniel Silveira, Jair Bolsonaro, Alexandre de Moraes e os ególatras em busca de inexistente luz própria são atores da tragicomédia surreal dos que atuam como vacas de uma presepada com roteiro imoral e cínico. Nenhum coleguinha com juízo impediu que Dias Toffoli introduzisse uma anta fardada no Supremo Tribunal Federal. Em busca dos cinco minutos de fama, já que não têm como chegar ao bilhão de reais do retrato de Marilyn Monroe pintado por Andy Warhol, seus pareceiros de fantasia de paz em conflitos de mequetrefes beijaram o dólmã dos milicos pendurados nas tetas do bolsonarismo e não têm mais como se livrar da volúpia dos que, nunca tendo visto tanto mel, não conseguem se afastar dos enxames. Nada podem fazer para obstar a ousadia do ministro da Defesa, general Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, doidinho para atuar na nova missão “gloriosa” das Forças: a de restaurar o voto de bico de pena na República Caduca. Não faltou exegeta político de ocasião que fizesse cara de paisagem diante do pré-golpe da substituição do obscuro general Heber Portela na mensagem a Garcia que seus antigos companheiros de farda tentaram na arapuca Proconsult para fazer da minoria de Moreira vitoriosa contra a maioria de Brizola. Em conluio, claro, com a vergonhosa substituição do bicho do delegado dos tempos antigos pelas roletas atuais do almanaque do Exército.
No dia em que o intendente incompetente, que, não nos esqueçamos, já montara seu bivaque em Manaus, foi agraciado pela comunidade do Centrãoduto, recebeu o indulto antecipado à própria incapacidade, a advogada Luciana Pires assumiu a causa da delegada Fátima Belém. Ninguém precisava associar a proprietária de R$ 1,8 milhão em dinheiro vivo em casa às tramoias jurídicas do príncipe herdeiro Flávio Bolsonaro no peculatário-geral carioqueiro da Alesp. Mas como não fazê-lo, se também foi na quarta-feira 11 que o Ministério Público Estadual do Rio de Janeiro pediu a anulação da denúncia contra o chocolateiro das grifes? E não pode ter sido por outro motivo que não fosse o excesso de provas. O mesmo que levou o então presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Gilmar Mendes, magistrado das encrencas elitistas, usou para inocentar o compadre Michel Temer, ameno companheiro de vôos transatlânticos.
Na pocilga cívica em que um oficial ressuscita o Proconsult para garantir a permanência do “mau” militar (apud Geisel) no Alvorada, o inocentão dos sítios emprestados e das coberturas descobertas se faz de doidinho de faroeste. Ou seja, o pleito parodia chanchadas da Atlântica em réquiem profano de profundo mau gosto. Arre égua, Satanás!
*Jornalista, poeta e escritor
Angústia e pânico do brasileiro hoje
Em Nêumanne entrevista, Joaquim Falcão relata cenário eleitoral brasileiro como resultado da angústia, detectada pelo sociólogo Lavareda, e do pânico, que ele considera efeito dela
Na entrevista publicada nesta semana no canal José Nêumanne Pinto no YouTube, o primeiro-secretário da Academia Brasileira de Letras, Joaquim Falcão, fez uma declaração estarrecedora: “o Brasil vive uma crise de angústia”. Leu-a no livro Emoções Ocultas e Estratégias Eleitorais, do especialista em pesquisas Antônio Lavareda. E o professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV) completou com outra bomba, da própria lavra: “E começa a entrar em pânico”. O tema da conversa é um assunto que, nos velhos tempos, se chamaria de cabuloso: a condenação do deputado bolsonarista Daniel Silveira a oito anos e nove meses, a ter cumprimento iniciado em cela de cadeia, e a anulação da pena por concessão pessoal, parcial e intransferível do ídolo dele, o presidente Jair Bolsonaro.
Lúcido, inteligente e corajoso, o jurista, que se especializou em analisar as decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) com profunda serenidade, não pretendeu assustar ninguém nem fazer estardalhaço. Mas apenas mediu a temperatura política desta temporada pré-eleitoral, em que, como lembrou o colega Josias de Souza na UOL, o candidato à reeleição desafia a autoridade da última instância de nossa Justiça. E rasga os preceitos constitucionais e legais que garantem a igualdade da disputa eleitoral a ser efetivada daqui a cinco meses. Logo ali, na primeira curva do caminho, o capitão que saiu do Exército acusado de terrorismo, mercê de graça parcial e corporativista de oito dos doze membros do plenário do Superior Tribunal Militar depois de condenado em primeira instância com excesso de provas a 30 anos de prisão, abusou da regra três, onde o menos vale mais. O doutor em educação pela Universidade de Genebra, Suíça, passou ao largo da demonização generalizada da tal polarização, que torna a disputa nas urnas uma guerra de bandidos profissionaisl E constata o óbvio ululante (apud Nelson Rodrigues) de que o candidato da direita estúpida detém o monopólio absoluto da narrativa do debate eleitoral de baixos calão e padrão. No “pugilato tremendo” a que se refere Castro Alves na obra-prima O Livro e a América, neste caso o porvir não vence, mas, ao contrário, é derrotado de forma fragorosa.
Este escriba, mais ousado do que corajoso, toma aqui emprestada a lente translúcida da análise com que foram presenteados os espectadores da entrevista para citar como exemplos dois fatos que não chegaram a ser abordados pelo autor de Mensalão, Diário de um Julgamento. A primeira abordagem a ser feita diz respeito à constatação, também indiscutível, de que tudo quanto tem sido argumentado para condenar e punir o ex-PM do Rio com tanto peso não passa de uma imitação de baixíssimo clero da plêiade de crimes eleitorais infringidos por seu candidato e comandante, Jair Bolsonaro. Este tem cuspido e rasgado os códigos jurídicos vigentes sem ser detido em seu avanço desaforado e desrespeitoso na desmoralização das instituições e de seus guardiões. O chefe do desgoverno federal inspira, incentiva e participa de manifestações públicas contra a lei e a ordem, de cuja fictícia defesa assumiu protagonismo na caça aos votos, em 2018, imitando as motociatas de Mussolini na Itália há um século. E nas ameaças explícitas a quem o critica, mesmo sem agir, de facto, para detê-lo. Nunca tantos foram tão covardes na defesa da letra constitucional, abusando desta pelo falso apelo a seu nobre instituto mantenedor do espírito das leis e da prática do governo do povo, pelo povo e com o povo.
A angústia, detectada por Lavareda e reproduzida por Falcão, vem do absurdo de não punir o chefe do batalhão, substituindo-o pelo meganha raso do fim do pelotão. O fato de o reles Silveira ser chamado a pagar as penas que deveriam ser aplicadas a seu profeta de más intenções, palavras e decisões é que o torna um réprobo tornado herói. E ainda sua condição de condenado e preso por responder por crime de terceiro, embora próximo. A vaga garantida na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara é a prova mais cabal de que o Poder Legislativo, tido como representante direto da cidadania, não passa de um álibi surreal de um sistema que se orgulha de agraciar o criminoso, condenar o juiz e tratar a lei como trapo colorido.
O entrevistado permitirá, por especial obséquio, ao entrevistador a lembrança de que o monopólio da disputa entre mentiras proferidas nos palanques adversos como tábuas da lei ocorre porque nesse sórdido sistema os pretensos contendores são, na verdade, cúmplices no desgoverno e na desrepresentação. Com a licença devida ao neologismo complicado. Na falsa quarta-feira de cinzas de um carnaval fora do tempo, com a quaresma tendo o sentido invertido na fé popular, o falso adversário do desgovernante, investido com a autoridade da oposição de araque, que confirma a peleja democrática, ajuda na condução da procissão do pânico. O ex-dirigente sindical, que nunca trabalhou na vida, já se tinha dado ao luxo de substituir a Bandeira Nacional, instituição da República, e em conseqüência da democracia, por um farrapo vermelho, que representa o sangue, o suor e as lágrimas do povo jogado ao relento das calçadas por uma elite política nojenta e pusilânime. Lulinha da Silva Guerra e Ódio abandona todos os hinos da representação coletiva da Nação – o Nacional, o da Independência, o dos Expedicionários, que ajudaram a conjurar o nazifascismo na Itália, etc., pela representação musical de um fiasco total chamado comunismo, socialismo ou seja qual for sua denominação. Ao lado do favorito à própria reeleição (pela segunda vez), a tal da social-democracia confirmava a derrota no Brasil das “vítimas da fome”, deixadas para trás aqui depois de serem assassinadas aos milhões por assassinos bestiais, como Stalin, Pol Pot, Mao, Hoxxa, Fidel e todos os seus flagelos.
*Jornalista, poeta e escritor
Os 12 apóstolos do Brucutu
O vândalo Daniel Silveira é titular da Comissão de Constituição e Justiça e vice-presidente da de Segurança da Câmara por obra e trapaça dos 11 ministros do Supremo e do presidente Bolsonaro
Daniel Silveira é fluminense de Petrópolis, ex-aprazível estação de férias da família imperial brasileira, mas sem nada de nobre ser e ter. Seu temperamento de vândalo e capacho daqueles que o dr. Raimundo Faoro chamava apropriadamente de “donos do poder” orna com a textura dos músculos dos bíceps avantajados e da sólida musculatura do tórax. Escolheu fazer carreira na Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro, condizente com seu gênio explosivo e sua adesão à filosofia da corporação, cuja atuação na pretensa defesa da lei é mais adequada a atitudes definidas como “tiro na cabecinha” e “bandido bom é bandido morto”. E à pregação, é claro, de quem viola princípios elementares dos direitos humanos, mais um dos seus hábitos que não condizem com a democracia. A liberdade que preza é apenas a própria, que não termina no livre arbítrio do outro, mas determina seus interesses materiais e seus instintos bestiais.
O único feito de destaque de sua carreira política foi a destruição de uma placa de rua em homenagem a uma vereadora inimiga (no glossário de seus chefes não há lugar nem muito menos espaço para adversários vivos). Ele e os outros próceres do vandalismo que guardam relíquias da redução da sinalização viária com o nome de Marielle Franco, vítima de covarde execução a bala, são típicos heróis do negacionismo pleno. Com o gesto negam respeito à mulher e a quem pensa diferente, ou melhor, se dá o luxo de pensar (uma definição radical do “livre pensar é só pensar” do gênio da dissidência carioca Millor Fernandes). E ainda a quem ousa se intrometer na prática comezinha do crime de combater o delito sem respeitar a lei e a ordem. Já na Roma antiga o sátiro Terêncio revelava que “nada do que é humano me é estranho”. O verso, em bom latim clássico, aplica-se não apenas ao PM aposentado, mesma condição de Fabrício Queiroz e do capitão Adriano Magalhães da Nóbrega, acusado pela mesma polícia da qual eles usaram a farda de chefiar a milícia de Rio das Pedras e o Escritório do Crime. Neste se contrata a prática de apressar a visita da Indesejada das gentes a quem já a namora desde muito cedo.
Em 31 de maio de 2020, já deputado federal, ele foi filmado e as cenas, exibidas na TV, instruindo prazerosamente companheiros de farda, pagos pelo povo para garantir a liberdade de manifestar-se livremente, a jogar bombas de gás em guerreiros da paz para dispersar nas ruas da cidade nunca mais maravilhosa. No mesmo dia, usou as redes sociais para ameaçar manifestantes contra o desgoverno Jair Bolsonaro. Durante uma manifestação na praia de Copacabana, zona sul do Rio de Janeiro, numa manhã de domingo, Silveira incitou uma briga com os ativistas. Num vídeo postado em seu perfil no Twitter, após a manifestação, o Brucutu usou fartos disparos de palavrões para se referir aos manifestantes antifascistas. O parlamentar disse que, havendo como havia, muitos policiais armados participando de protestos contra o desgoverno, ele torcia para que um dos opositores tomasse um tiro “no meio da caixa do peito”. Pura poesia!
Mas o covarde, que ameaça cidadãos comuns a esmo, não desperta a santa ira dos magistrados supremos que se consideram autênticos barões da República embolorada. No nada excelso pretório não se agitou uma toga sagrada para defender o direito de dissentir, negado pelo celerado. O xerife-mor brasileiro, Alexandão de Moraes, usou dardos teóricos envenenados para esconder a própria honra e a de seus companheiros de facúndia. E marcaram para antes do carnaval fora de época na Páscoa (suprema blasfêmia à quaresma abandonada) a acusação e a sentença que não exigiam pressa para antes da eleição. Na praia mais linda do mundo o PM Silveira era um falastrão sem eira nem beira. Mas acusações sem nexo contra os magistrados sem correição bastaram para a convocação atemporal resultar em penas pesadas e muita pecúnia (quase R$ 200 mil de multa é um exagero até para um paspalhão pago pelas vítimas para sê-lo). Dez a um pela condenação, nove a dois pela prisão aberta sem dó no inferno prisional que assustava o advogado-geral da companheira Dilminha, José Eduardo (Cardozo de zebra). Com direito à reforma bíblica pelo “terrível evangélico, que superou as três negativas do apóstolo Pedro com quatro senhores entre os quais o que exigia que fosse apenas um, Jesus Cristo em pessoa, e passou a ser o último. Atrás de Jair Messias, Dias mbecilidade geral brasileira da gema obscura Daniel Silveira tirou a tornozeleira, que para nada nunca serviu mesmo e foi agraciado com a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, feito titular do time do capitão, que é uno e huno. E chegará ao pódio como vice-presidente da Comissão de Segurança da mesma casa sem portas nem janelas. O musculoso desmancha-manifestações foi descido do poste de Judas por Zeus pai todo-poderoso para rir dos outros 11 apóstolos e seus capinhas.
* Jornalista, poeta e escritor
Vexames da “justiça” de farda
Galhofa do presidente do STM sobre áudios de ex-ministros comprovando prática de torturas na ditadura fardada repete vergonhosa absolvição do “mau militar” (apud Geisel) Bolsonaro por tal “corte”
A colunista de economia do Globo Miriam Leitão revelou no jornal a existência de áudios contendo revelações de alta relevância histórica em que ministros do Superior Tribunal Militar (STM) se referiam à tortura na ditadura. Na divulgação da revelação, emissoras de rádio e televisão reproduziram contundentes votos de oficiais respeitados por colegas e civis, tais como o general Rodrigo Otávio Jordão Ramos e o almirante Júlio de Sá Bierrembach. Diante de tais evidências tornou-se inadmissível o negacionismo histórico adotado pelos comandos armados do Brasil do reiterado uso de sevícias, algumas das quais culminadas em mortes, para a teórica obtenção de informações no combate do Estado brasileiro aos grupos armados da extrema esquerda nos anos de chumbo.
O general da reserva Hamilton Mourão, que goza sua polpuda aposentadoria de marechal nas dependências do Palácio do Planalto ocupando o gabinete da vice-presidência da República, chegou a fazer troça desrespeitosa com as vítimas e seus parentes e amigos. Com a parca inteligência de que dispõe, não foi capaz de perceber que, ao tentar sepultar as denúncias com anedota, as admitiu como “história”, ou seja, algo verídico e digno de registro. Ocupado em detratar a justiça eleitoral para facilitar a própria reeleição e evitar a do competidor que lhe parece mais palatável (Lula da Silva), o “mau militar” Jair Bolsonaro (como foi definido pelo general Ernesto Geisel em depoimento publicado em livro pela Fundação Getúlio Vargas) calou. Segundo notícias plantadas nos gramados do Palácio da Alvorada, atendeu a recomendação de milicos.
Na certa sem reconhecer a necessária compostura inerente ao seu cargo, o general-de-exército (maior grau na hierarquia da Força) Luís Carlos Gomes Mattos apelou para chacota de fazer corar o reformado Mourão “moderno”. “Garanto que não estragou a Páscoa de ninguém”, disse, na certa, para receber elogios do pater familias Jair Messias ou de seus descendentes adequadamente numerados a partir de zeros à esquerda. O humor estúpido do magistrado fardado, piorado pelo cargo poderoso, muitíssimo bem remunerado e de alta responsabilidade, tem origem na desumana tentativa de desqualificar a honrada profissional de imprensa, autora da relevante notícia exclusiva, feita pelo comandante das Forças Armadas ao manifestar comiseração pela jibóia, usada como instrumento de tortura dela, grávida quando prisioneira dos esbirros da ditadura nos porões da guerra suja.
O informante da jornalista, como diriam os profissionais da dita inteligência da comunidade de informações, mas que jornalistas chamam mais adequadamente de fonte, Carlos Fico, professor de História da Universidade Federal do Rio de Janeiro, entregou-lhe o precioso material como um prêmio por seu corajoso enfrentamento da famiglia em questão. O professor é importante comentarista no documentário revelador sobre o golpe de 1964, dirigido por Camilo Tavares, O Dia que Durou 21 Anos. E só recolheu as provas sonoras da mentira generalizada à qual o País tem sido submetido desde que oficiais, subornados pelos EUA de Kennedy e Johnson, derrubaram João Goulart, vice-presidente eleito e presidente constitucionalmente empossado. Fico teve que travar uma batalha épica para ter acesso às provas e, ao fazê-lo, deu-lhe a devida divulgação.
Dos porões de que se governa a “justiça” fardada é possível escutar hoje vozes autorizadas, lúcidas e sensatas. Este é o caso da ministra Maria Elizabeth Rocha, que não teve temor de dizer a verdade: “a divulgação dos autos evitam que erros cometidos se repitam.” Trata-se, contudo, ao que parece, de uma exceção. Da mesma forma que toleraram por 58 anos a fio, ordens do dia consagrando um golpe de Estado como “momento de maturidade da democracia”, os civis que empunham as marionetes do poder político de nossa república submetida ao temor dos militares não tomaram as providências necessárias para enquadrar na forma das leis e da Carta Magna os portadores de dragonas que as ameaçam.
Não se trata de algo inédito. O jornalista Luiz Maklouf Carvalho publicou, em 2019, primeiro ano do atual desgoverno, pela editora Todavia, O Cadete e o Capitão, A Vida de Jair Bolsonaro no Quartel. Ou seja, “a reportagem definitiva sobre o julgamento que tirou Jair Bolsonaro da carreira militar”, como está registrado na contracapa. O grande repórter paraense relatou em 256 páginas a oitiva que fez de áudios do julgamento no qual o então capitão, acusado de terrorismo, e por isso condenado a 30 anos de prisão em primeira instância, foi absolvido por oito oficiais contra o voto sensato de quatro civis do STM. O feito, similar ao agora empreendido por Fico, foi inesperado e espetacular. O autor da obra ouviu, estarrecido, a maioria, composta por egressos da dita “revolução”, que não passou de um golpe de Estado, a serviço da maior potência militar, política e econômica do mundo, tratar o planejador de atentados a bomba contra quartéis e uma adutora do Guandu como herói da Pátria. E impôs sua substituição no banco dos réus pela repórter Cássia Maria, que noticiou na revista Veja o plano que poderia exterminar inocentes, e a própria imprensa. Desde então, afastado da tropa sem desonra, em cumprimento do acordo feito pelo então ministro do Exército, general Leônidas Pires Gonçalves, o já lançado no papel de sindicalista de caserna tem tratado os meios de comunicação como suspeitos de todos os crimes que ele planeja ou realiza na prática desajuizada da política mais suja. No entanto, agora como dantes, poucos, como Fico e Miriam, na universidade, na dita mídia e na política, se atrevem a denunciar os feitos malignos de aproveitadores e as injustiças perpetradas pelos tribunais superiores, em especial quando sob o comando de dragonas e botinas.
*Jornalista, poeta e escritor
Gilberto Mil, João Cândido e Mandela
Na posse na ABL, o autor de Aquele Abraço contestou a “guerra em favor da desrazão”, ora em curso no Brasil, e prometeu “colaborar para o debate, em prol da cultura e da justiça”
A escolha de Gilberto Passos Gil Moreira para a cadeira 20 da Academia Brasileira de Letras provocou estranhamento por não ser ele propriamente um profissional da literatura, mas um compositor e cantor muito popular. A escolha deu-se num momento de renovação da instituição, fundada por Machado de Assis e Joaquim Nabuco há 125 anos, depois das opções dos imortais pelos cineastas Nelson Pereira dos Santos e Carlos Diegues e pela atriz de teatro Fernanda Montenegro. Esta tomou posse de sua vaga este ano, assim que as sessões presenciais foram retomadas no Petit Trianon. A primeira mulher a vestir o fardão foi a genial romancista Rachel de Queiroz há 45 anos, oito decênios após a fundação.
À luz de nossos tempos, a estranheza não deveria ter sido causada pela eleição de um ser humano do gênero feminino, mas, sim, pelo fato de ter demorado tanto tempo para a ABL deixar de pertencer ao clube do Bolinha. O mesmo pode-se dizer do compositor, instrumentista e intérprete baiano, primeiro representante da música popular a tomar posse no salão nobre da instituição. Afinal, pode até haver alguém que torça o nariz para a inovação na gestão do jornalista Merval Pereira na presidência da ABL, Mas dificilmente surgirá um crítico habilitado a discutir com um dos patronos da indicação de Gil, o poeta capixaba (como Roberto Carlos, Carlos Imperial e Rubem Braga) Antônio Carlos Secchin. Pois este, ao falar sobre a preparação do discurso que o saudaria, me deu a oportunidade de definir o escolhido com uma expressão curta e exata: “um poeta fino” (vide Dois Dedos de Prosa, no canal José Nêumanne Pinto no YouTube, de 14 de dezembro de 2021). Se alguém ainda assim duvidar do mérito do novo acadêmico, está convidado a localizar no YouTube dois discursos recentes: o do próprio artista e o do acadêmico que o saudou.
Primeiro a discursar na sessão da própria posse, Gil demonstrou, de saída, seu entendimento perfeito da missão que lhe cabe na instituição da qual agora faz parte. Disse ele: “A Academia Brasileira de Letras é a Casa da Palavra e da Memória Cultural do Brasil. E tem uma responsabilidade grande no sentido de fortalecer uma imagem intelectual do país que se imponha à maré do obscurantismo, da ignorância, e demagogia de feição antidemocrática. Poucas vezes na nossa história republicana o escritor, o artista, o produtor de cultura, foram tão hostilizados e depreciados como agora. Há uma guerra em prol da desrazão e do conflito ideológico nas redes sociais da Internet, e a questão merece a atenção dos nossos educadores e homens públicos. A ABL tem muito a contribuir nesse debate civilizatório. E eu gostaria, efetivamente, de colaborar para o debate, em prol da cultura e da justiça.” Não poderia ter sido mais consciente, assertivo e corajoso no momento em que o Brasil mergulha em trevas de ignorância, violência, covardia e brutalidade.
Ao inovar radicalmente, iniciando a saudação em silêncio para se ouvirem, ao apagar das luzes do auditório, os primeiros versos de Lunik 9, espécie de hino do tropicalismo, em que o novo colega militou, o encarregado da saudação calou. A citação do satélite da Terra lembrou o apelido do gênio da canção nordestina, Luiz Gonzaga, que amigos como Gil conheciam como… Lua. E, depois de dissecar uma obra-prima que o introduzido produziu, Flora, em homenagem à musa e mulher, com raras erudição e precisão, o crítico completou: “Num verso famoso, Mário de Andrade contabilizou: ‘Eu sou trezentos, sou trezentos e cinquenta’. Mas, diante de sua obra, Gil, esse total é insuficiente, não expressa a abrangência de sua produção, e tampouco dá conta da sua importância ou exprime o nosso respeito pelo seu desempenho na vida artística e cultural do Brasil. A cadeira 20 vai comportar muitos Gilbertos. Por isso, equivoca-se quem supõe que a ABL esteja simplesmente acolhendo Gilberto Gil; na verdade, ao acolhê-lo, ela se engrandece com a chegada do múltiplo Gilberto Mil.”
A metáfora feliz inspirou o presidente da ABL, Merval Pereira, a registrar no Globo a “coragem moral” do compositor de Domingo no Parque. Pois, ao cumprir o dever de todo acadêmico de relembrar a imortalidade dos colegas de assento abordando sua obra, ele não tergiversou sobre o general Aurélio de Lyra Tavares, membro da Junta Militar, que expulsou Gil e seu parceiro Caetano Veloso do País, durante a ditadura, iniciada em 1964 e brutalizada em 1969. Sem apelar para o facilitário, em que muitos escorregam, de lembrar a obra poética atribuída ao oficial com o pseudônimo de Adelita, ao contrário, desafiou a atenuante, não justificando o antecessor nem apedrejando a Academia. Da mesma forma, referiu-se ao fardão cênico que usou na capa de seu segundo álbum como o que a imagem representa: a rebeldia de um militante da democracia adaptado ao combate que ora assume; da restauração da cordialidade e do nojo à brutalidade. Com total entendimento do papel deste como líder da esquadra dos combatentes da liberdade e da justiça, Merval pontificou: “Gestos de grandeza moral que servem de exemplos para os dias de hoje.”
De fato, Gilberto Mil, como cunhou Secchin, fazia parte há 52 anos de um grupo de artistas populares que pagaram com a liberdade e a expulsão da Pátria por sua aversão ao regime. Como outro afrodescendente, o cabo da Marinha João Cândido, líder da revolta da chibata, em 1910, cujos bordados a Bienal de São Paulo expôs até dezembro 0passado. E hoje ele age como Nelson Mandela, que cumpriu pena durante 26 anos para, ao sair da cela, liderar o processo pacífico que exterminou o infame apartheid, que excluía seu país, a África do Sul, do convívio do mundo civilizado.
*Jornalista, poeta e escritor
O silêncio do miliciano e suas consequências
Daniela, irmã de Adriano, acusado pela polícia de chefiar milícia e contratação de assassinatos e herói popular segundo o presidente e seus filhos, delata trama palaciana para calá-lo
Daniela Magalhães da Nóbrega, irmã do ex-capitão da PM-RJ Adriano, teria contado a uma tia por telefone, segundo áudio obtido em grampo telefônico pela polícia fluminense, que foram negociados cargos no Palácio do Planalto em troca do silêncio definitivo daquele que a famiglia palaciana sempre tratou como herói. Segundo reportagem de Ítalo Nogueira, que motivou a manchete do UOL na quarta-feira 6 de abril, o objetivo da conjura assassina seria eliminar a eventualidade de o criminoso expulso da PM relatar suas lembranças das lambanças no lar presidencial. Não há detalhes nem muito menos provas da acusação, mas, por si só, ela é de uma gravidade enorme, já que muito já se sabe e nada é preciso para comprovar, no mínimo, as sórdidas relações entre as partes expostas.
Em 2003, o primogênito de Jair, Flávio, encaminhou moção de louvor ao popular meganha. Em 27 de outubro de 2005, o pai dele, então deputado federal, Jair Bolsonaro, defendeu da tribuna o à época tenente PM-RJ três dias após ter sido ele condenado a 19 anos de prisão por tribunal do júri pela participação no assassinato, um ano antes, de um flanelinha que, à véspera da execução, denunciara milicianos “O tenente, coitado, um jovem de vinte e poucos anos, foi condenado, mas não foi ele quem matou”, disse o parlamentar, registram os anais do Congresso. “Um brilhante oficial e, se não me engano, o primeiro da Academia da Polícia Militar”, completou o capitão com a imprecisão de hábito na tessitura de suas versões. O discurso teve como fonte única o advogado do oficial durante a sessão do júri, à qual ele fizera questão de comparecer.
Em 9 de setembro daquele ano, o presidiário Adriano recebeu na cela a visita do deputado estadual Flávio Bolsonaro, que o condecorou com a mais valiosa medalha da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro – Alerj. Absolvido no processo por homicídio, o sempre suspeito de trabalhar para bicheiros foi solto um ano depois. Na operação dita Os Intocáveis, foi acusado de comandar a milícia da favela de Rio das Pedras, na Zona Oeste do Rio, e de integrar o Escritório do Crime, formado por assassinos de aluguel. A serviço deste o ex-sargento PM-RJ Ronny Teles, acusado de ter executado a vereadora Marielle Franco, desafeta do clã, atuava num quiosque nas proximidades do Vivendas da Barra, condomínio de luxo onde o pistoleiro de aluguel morava. Vizinho de ilustres como Jair e Carlos, vulgo 02, ou seja, o segundo filho do atual presidente da República. O mano Flávio, no exercício de mandato no Senado Federal, admitiu publicamente que a mãe de Adriano, Raimunda, e a irmã, Daniela, eram remuneradas em seu gabinete, por decisão de certo Fabrício Queiroz.
No histórico das relações entre a PM-RJ e o clã presidencial o mais antigo sócio é o subtenente, que havia servido com o pater familias na Brigada Paraquedista da Vila Militar do Exército no Rio, em 1984. Gestor autorizado pelo então deputado estadual, o elo visível depositou R$ 94 mil em contas da primeira-dama, Michele. A origem do dinheiro nunca foi esclarecida e, sempre que questionado a respeito, o cônjuge usou a ocasião como pretexto para disparar impropérios em cascata.
Isolado e cercado num sítio em Esplanada, no litoral da Bahia, Adriano foi morto pelas PMs fluminense e baiana em operação conjunta, em fevereiro de 2020. Sempre mudo a respeito de assuntos polêmicos, Flávio manifestou-se. Em mensagem no Twitter, chegou a sugerir que Adriano foi “brutalmente assassinado” e pediu que fosse impedida a cremação do corpo e as circunstâncias da morte, esclarecidas pelas autoridades. “DENÚNCIA! Acaba de chegar a meu conhecimento que há pessoas acelerando a cremação de Adriano da Nóbrega para sumir com as evidências de que ele foi brutalmente assassinado na Bahia. Rogo às autoridades competentes que impeçam isso e elucidem o que de fato houve”, escreveu, então.
O áudio de que dispõe a polícia fluminense, segundo o furo do UOL, é mais uma oportunidade para as autoridades, afinal, cumprirem o que Sua Excelência exigiu, com propriedade. Daniela pode ter mentido, mas, nessa hipótese, não terá sido a única. Nem terá contado a maior patranha desse festival de lorotas sangrentas. E o mistério prossegue em dúvidas nunca esclarecidas. Que prestígio político, perícia de ofício ou talento tarefeiro teriam Raimunda e Daniela Nóbrega para desempenharem qualquer função de utilidade no gabinete de Flávio? Por que até hoje, o presidente e o filho senador nunca justificaram à Nação a defesa veemente que sempre fizeram do colega capitão contra as evidências das investigações policiais e do Ministério Público e da lógica plana dos fatos? Por que o general Braga Netto, futuro candidato a vice-presidente na chapa presidencial do chefe de governo e da família, só combateu o tráfico de entorpecentes no Rio, deixando de lado os milicianos, concorrentes daqueles?
O que as autoridades encarregadas da segurança pública planejam fazer para evitar que a revelação do áudio de Daniela cause o efeito funesto da queima de arquivo, vitimando, como sempre, a parte mais frágil, ela própria? Quais atitudes a elite dirigente, política e econômica toma ou adotará para evitar que o rastilho de pólvora ora ativado faça a Nação explodir sobre os próprios pés de barro? Que moral restará ao poder judicante se continuar fazendo papel de cego de feira e surdo na ópera diante do clima de violência generalizada que assola o País neste momento de impunidade legalizada? Se tudo for pelos ares de que bolsos poderão arrancar os milhões que exigem para o sustento da politicalha de camarinha?
*Jornalista, poeta e escritor