Site oficial do escritor e jornalista José Nêumanne Pinto

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Os ex-censurados que agora querem censurar

O que esses ídolos da MPB exigem é privilégio de furar a fila da longa e lenta espera por justiça

“As aparências enganam aos que odeiam e aos que amam.” O verso de Sérgio Natureza, musicado por Tunai, fez sucesso na voz de Elis Regina, reconhecida como a maior cantora brasileira de todos os tempos, mas, ainda assim, controvertida. Agora a frase virou uma profecia confirmada. A personalidade da estrela era tão forte e polêmica que quando se casou com Ronaldo Bôscoli o irreverente Carlos Imperial ironizou: “Bem feito pros dois”. Desse casamento nasceu João Marcello, que adotou uma posição definida e lúcida contra a censura prévia que ídolos da Música Popular Brasileira (MPB) querem impor ao submeterem as próprias biografias ao crivo deles. Como os irmãos Maria Rita e Pedro, João Marcello jamais criou obstáculos à publicação de biografias da mãe por saber que fazê-lo seria trair sua melhor herança: o amor à liberdade.

Já Chico Buarque de Holanda é uma unanimidade nacional, como definiu Millôr Fernandes. Mas o símbolo da luta contra a censura na ditadura militar aderiu ao movimento Procure Saber, que luta para manter o dispositivo adicionado ao Código Civil em 2002 que submete biografias à prévia autorização de biografados ou herdeiros. Em artigo no Globo, ele acusou o autor da biografia de Roberto Carlos, proibida a pedido deste, Paulo César de Araújo, de ter usado depoimento que ele não teria dado sobre o biografado. Depois da divulgação da conversa dos dois na internet, desculpou-se, mas voltou a mentir, ao inventar que o Última Hora paulista prestara serviços a “esquadrões da morte”. Tal mancha na história do jornal é tão fictícia quanto o Pedro Pedreiro da canção do acusador. Nos anos 70, o diário teve entre seus colunistas o mais censurado dramaturgo do Brasil à época, Plínio Marcos, e chegou a ser dirigido por seu fundador, Samuel Wainer. E o filho do historiador Sérgio Buarque de Holanda, autor de Raízes do Brasil, como lembrou a irmã Ana, ainda cuspiu na memória do pai.

Provado que as aparências enganam, convém acrescentar que ninguém deve julgar por elas. Por exemplo, o movimento liderado por Paula Lavigne, ex-mulher de Caetano Veloso, não deveria chamar-se Procure Saber, mas, sim, Não queira nem saber. E ao contrário do que asseguram seus protagonistas – Caetano Veloso, Gilberto Gil, Djavan, Marília Pera e outros – não luta por uma garantia legal, já assegurada em nosso Estado Democrático de Direito a qualquer cidadão: o direito à privacidade. Mas por um privilégio a ser gozado apenas pelas celebridades: o direito de furar a longa fila de quem recorre à nossa Justiça, que não é cega, mas de uma morosidade que beira a paralisia.

A manutenção do artigo que submete a publicação de biografias à autorização de biografados ou seus herdeiros viola o princípio democrático basilar do direito à liberdade de informação, expressão e opinião. E sua extinção não interferirá na legislação que já protege a reputação dos cidadãos e estabelece penas e multas a quem divulgue mentiras, calúnias, injúrias ou difamações contra alguém. A supressão do artigo que destoa das instituições democráticas vigentes, pois, não porá em risco a reputação de ninguém. Apenas negará aos famosos o privilégio de proibirem a publicação de livros sobre suas vidas que registrem alguma informação que não queiram que seja divulgada.

O patrono dos “neocensores”, Roberto Carlos, quer manter em segredo o acidente ferroviário que lhe decepou a perna, bastante conhecido, como antes proibiu regravações de Quero que vá tudo pro inferno. Mas nem o espírito de censor, adicionado às manias de seu transtorno obsessivo compulsivo (TOC), como a de não cumprimentar quem vista roupa marrom, explica o fato de ele ter vetado a publicação de tese sobre a moda na Jovem Guarda, que considera parte de seu patrimônio pessoal.

A fortuna de Roberto e Erasmo Carlos foi construída mercê da fama obtida pela imensa receptividade do público pagante a sua obra musical. Nada mais justo! Só que celebridade exige a contrapartida da curiosidade da plateia, assim como a vida pública dos dirigentes da República cerceia algumas comodidades que os cidadãos anônimos gozam. A vida dessa elite faz parte da história da sociedade. O melhor que alguém que não queira submeter-se a esse incômodo pode fazer é recolher-se ao anonimato, trancando-se a sete chaves. Isso não quer dizer que algum biógrafo irresponsável possa mentir sobre qualquer episódio da vida de uma pessoa só porque ela é muito conhecida.

É natural, mas não é correto, que quem desperta interesse tente resguardar-se, como alguns venerados artistas reivindicam, ou exigir licença para delinquir, com a qual sonham alguns maus políticos. A condenação dos mensaleiros pelo Supremo Tribunal Federal (STF) puniu a corrupção e deixou claro para esses mandatários que eles têm, como o cidadão comum, a obrigação de cumprir as leis que debatem e aprovam. O mesmo princípio da igualdade de todos perante a lei é ferido pelo pleito do grupo de famosos que querem censurar previamente suas biografias.

Os votos de seis ministros do STF aceitando embargos infringentes de alguns réus do mensalão põem em debate outro obstáculo à isonomia: o limitado acesso à Justiça, em geral, e ao Supremo, em particular. Os ex-censurados que viraram censores prévios pretendem o mesmo que José Genoino e José Dirceu reivindicam: a garantia de um privilégio hediondo como prêmio a suas biografias de respeito. Não foi à toa que Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, advogado de alguns mensaleiros, publicou artigo em defesa dos ídolos da MPB. Mas estes deveriam era seguir o sensato exemplo de João Marcello Bôscoli: ao se pretenderem censores prévios da publicação de suas biografias, terminam manchando-as de forma indelével.

Jornalista, poeta e escritor

(Publicado na Pág. A2 do Estado de S. Paulo de 22 de outubro de 2013)


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“A Constituição de 1988, 25 anos”

A Constituição de 1988, 25 anos – A construção da democracia & liberdade de expressão: o Brasil antes, durante e depois da Constituinte é um livro que acaba de ser lançado pelo Instituto Vladimir Herzog e pelo Instituto Palavra Aberta, com organização de Marcos Emílio Gomes. Trata-se de um apanhado histórico da primeira Constituinte, em 1824, sob os auspícios do imperador Dom Pedro I, até a vigente, com relatos e ilustrações. A seguir reproduzo um dos textos selecionados para a parte final da obra, Vozes do Brasil (Jovens de olhar sagaz e jornalistas experientes falam da Constituição e do Brasil nestes 25 anos). A seu lado estão peças assinadas por Henrique Trevisani, Pedro Markun, Frederico Bortolato e Lívia Ascava, do Transparência Hacker, Leonardo Sakamoto, Ivan Marsiglia, Eurípedes Alcântara, Eugênio Bucci, Eliane Cantanhêde, Mino Carta, Ricardo Gandour, Alexandre Garcia, José Roberto Guzzo, Dora Kramer, Paulo Moreira Leite, Franklin Martins, Clóvis Rossi, Marcelo Rech e Ricardo Setti.

A jabuticaba de nossas imperfeições

José Nêumanne

A Constituinte que encerrou a longa noite de 21 anos de um regime autoritário militar que apodreceu sobre os próprios pés de barro resultou de uma perspectiva francamente exagerada. Os democratas de verdade, que combateram o regime nas brechas das normas impostas pelos quartéis, tinham-na em conta de uma espécie de panaceia particular brasileira, a Carta-feijoada, a Carta-jabuticaba. Era natural que fosse assim… Quem nunca comeu mel, diz o dito popular, quando come se lambuza, não é? Havia uma carência muito grande de direitos elementares, havia uma fome muito grande de liberdades. Por que não tentar consagrar tudo na letra da Carta Magna para assegurar que eles não seriam dilapidados e até dizimados? Pois então! Natural também foi a enxúndia que a tornou prolixa e, por isso, assemelhada ao Orçamento da União, que é propositivo, nunca impositivo. Mas como impor alguma coisa numa era de propostas generosas?

A verdade é que o certificado de nascimento do Estado Democrático de Direito, erigido sobre os escombros e o lixo da ditadura, terminou frustrando quem imaginou sua condição de panaceia, pois não curou mal algum. Mas como lhe negar a condição de bula, quase mesmo um vade mecum de nossas mazelas ancestrais, a serem enfrentadas na longa, árdua e muitas vezes decepcionante tarefa de reconstruir o convívio institucional ensaiado nos 19 anos de vigência da liberal, mas irrealista (para os padrões nacionais), Constituição de 1945? Pois é. A Constituição de 1988 é um reflexo do longo pesadelo da privação coletiva da liberdade e um relato onírico do buscado Éden da igualdade negada.

O quarto de século em que vivemos sob sua égide tem lá seus transtornos. A volta da política clássica como era praticada nos tempos do imperador carioca ou do caudilho gaúcho, e também sob o devaneio desenvolvimentista dos 50 anos em 5 do mineiro fanfarrão trouxe a crua e fétida realidade dos dejetos da corrupção. Não faz política na plena acepção da palavra quem não se dispõe a enfiar a mão na merda. E haja mão para remexer em tanta merda! Mas aí vem aquela questão que se assemelha à da precedência do ovo sobre a galinha ou vice-versa. A corrupção dos tempos da plena liberdade é maior como parece ou parece maior porque aparece? É provável que a solução desse enigma seja mais simples do que o da esfinge. É só apostar na coluna do meio: a resposta pode incluir as duas hipóteses. Pode mesmo ser maior do que era antes, porque são enormes as tentações do bolso, mas na certa a de antes mais parecia menor do que a de hoje do que realmente era. A questão mais importante mesmo é que isso não importa. O que importa é que estes 25 anos de vigência da Constituição atual são o período mais longo e também mais profícuo de manifestações do Estado Democrático de Direito dos Pais Fundadores da Revolução da Filadélfia em nossos tristes trópicos.

Interromperei estas digressões para contar uma breve observação pessoal sobre o tema que me diz respeito profissionalmente, mas também leva em conta os interesses maiores da sociedade. Muitas vezes plateias que se reúnem para ouvir o que tenho a dizer pelo Brasil afora me interpela sobre a existência de uma espécie de ditadura velada que impede que a verdade completa seja exposta quando se trata de revelar os podres de alguém que detenha poderes na República. Minha resposta é invariavelmente a mesma: minha presença ali naquele auditório é a maior prova de que esta é a balela mais estúpida que se usa para maldizer nosso imperfeito, mas nem por isso indesejável, sistema institucional. Nunca ninguém em tempo algum foi tão crítico dos poderosos, cruzando as raias da irreverência, quanto o autor destas linhas. E não apenas na falsa intimidade dos auditórios, mas também na exposição diária da tela da televisão e dos receptores de rádio, além da periódica publicação em jornal de grande circulação. Ora bolas, por mais truculentos e pedantes que sejam os mandatários de nosso poder republicano, vivemos sob plena liberdade de expressão. E este é um valor maior sob qualquer hipótese – e não pelo direito de publicar o que se sabe e se pensa, mas, sobretudo, pelo direito conquistado pelo cidadão de ser informado do que precisa saber.

Liberdade de informação e opinião não é tudo, dirão os eternos insatisfeitos – e que bom que haja eternos insatisfeitos entre nós! De que adianta denunciar os malfeitos se os malfeitores continuam impunes, locupletando-se sobre suas malfeitorias? Eternos curiosos, como eu, acreditam que nada do que se sabe, mesmo que se saiba demais, é excessivo. A sociedade precisa conhecer para saber julgar, se quiser julgar, se quiser decidir, se quiser atuar. A Constituição de 1988 não é uma panaceia, mas está de bom tamanho em sua condição de boa bula. O que se pode fazer de seu receituário é algo que depende do livre arbítrio de milhões de vontades e ambições encontrarem a mais ampla zona desmilitarizada para seu convívio civilizado. E isso está de bom tamanho para nós, brasileiros, como estaria para qualquer povo do planeta.

A Constituição é imperfeita. Por causa disso, nossa democracia também o é. E daí? Suas imperfeições são coisas nossas, não apenas brasileiras, mas humanas em geral, pois também ninguém é perfeito. Seu texto não receita a cura universal de nossos males, porque males sempre haverá e cura universal nunca houve nem nunca há. Resta-nos continuar convivendo à luz de suas normas fixadas à força da vontade da maioria reunida no Congresso Constituinte. Benditos sejam os enganos exagerados dos que a sonharam, debateram e escreveram! Seus frutos, apesar de muitos deles serem podres, já demonstraram à saciedade que eles tiveram razão em investir nas ilusões, que, se não evitam suas imperfeições, pelo menos nos ajudam a encontrar as melhores formas de conviver com as nossas podendo dispor à vontade de nosso livre arbítrio. Amém, aleluia! Carne no prato, farinha na cuia.

José Nêumanne é jornalista, poeta, editorialista e articulista do jornal O Estado de S. Paulo e comentarista do Sistema Brasileiro de Televisão (SBT) e da Rádio Jovem Pan.


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Mortos suspeitos de fundar partidos

Por que TSE autorizou Pros e Solidariedade a funcionar sem checar se assinaturas são válidas?

Nada há a contestar na decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) de negar registro ao Rede Sustentabilidade, de Marina Silva, de vez que não lhe foi apresentado o número mínimo de assinaturas de apoio de eleitores aptos a votar exigido pela legislação eleitoral. Nada justificaria que o tribunal passasse por cima da lei, pois sua função é exatamente garanti-la.

Os políticos – e a ex-senadora acriana é um deles, queira ou não queira, tenha ou não tenha outra imagem perante a população – deveriam saber que a democracia é o império da lei e a norma legal precisa ser cumprida também por eles, que a debatem, votam e aprovam. Marina teve 20 milhões de votos na última disputa presidencial, em 2010. Desde as manifestações de junho, seu nome aparece como a mais viável opção contra a provável reeleição da presidente Dilma Rousseff, que encabeçará uma chapa de muitas legendas, a começar pelas duas maiores, o Partido dos Trabalhadores (PT) e o Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB). E daí? Isso não a torna isenta de cumprir obrigações legais trabalhosas e complicadas: as assinaturas e os Estados onde elas podem ser obtidas e um prazo.

Faltou o mínimo de competência e sobrou bastante negligência à ex-senadora na coleta das 492 mil assinaturas em nove Estados e, por isso, ela chegou ao prazo fatal, sábado passado, sem tê-las em mão. Não adianta reclamar nem pôr a culpa nos outros. Desde que se desentendeu e saiu do Partido Verde (PV), pelo qual se candidatou à Presidência em 2010, ela teve tempo de sobra para conseguir mais do que o necessário. É certo que sem máquina burocrática federal ou estadual, sem estrutura profissional de apoio para conduzir o processo e sem boa vontade dos políticos com os quais concorre, ela teria dificuldades. A estas se somaram, de acordo com seu depoimento (que não pode ser considerado insuspeito), a má vontade e a lerdeza burocrática dos cartórios nos quais teria de registrar as assinaturas exigidas pela lei.

Os governistas tentaram interpor um obstáculo casuístico à sua pretensão na forma de um projeto de lei criado apenas para dificultar a criação de novas legendas partidárias. A oposição, normalmente desatenta e pouco propícia a enxergar qualquer coisa além dos muros de seus quintais, conseguiu, com o apoio do baixo clero silencioso e, ao contrário dela, atento aos próprios interesses, evitar a aprovação por urgência urgentíssima da providência que, em outras condições de temperatura e pressão, seria bem-vinda para evitar o caos partidário que enfraquece a democracia no Brasil. Mas nem isso lhe serviu de alerta para redobrar os esforços para obter o registro no TSE.

Em vez de fazer uma autocrítica sincera da própria negligência, Marina preferiu atacar os cartórios. Ora essa, cartórios são cartórios e não foram criados para simplificar o complexo, mas para complicar o simples. Não é à toa que cartorial é um termo que carrega um significado nefasto, que designa maçada, delonga, adiamento. Se, como denunciou, cartórios do ABC dos metalúrgicos do PT agiram de má-fé com ela, por que não os denunciou na Justiça nem mobilizou os militantes da Rede para atazanar a vida deles? Ora, ora, como dizia minha avó, desculpa de cego é feira ruim e saco furado.

Apesar disso tudo, convém advertir que são controversas, sim, as decisões do TSE a respeito das duas novas legendas partidárias que aumentaram de 30 para 32 o número dos partidos políticos em atuação no Brasil. Ao aceitar como boas assinaturas de apoio contestadas pelo Ministério Público, algumas entre elas suspeitas de serem de mortos, a Justiça Eleitoral lavou as mãos como o cônsul romano Pôncio Pilatos. Por que decidir a questão para não perder o prazo de 5 de outubro para a criação do Partido Republicano da Obra Social (PROS) e do Solidariedade? Por que não dirimir tais suspeitas?

A presidente do TSE, Cármen Lúcia, ao anunciar a negação de registro ao Rede, lamentou. Por quê? Nada a lamentar. A política é um jogo que se joga com regras preestabelecidas e a própria perdedora deixou claro que logo terá um partido para chamar de seu. Em vez de lamentar o inexorável, o tribunal podia explicar por que aceitou assinaturas suspeitas. Que hecatombe sofreria o País se o PROS e o Solidariedade não fossem autorizados a negociar seu apoio nas eleições de 2014? O benefício da dúvida a favor do acusado de fraudar assinaturas põe em dúvida o julgamento do tribunal.

O TSE orgulha-se muito da implantação da urna eletrônica, como se esta fosse a decretação automática do fim da fraude eleitoral no Brasil. O gato escaldado Leonel Brizola tinha dúvidas sobre isso desde que os bicheiros da Baixada Fluminense e os militares do regime tentaram tomar-lhe à força a primeira eleição direta para o governo do Estado do Rio, após ter voltado do exílio. Seria paranoia dele? Ao aceitar assinaturas suspeitas para criar dois partidos que para nada servem, a não ser para distribuir dinheiro público e tempo em televisão e rádio às vésperas de eleições pelos bolsos de seus fundadores, a Justiça Eleitoral restaura duas fontes de fraude do tempo dos coronéis: a eleição de bico de pena da República Velha e os eleitores-fantasmas que assombraram a democracia brasileira até o fim do século passado.

Sebastião Néri, em sua hilariante coletânea de casos folclóricos, narra a história do coronel Chico Braga, do Vale do Piancó, no sertão da Paraíba, onde a proximidade do Ceará e o controle dos atestados de óbito no cartório permitiam inflar o eleitorado. Balançando-se numa rede no alpendre de sua casa, o coronel ouviu o apelo para que fosse votar antes do fechamento das urnas. “Co’os diachos, menina, já votei cinco vezes hoje e ainda querem que eu vote?”, disse à moça que o embalava. Ele morreu, mortos não votam, mas será que podem ajudar a fundar partidos?

José Nêumanne Pinto
Jornalista, poeta e escritor

(Publicado na Pag. 2A do Estado de S. Paulo de 9 de outubro de 2013)


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A lei é para todos, mas a impunidade, para poucos

Ter acesso a Supremo como instância única é, na prática, melhor meio de ter  defesa ilimitada

Na teoria, os seis ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) que votaram pela aceitação dos embargos infringentes dos condenados do mensalão que tiveram quatro votos contra a sentença majoritária se inspiraram na mais nobre das intenções, a de garantir plena defesa a réus julgados não em última, mas em única instância. Os ex-dirigentes do Partido dos Trabalhadores (PT) e no primeiro governo federal deste José Dirceu, José Genoíno e João Paulo Cunha, entre outros, foram beneficiados por um princípio jurídico cuja definição – “garantismo” – não consta do Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Mas tem sido tão usada em discursos no mais alto tribunal que pode até ter entrado no pequeno universo vocabular da grande massa da população. No “juridisquês”, o termo pomposo significa direito à defesa total. No popular, empurrão com a barriga ou impunidade.

A reportagem de Valmir Hupsel Filho e Fausto Macedo na edição de domingo (22 de setembro) deste jornal não deixa dúvida quanto a isso. Pelas contas dos repórteres, “chance de novo julgamento no STF pode adiar sentença de mais 306 ações penais”. Ou seja, a oportunidade dada por seis em onze ministros supremos aos petralhas-em-chefe num processo que dura mais de sete anos para julgar delitos de que são acusados há mais de oito, esticará a delonga notória de que gozam réus em 306 ações penais e 533 inquéritos criminais, alguns dos quais se tornarão ações desde que as denúncias sejam aceitas pela Corte.

Entre estes há ex-inimigos do PT convertidos à grei dos comensais do poder socialista. De acordo com o levantamento dos dois repórteres, o deputado federal Paulo Maluf (PP-SP), que de acusado de “filhote da ditadura” passou a aliado fiel na campanha vitoriosa de Fernando Haddad à Prefeitura paulistana, responde a duas ações por crimes contra o sistema financeiro nacional. Numa delas, a 461, de 2007, também é acusado por formação de quadrilha, lavagem de dinheiro e ocultação de bens.

Caso similar é o de Fernando Collor de Mello, a quem a bancada petista negou até o direito de renunciar para lhe impor a humilhação do “impeachment”, interrompendo mandato que ganhou nas urnas contra o principal líder dela, Luiz Inácio Lula da Silva. De volta à política como senador em Alagoas pelo PTB, depois de absolvido por inépcia da denúncia que o defenestrou do cargo máximo do Poder Executivo, pertence à base de apoio na qual tem prestado relevantes serviços ao governo do PT, PMDB e outros aliados. Ele é réu em duas ações desde 2007: numa é acusado por cinco crimes, entre os quais corrupção passiva e ativa, e em outra por delitos contra a ordem tributária.

Outro beneficiário da decisão da maioria do plenário do STF é o maior partido da oposição ao governo a que Maluf e Collor dão apoio parlamentar – o Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB). Desde 2009, o deputado federal Eduardo Azeredo (MG) responde à ação penal 536 pelos crimes de peculato, lavagem de dinheiro e ocultação de bens e valores. O caso é conhecido como “mensalão mineiro” e inspira o mantra com que os petistas cobram tratamento igualitário da justiça.

Pois é exatamente de tratamento desigual que se trata. Dirceu, Genoíno, João Paulo, Maluf, Collor e Azeredo, entre tantos outros, gozam de dois privilégios negados aos lambões de caçarola das periferias metropolitanas e aos mutuários da Bolsa Família nos sertões. O primeiro é o acesso à última instância do Judiciário, reservada para quem possa pagar, ou quem tenha amigos dispostos a fazê-lo, os advogados mais caros. Outro, ainda mais incomum, é o da instância única. Mandatários do governo e da oposição são poupados dos dissabores dos julgamentos em baixas instâncias judiciárias pelo chamado “foro privilegiado” e respondem direto à Corte máxima do Judiciário.

Não foi, então, por coincidência que a sexta e decisiva adesão ao recebimento dos embargos – e é bom que se diga que há embasamento jurídico para qualquer decisão que ele tomasse – tenha sido dado pelo decano Celso de Mello, autor do mais candente voto contra a compra de apoio político no julgamento propriamente dito. O infecto sistema prisional brasileiro, de que reclama o ministro petista da Justiça, José Eduardo Martins Cardozo, o causídico casuísta, é um inferno no qual só entram os velhos três pês de sempre: pobres, pretos e prostitutas. Clientes de clubes, alfaiates e restaurantes frequentados por maiorais do Poder republicano que julga são poupados de dissabores como o cumprimento de pena em insalubre prisão fechada.

Sem ser injusto com o decano – cinco pares votaram com ele -, mas apenas para aproveitar a oportunosa ensancha da citação com a qual ele abriu seu voto de desempate (e não de Minerva, pois a deusa romana, coitada, nada tem que ver com isso), o patrono dos majoritários na decisão foi trazido a lume por ele. Poderia ter sido o udenista (condição politica execrada pelos réus beneficiários) Adaucto Lúcio Cardoso, que preferiu abdicar da toga a se submeter à arbitrariedade da ditadura militar que chegou a apoiar. Mas foi José Linhares, o presidente do Supremo que passou à história por ter alcançado a Presidência da República nos nove meses entre a queda do Estado Novo e a posse do primeiro presidente eleito sob a égide da Constituição de 1946. E que ganhou a jocosa alcunha de Zé Milhares, dada pelo populacho que não tem acesso ao Supremo por conta da profícua nomeação de parentes, pela qual sua curta e medíocre gestão tornou-se notória.

Parece lógico ter-se o voto decisivo pela aceitação dos embargos inspirado no juiz que simboliza o nepotismo nesta República em que nomear parentes para o serviço público é uma das piores pragas. Não tem este vício DNA idêntico ao da impunidade de poucos no império da lei para todos?

Jornalista, poeta e escritor


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Junho acabou no sábado

A onda junina da raiva popular virou esgoto em que chafurdam ratos oportunistas e covardes

Em junho as multidões ocuparam as ruas das grandes cidades brasileiras, assustando os políticos governistas e surpreendendo os da oposição, acendendo o sinal de alerta do Poder Judiciário e dando à sociedade a ilusão de que o gigante tinha acordado e o monstro da opinião pública devoraria os inimigos do povo.

Tudo começou com uma manifestação contra o reajuste das tarifas dos transportes coletivos, que logo se tornou reclamação contra a péssima qualidade da mobilidade urbana. A classe média engrossou o caldo para gritar contra as óbvias mazelas de um Estado que arrecada muito para que os donos do poder fiquem com praticamente tudo, quase nada restando para a gestão decente dos serviços públicos. A corrupção prejudica todos os que não são corruptos e só beneficia ladrões e traficantes de drogas. Basta ver que, como publicou este jornal anteontem, a caça aos larápios totalizou 20,7% das missões desencadeadas pela Polícia Federal de janeiro a agosto deste ano nos Estados e em Brasília, enquanto ações contra o tráfico de drogas somam bem menos – 16,9% dos casos. A inflação atinge diretamente o bolso do pobre, a primeira vítima da péssima gestão pública em educação, saúde e segurança.

Agora, dois meses depois, percebe-se que quem confiou na revolução direta das ruas, ao contrário de Chapolim, não contava com a astúcia de quem domina as manhas do regime patrimonialista. Este, na prática, nunca se renova, desde os tempos da colônia, do Império, da República Velha, das ditaduras de Vargas e dos militares e dos interregnos democráticos que as substituíram.

Após algum tempo de mutismo, decerto provocado pela perplexidade da inexperiência, Dilma Rousseff convocou rede de televisão para, em seu estilo “balança, mas não cai”, tentar convencer seus críticos de que o povo queria dar-lhe e a seu partido instrumentos para não largarem o suculento bife do poder, deixando o osso da eterna oposição para os adversários: financiamento público de campanha, voto em lista, etc.

O Congresso Nacional, composto por macacos velhos mais espertos do que ela, adotou o sistema Vampeta de agir. O volante baiano definiu assim sua relação trabalhista com o clube de futebol mais popular do País: “O Flamengo fingia que nos pagava e nós fingíamos que jogávamos”. Deputados e senadores repetiram essa malandragem até que a falseta foi desmascarada na votação secreta em que os primeiros deram ao colega Natan Donadon (ex-PMDB-RO) ocupação inusitada de legislador-presidiário. Logo depois, o mesmo plenário inventou – no país onde há leis que vingam e outras, não – a norma aprovada para nunca valer, ao tornar abertas quaisquer votações em parlamentos.

Assim como se espantaram com a explosão de raiva da população contra as escolas de lata, os pacientes morrendo nas macas em corredores de hospitais públicos e outros flagelos nacionais e fingiram que nada tinham que ver com essas queixas, governantes, parlamentares e magistrados temeram o Dia da Pátria. Tratava-se do mais apropriado feriado, pensaram, para o monstro voltar às ruas e despertar o gigante adormecido em berço esplêndido. Mas junho acabou no sábado.

Como aconteceu muitas vezes na História e foi registrado com clareza e estilo por Karl Marx em O 18 Brumário de Luís Bonaparte, a onda da indignação de todos contra tudo se dissolveu num esgoto povoado pelos ratos oportunistas de sempre. O Executivo brinca de médico cubano, dando um dinheirinho aos tiranos Castro de Cuba e fingindo que com a caridade resolve os problemas perenes dos prontos-socorros sem penicilina, macas e gaze. O Legislativo abre uma sucursal no presídio, enquanto os petistas do governo distrital em Brasília têm de ser obstados por um juiz para não concluírem um puxadinho de luxo para mensaleiros condenados. E no Judiciário prima a lerdeza, em vez da justiça, como de hábito.

Das manifestações de junho sobrou o que há de pior: a destruição generalizada dos anarquistas mascarados, que deixaram no caminho seu rastro ofensivo de ódio, sem relação alguma com a ira defensiva popular; e a covardia dos gestores públicos, que preferem perder a autoridade a arriscar-se a perder a eleição. Nada foi feito para debelar a inflação, a corrupção e a péssima gestão pública em geral, principalmente no que toca a educação, saúde e segurança. Nenhum mecanismo institucional foi criado para favorecer o encurtamento da distância abissal entre o representante e o representado. E a Justiça permanece lerda e caolha, surda para quase todos e muito sensível aos melindres dos privilegiados que têm alguma proximidade com a toga.

O rescaldo negativo da bela manifestação popular, contudo, recende a matéria orgânica apodrecida. Nenhuma autoridade foi exercida para garantir que o cidadão comum se locomova em seu hábitat. Ao contrário, quaisquer grupelhos de gatos-pingados com uma palavra de ordem continuam a impedir o trânsito de ambulâncias em vias como a Paulista, em São Paulo, e a Rio Branco, no Rio, entre outras. Com a mesma estridência com que reclamam, com justiça, dos parlamentares escondidos sob o sigilo do voto, querem que mascarados sigam promovendo quebra-quebras nas ruas. Até o inefável baiano Caetano cobriu o rosto com uma camiseta em defesa desse direito e pedindo paz, equiparando os predadores vândalos a inocentes foliões de máscara nos blocos de sujos do carnaval.

Essa mixórdia resultou no triste Dia da Pátria de 2013. Com medo da violência, o povo ficou em casa, faltando aos protestos convocados nas redes sociais e aos desfiles da comemoração da Independência. Mas os grupelhos de vândalos deixaram sua marca nada simbólica por onde passaram, chamando a atenção geral para o pesadelo do monstro adormecido em catre mísero e para a perda da noção da data nacional – e um símbolo maligno destroçou um símbolo benigno.

Jornalista, poeta e escritor

(Publicado na p. A2 do Estado de S. Paulo na quarta-feira 11 de setembro de 2013).


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É só uma esmolinha para os irmãos Castro

Nossos pobres pagarão por consultas a médicos cuja perícia não será atestada, como lei exige

Como se trata de assunto que interessa e de certa forma pode pôr em risco a vida de milhões de brasileiros pobres, convém esclarecer de vez os pontos obscuros do programa intitulado Mais Médicos, com o qual o governo federal propõe pôr fim às falhas do atendimento de saúde pública no País.

O primeiro ponto a ser esclarecido diz respeito à parte que esses profissionais têm nas deficiências e carências dos hospitais sustentados por dinheiro do contribuinte. As associações de classe e os conselhos que regulam o exercício da profissão, que de fato exige muita perícia e ética, prestariam um bom serviço à categoria se reconhecessem sua parcela de culpa, que é óbvia e grave, particularmente na questão do atendimento precário, na lastimável situação geral. Ao concentrarem todos os seus esforços no combate ao desembarque massivo de colegas vindos do exterior, conselhos e associações dão ao governo – e, sobretudo, ao ministro da Saúde, Alexandre Padilha, evidentemente de olho na colheita de votos na eleição estadual paulista no ano que vem – a oportunosa ensancha de atribuir à categoria mero interesse corporativista.

Profissionais da medicina têm o excelente argumento de tentar fugir de periferias de metrópoles brasileiras por culpa do risco de morte que podem sofrer ao tentar salvar vidas de gente carente nos bairros populares. Mas ele não vale para regiões inóspitas na Amazônia ou no sertão nordestino. Se é possível ao governo garantir o atendimento dos pobres que moram nesses ermos com estrangeiros capacitados a preencher tais lacunas, não fazê-lo por reserva xenófoba de mercado profissional chega a ser um atentado contra o direito de todo brasileiro à cura e à vida.

Só há dois argumentos irrespondíveis a essa tentativa. O primeiro será preencher as vagas com brasileiros, mas, infelizmente, não há mão de obra capacitada disponível para tanto. O outro, assegurar a quem já tem acesso ao atendimento na rede pública um serviço minimamente decente.

O segundo argumento não resolve o problema de quem não tem acesso a consultórios e ambulatórios, inexistentes nos confins do interior deste país continental. Mas ao menos limpa a imagem da categoria, aplicando-lhe uma demão de dignidade ética, regida pelo juramento que reproduz as palavras do grego Hipócrates, renegado na prática comum, particularmente quando o cliente não pode arcar com o pagamento das consultas. Infelizmente, não são incomuns os exemplos de preguiça, arrogância e, às vezes, até intolerância da parte de quem tem por obrigação zelar por um convívio respeitoso e harmonioso com uma clientela já tão maltratada pelas dificuldades de sua vida.

Pode-se argumentar, e com razão, que os casos de desídia e estupidez na relação médico-paciente, mesmo nos prontos-socorros das regiões mais carentes, não são habituais. Mas, mesmo sendo a frequência inferior aos exemplos de abnegação, convém que as entidades representativas do ofício fiscalizem com menos corporativismo e mais imparcialidade e rigor as exceções, para que estas confirmem a boa regra.

Reconheça-se que a falta dessa prática não justifica a esperteza amoral com que o governo federal – presente até nos pronunciamentos da presidente da República – tenta transferir para os médicos, e apenas para eles, todas as graves mazelas do péssimo atendimento nos hospitais públicos brasileiros. Na rede destes falta muito de tudo: equipamentos, medicamentos e pessoal paramédico preparado para o tranco de um dia a dia pesado. Mas os gestores do Estado – do legislador municipal à chefe do governo federal, sem esquecer as instâncias estaduais – estão a anos-luz do paciente pobre forçado a esperar meses a fio por uma consulta e tempo demais para ser salvo por uma cirurgia. Inculpar apenas quem tem contato direto com o doente é covarde e desumano.

Desde junho, quando as multidões clamaram por hospitais a um governo que construía arenas esportivas de “padrão Fifa”, Dilma Rousseff tem ido e voltado, proposto e recuado, em pronunciamentos públicos, providências que se referem exclusivamente à interface pessoal do sistema. A ideia de obrigar recém-formados num curso de seis anos a trabalhar mais dois para o Sistema Único de Saúde (SUS) foi um absurdo exemplo desse viés.

O programa Mais Médicos é outro. A forma como se importam 4 mil cubanos para atender brasileiros pobres nos ermos incorpora riscos. Não se trata de uma contratação, mas de uma esmolinha para os irmãos Castro, que mandam para o Brasil quem quiserem, recebem os salários de R$ 10 mil por mês para cada um, por intermédio da Organização Pan-Americana de Saúde (Opas), e remuneram os enviados com valores incertos e não sabidos. À chegada dos primeiros deles ficamos sabendo que vieram “ajudar”, e não “ganhar dinheiro”, e que estão “felizes” com isso – mesmo alertados de que não poderão aproveitar para permanecer no Brasil, até porque suas famílias ficaram lá e eles nunca poderão ficar aqui.

Não importa se os cubanos terão remuneração vil num mercado que exige muito, mas paga bem. Importa, sim, que serão encarregados de curar desvalidos sem que tenham certificada sua perícia profissional, o que é exigido por lei. Além disso, a anamnese do queixoso exige o domínio de um idioma comum, que permita ao consultado compreender sua queixa. Cubanos falam um castelhano de difícil entendimento mesmo por outros praticantes do idioma de Miguel de Cervantes. Amazônidas e sertanejos comunicam-se com dificuldade com lusófonos do Sul e do Sudeste do País. Como essa barreira será transposta? Ora, os egressos terão curso de três semanas para dominar o vernáculo. E esse prazo exíguo não é a única temeridade para os pobres que pagarão para consultar médicos sem nenhuma garantia da competência destes.

Jornalista, escritor e poeta

(Publicado na Pág. A2 do Estado de S. Paulo da quarta-feira 28 de agosto de 2013)

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